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Crítica | O Incal: A Quintessência – A Galáxia Que Sonha

por Luiz Santiago
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Quinto livro do IncalA Galáxia Que Sonha, também chamado de A Quintessência – Parte 1, nos traz, além de um roteiro excelente, um dos melhores trabalhos artísticos que a nona arte já conheceu, e isso vindo de um artista sempre elogiável como Moebius. Os desenhos, finalização e coloração de Giraud superam a já excelente obra que ele vinha fazendo desde O Incal Negro, alcançando em cada livro um patamar diferente em conceito — fazendo o que todo desenhista deveria fazer: aliar sua produção ao avanço do roteiro, à passagem do tempo, às mudanças, em vários sentidos pelas quais aquele universo passa –, chegando aqui a um ritmo e diagramação de páginas inteiramente nova dentro do Incal.

Um dos pontos mais interessantes do trabalho de Moebius aqui foi aliar a ideia de movimento à conjunção entre duas coisas: grandeza e minimalismo. A relação entre essas duas formas de abordagem gerou páginas que nos deixam um bom tempo analisando a ideia geral de mudanças daqueles personagens pelo cenário e a ligação daquelas cenas com as das páginas seguintes. Mais uma vez marcado de forma precisa pelo texto de Jodorowsky, a passagem do tempo flui entre os vários mundos através de desmaterialização, viagens espaciais por “meios convencionais” e dinamismo espacial dentro do próprio quadro, como se estivéssemos diante de um gif ou uma pequena cena de um filme repetindo-se ad infinitum. Observe a página abaixo, que abre o primeiro capítulo do livro, Inumano.

Questão de prova: “observe com atenção a página e defina o trajeto, intenção e alcance de movimento das figuras representadas“.

A ameaça da Grande Escuridão mostrada ao final de O Que Está Em Cima, volta aqui, três anos depois, agindo em todos os lados possíveis ao redor da Galáxia. Há um forte sentimento de irmandade em toda a história, mesmo que o grupo não seja unido, como eu salientei no livro anterior. Mas é com base nessas diferenças que o leitor toma partido de um e outro personagem e é a partir dela que vemos o quão diferente John Difool é dos “heróis” que normalmente assumem a sua posição de “salvador”.

A essa riqueza de comportamentos, vemos os mais variados temas e meios da ficção científica unirem-se misturando magia, surrealismo, esoterismo, política e fantasia. É inegável que tanto Alejandro Jodorowsky quanto Moebius foram influenciados por Star Wars, especialmente por O Império Contra-Ataca, ao compor algumas ideias desse volume, mas o leitor não deixará de ver semelhanças com os universos de Star Trek e Doctor Who, ainda mais na condição de novidade a cada espaço visitado (nesse caso, a cada página virada) e a conceitos bastante complexos de manipulação da realidade e ação do mal sobre o bem — ambos muito complexos. A ópera espacial aqui ganha as cores de Fundação, de Asimov, com todos os planetas periféricos, profecias para serem cumpridas, batalhas entre castas e classes sociais e busca para manter tudo funcionando e esperar a palavra final de alguém (nesse caso, o Incal) antes de agir.

Algo que já havia sido explorado no volume anterior mas volta aqui em outras nuances é o desconhecimento dos habitantes de Aquaend ou do Planeta Dourado para a existência de um Deus ou de coisas comuns para as colônias da Terra como por exemplo, férias.

A “primeira face” da Grande Escuridão se revela, após desmascarado o Tecnocentrador.

À medida que nos aproximamos do final, passando pelos capítulos Eu Vi Sua Verdadeira Face (onde a arte de Moebius é capaz de fazer qualquer um chorar de emoção) e Galáxia Cantante, o tom político do roteiro de Jodorowsky se junta a aspectos sociológicos bastante fortes. A mídia, então interrompida “por problemas técnicos” volta a ter um grande alcance; as reuniões de Assembleia voltam a acontecer e as disputas pelo poder idem. Exatamente como havia sido escrito nas entrelinhas de O Que Está Em Cima, o íntimo dos personagens e das civilizações são vistos aqui a partir de sua capacidade que querer mudar, de acreditar que mudou, mas ser, em essência, aquilo que sempre foi. E novamente repito: isso não deve ser visto como fatalismo.

John Difool é um indivíduo que resiste. Ele vive em quase constante estado de negação desde que conheceu  Incal (no próximo capítulo isso ficará bem claro por quê) e aqui o vemos como qualquer pessoa tirada de sua “vida comum”, revoltado com toda essa história de “salvar o Universo” mas sem a aura de patetismo e falsa moral a que os heróis que normalmente pensam isso se entregam. No final, ele está indo para Orgargan, o planeta natal dos Bergs, ajudar a realizar algo que o Patma Solune precisa: que todos os humanos entrem no Sonho Teta (a letra grega). Apesar de toda a grandeza, A Quintessência – A Galáxia Que Sonha não enlouquece tentando abraçar todo o Universo. Ela se mostra uma das tramas mais humanas da ficção científica e fantasia que alguém poderia escrever e desenhar. Simples, mas não tão simples assim.

O Incal: A Quintessência – A Galáxia Que Sonha (La cinquième essence – Galaxie qui Songe) — França, 1988
No Brasil: Editora Devir, 2011 (Incal Integral)
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Arte: Moebius
60 páginas

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