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Crítica | O Homem Que Amava as Mulheres (1977)

por Guilherme Coral
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estrelas 4,5

Saindo da temática da infância de Na Idade da Inocência, François Truffaut parte para a vida adulta, mais especificamente para o fascionio – que chega a ser assustador – de um homem em relação à mulher. O Homem Que Amava as Mulheres nos traz um olhar íntimo sobre a sociopatia de Bertrand Morane, funcionando como uma espécie de memórias póstumas através de obsessão.

A história tem início em um funeral, do próprio protagonista. Nele, contudo, há algo fora do comum: somente mulheres marcam presença e de uma delas uma narração em off toma conta do espaço sonoro, dando início a um relato sobre a vida de Bertrand. Já nesses minutos iniciais podemos perceber que o amor presente no título não se refere a uma pessoa em específico, mas ao feminino como um todo. A ironia de Truffaut, então, entra com toda a força, ao passo que percebemos o quão grande é a objetificação da mulher feita por Bertrand. Interpretado por Charles Denner, o homem contempla cada traço de suas amantes como se observasse uma obra de arte, cada qual com traços que mais lhe chamam a atenção. De uma em uma, então partimos em um livro de memórias e vamos descobrindo os diferentes casos pelos quais ele passou, similarmente ao que veríamos posteriormente em Alta Fidelidade, com John Cusack, porém ausente do romance que marca o filme de Stephen Frears.

François consegue nos prender rapidamente à narrativa justamente pela curiosidade de assistirmos, de relance, as diferentes ocorrências da vida de Bertrand. Iniciando com impactos sutis nas vidas das diferentes mulheres, assistimos intensificações que chegam até a destruir certas vidas. O roteiro, porém, não cai na linearidade e nos oferece eventos não necessariamente em ordem cronológica, funcionando como nosso próprio registro da memória emocional. Mas como se identificar com um personagem, à primeira vista, tão raso? A resposta se encontra na já mencionada interpretação de Denner, seu olhar é preciso, contendo não só contemplação, como uma nítida objetividade, como se procurasse pequenos defeitos e qualidades em um dos modelos de navio com os quais trabalha. Somado a isso temos um evidente cansaço do protagonista, tão presente, novamente, em seus olhos, que denotam que aquele modo de vida já não traz o mesmo prazer de outrora, mas que insistentemente segue – seja por rotina, seja por obsessão.

O próprio ato de escrever, que assume logo no primeiro terço da obra nos remete a um declínio de seu modus operandi – embora continue seguindo mulheres com afinco, Morane dedica grande parte de sua vida ao passado, mergulhando nas velhas lembranças que moldaram sua persona. A presença do cigarro em cena reitera tal conceito, oferecendo um conforto nessa solidão de escritor, escondendo aquilo que ele próprio se nega a admitir:  que suas ações são apenas um manifesto à efemeridade de sua vida. A criança sou eu ouvimos em um ponto específico da narrativa, mostrando que o personagem não quer crescer, dar o próximo passo, que seria, de fato, uma relação verdadeiramente romântica. A pergunta fica na mente do espectador: o que fez Bertrand assumir essa forma de viver? Truffaut, todavia, não deseja nos deixar totalmente no escuro e através de uma fotografia em preto e branco nos mostra traços da evolução do personagem – infância e adolescencia fizeram dele o que ele é hoje.

A fotografia de Néstor Almendros, que já trabalhara com o diretor em projetos como A História de Adèle HAs Duas Inglesas e o Amor, nos transporta para o lugar do protagonista ao adota enquadramentos que resumem o objeto de fixação de Morane, que vai desde a perna da amante, passando pelos botões de sua blusa, até o cabelo. Temos aqui mais um elemento que praticamente força a identificação do espectador, por mais distintos que sejamos desse estranho homem que amava as mulheres. Aos poucos, então, percebemos a crítica construída pelo realizador, ao passo que enxergamos com certa repulsa as ações de Bertrand, um homem que, no fim, já identificamos como possuindo um grande vazio em seu próprio ser – certamente fruto de sua nada saudável obsessão que, a cada ano que passa, se torna mais comum em nossa sociedade. No fim sua condição chega a ser tratada através de medicamentos, coroando o fato de que se trata, definitivamente, de algo nada saudável para a psiquê.

O tom mais leve, de comédia, que O Homem Que Amava as Mulheres assume em seu princípio aos poucos se desvai, demonstrando o cansaço de um homem. François Truffaut faz, então, uma crítica a toda a sociedade de outrora e a atual ao nos mostrar as consequências de anos e anos correndo atrás da efemeridade. Pode ter saído da temática da infância, mas continua a tratar de uma pessoa que se recusou a crescer.

O Homem Que Amava as Mulheres (L’homme qui aimait les femmes – França, 1977)
Direção:
François Truffaut
Roteiro: Michel Fermaud, Suzanne Schiffman, François Truffaut
Elenco: Charles Denner, Brigitte Fossey, Nelly Borgeaud, Geneviève Fontanel, Leslie Caron, Nathalie Baye, Valérie Bonnier, Jean Dasté
Duração: 120 min.

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