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Crítica | O Incal Luminoso

por Luiz Santiago
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Um ano depois da publicação de O Incal Negro, Moebius e Jodorowsky se reuniram para desenhar e escrever a continuação da space-opera sobre o “cristal senciente” chamado Incal, agora abordando implicações políticas de grande porte — uma revolução social — e elementos místicos e surreais vindos da conjunção entre as forças do Incal Negro e Luminoso.

O primeiro capítulo, Ove Tenebrae, cuida de nos mostrar as forças que guiarão o Jodoverse a partir desse tomo da saga. O Tecnopapa e seus Tecnos invocam e liberam o Ovo Negro na Galáxia, um feito que terá resultados inesperados logo em seguida, em Pânico no Exterior Interno. São praticamente três partes, até o final de Animah!, para criar uma atmosfera de catástrofe espiritual e tecnológica com apenas duas quebras narrativas, mostrando a destruição da Tecnocidade e a tentativa do povo e do Exército de Amok tomar o Palácio Flutuante, plot essencial em A Luta da Classe Deprezziva, cujos resultados, novamente inesperados, farão alguns inimigos unirem forças ao final de Imperadortriz.

Alejandro Jodorowsky dá uma aula de ritmo narrativo e aumenta ainda mais as possibilidades dentro da saga. Uma das coisas que mais me agradam em roteiros de quadrinhos é a confiança do autor na riqueza da própria obra, sem a necessidade de explicar, a cada página, os rumos que a história está seguindo. Em dado momento deste Incal Luminoso o leitor é obrigado a desacelerar a leitura (já lenta para poder observar os detalhes da arte de Moebius) e tentar encaixar as peças, ligar nomes, entender as conexões em ação. Isto é que é um roteiro que valoriza o leitor, não abandonando-o a reticências vazias mas também não o guiando a cada frase, mastigando tudo o que está escrito.

John DiFool, Deepo (a ave de concreto) e o Metabarão.

O que se destaca neste Incal Luminoso é a sequência rápida de mudanças a que o universo e as pessoas que nele habitam estão expostas. Ideias, poderes e status se alteram rapidamente. O autor estabelece claramente que enquanto as questões ligadas ao Incal não estiverem resolvidas, tudo o que vemos, todas as alianças, toda a hierarquia, todo luxo e lixo podem ruir ou ascender a qualquer momento. É a máxima representação surrealista ou niilista para o comportamento da política e das ideologias em nossa sociedade e isso tem ainda maior reflexo quando nos lembramos que a história foi escrita na França em 1982, um período de enormes mudanças no país e na Europa.

Aliás, a carga política é um dos aspectos que se misturam perfeitamente ao esoterismo estrutural do Incal. Novamente me lembrei das investidas na mesma área feitas por Enki Bilal em A Trilogia Nikopol, mas aqui no Incal Luminoso a poesia é ainda mais diluída em violência e a decadência aparece em todos os lugares, com amplitudes ainda maiores, literalmente universais.

Moebius segue mais ou menos o padrão artístico do Incal Negro, mas ao invés de espalhar a composição dos quadros entre saturados e minimalistas ao longo da história, ele escolheu desenhar o mínimo nos dois capítulos iniciais, basicamente a parte tecnoreligiosa do plot e o máximo nos capítulos finais, onde a força humana, movida pelo ódio, se destaca. Os quadros finais, com o ativo instinto de sobrevivência de Tanatah (a Mãe Sagrada do Amok), a revelação do poder de Solune, o filho do Metabarão e o surgimento do Necrodroide forçam um improvável grupo a ir para a Metanave no Lago de Ácido (há aqui uma genial cadência cíclica da narrativa, onde nada é desperdiçado), momento em que um inesperado (de novo!) e mortal problema se apresenta.

O Tecnopapa e os Tecnos invocando o Ovo Negro.

O Incal Luminoso possui um nível de ação bem mais forte que o do volume anterior. Basicamente dividido em duas partes, uma “religiosa” e outra “revolucionária”, o livro nos mostra o momento onde a realidade começa a mudar, após ter sido influenciada pelos dois Incais “soltos” nessa realidade. Jodorowsky não abadona a linha parecida com uma história de detetive (sombras do noir ainda passam sobre o texto) mas o foco já é outro.

Criticando a alienação gerada pelas mídias e o extremismo de pensamento da população, além da banalidade da violência para a sociedade, a despreocupação dos políticos-fantoche quanto aos assuntos de Estado e opondo riqueza extrema frente à miséria da população geral, O Incal Luminoso é um passo místico-sociológico na saga, que se torna cada vez melhor, se é que isso é possível.

O Incal Luminoso (L’Incal Lumière) — França, 1982
No Brasil: Editora Devir, 2011 (Incal Integral)
Roteiro: Alejandro Jodorowsky
Arte: Moebius
50 páginas

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