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Crítica | O Justiceiro – 1ª Temporada

por Guilherme Coral
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  • Confira, aqui, nosso artigo contendo todas as referências e easter-eggs da temporada.

A parceria entre a Marvel e a Netflix começou com o pé direito através da ótima primeira temporada de Demolidor. As duas últimas séries lançadas pelo canal de streamingPunho de FerroOs Defensores, contudo, abriu dúvidas sobre a capacidade desse serviço em entregar algo com o mesmo padrão de qualidade, ou que fosse, ao menos, satisfatório. À despeito desse receio, o Justiceiro demonstrou grande promessa, afinal, Frank Castle roubou a cena no segundo ano do Demônio de Hell’s Kitchen, mostrando que era capaz de gerar um seriado próprio repleto de violência, o que fugiria um pouco do padrão super-heroístico das suas produções irmãs e, de quebra, teria o potencial de finalmente fazer jus ao personagem depois de três encarnações cambaleantes no cinema, com apenas um curta não oficial que realmente capturou sua essência.

A temporada tem início já algum tempo após os eventos da segunda de Demolidor. Frank Castle (Jon Bernthal) acredita ter se livrado de todos aqueles responsáveis pela morte de sua família e vive no anonimato, trabalhando como pedreiro, basicamente derrubando muros com sua marreta, descontando, assim, toda a raiva que o preenche, guardando seus traumas para si. Tudo isso muda quando David Lieberman (Ebon Moss-Bachrach), ex-analista da NSA, também perseguido pelo governo, entra em contato com ele, revelando importantes informações sobre seu passado, que provam que sua caçada aos culpados pela sua tragédia pessoal ainda não acabou. O Justiceiro, dessa forma, retorna à ativa, querendo matar todos os criminosos que destruíram a sua vida.

Por mais que Castle conte com um modus operandi essencialmente diferente dos outros heróis da Marvel-Netflix, a estrutura narrativa de sua série solo é construída de maneira muito similar aos outros seriados do canal, contando, inclusive, com alguns vícios narrativos para lá de clichês à essa altura do campeonato. Constatada tal característica, é inevitável que enxerguemos essa primeira temporada de O Justiceiro como formulaica, o que, invariavelmente, faz dela extremamente previsível, o que não chega a estragar nossa experiência como um todo, mas certamente tira muito do impacto gerado pelos capítulos.

Aliás, um dos aspectos que certamente já pode ser considerado parte da fórmula de tais séries é a nítida e profunda enrolação que toma conta de toda a trama, dilatando-a para a duração desnecessária de treze episódios, sendo que tudo poderia ser resolvido em bem menos tempo, isso sem falar em algumas subtramas desnecessárias, que apenas enchem linguiça. Claro que devemos levar em conta a construção dos personagens, um dos grandes acertos desse seriado, já que todos contam com a devida profundidade, mesmo que alguns mais que outros – ainda assim, a narrativa claramente “enrola” em determinados pontos, esticando alguns acontecimentos, fazendo com que eles ocupem capítulos inteiros, manobra que, certamente, não é justificada pelo roteiro.

Felizmente, o desenvolvimento desses personagens permite que nos importemos com cada um deles, não apenas entendendo suas linhas de raciocínio, mas sentindo o que eles sentem. Bernthal como Frank nos convence a cada instante, trazendo o retrato de alguém sofrendo de TEPT, causado tanto pelas suas ações na guerra, quanto pela tragédia familiar. Sua ira chega a ser palpável, especialmente quando ele urra diante de um inimigo, não demonstrando um pingo de piedade. É justamente sua trágica persona que possibilita que torçamos por ele enquanto ele comete verdadeiras atrocidades – concordando ou não com suas ações, sempre queremos que ele saia vivo das situações nas quais se enfia.

A presença da violência, muitas vezes extremamente gráfica, não é por acaso. A intenção claramente é a de chocar, incomodar, remetendo ao discurso de controle de armas, tão pertinente no Brasil quanto nos EUA. A postura do showrunner, Steve Lightfoot, não segue pelo óbvio, colocando na boca dos personagens sua opinião, ao invés disso, a própria narrativa faz com que o espectador tire suas próprias conclusões. Nisso, devo ressaltar a coragem dos roteiristas em fazer de Karen Page (Deborah Ann Woll) uma personagem à favor do armamento de civis nos Estados Unidos, colocando-a contra um político de opinião contrária, rodeado de seguranças armados – a hipocrisia, dessa forma, é colocada dos dois lados, especialmente levando em conta que Page é contra as matanças de Castle.

Outra temática constantemente levantada é a corrupção e abuso de poder, ponto que vai de encontro ao “sonho americano”, estilhaçando-o por completo, da mesma forma que acontecera com a morte da família de Frank. Para desenvolver tal linha de raciocínio, temos não só os vilões, como a presença do excelente sidekick de Castle, Lieberman, em um verdadeiro exemplo de como construir uma amizade em série de televisão. Em momento algum o parceiro de Castle atravanca a trama ou tira aquela sensação de que o Justiceiro só trabalha sozinho, muito pelo contrário, ambos se complementam, sem interferir na individualidade um do outro, realmente passando a impressão de que são dois homens buscando a mesma coisa.

Já nos visuais, a série não acerta tanto, assumindo as necessárias tonalidades mais sóbrias, contudo, sem se destacar de qualquer maneira. A direção de arte segue pela obviedade, construindo ambientes pouco expressivos, especialmente quando nos vemos diante das cenas passadas no departamento de segurança nacional. O quartel general de Frank e David se resume às telas de computador do ex-analista da NSA e mesmo as muitas armas adquiridas pela dupla em determinado momento são ocultadas, quase como se o showrunner temesse que a aparição dessas fosse prejudicar a discussão sobre a liberação das armas. Mesmo as ocasionais luzes neon, comuns às outras séries da Marvel-Netflix, estão ausentes. Todos esses elementos (ou a ausência deles) fazem desse um seriado sem muita identidade.

A primeira temporada de O Justiceiro, portanto, acerta em muitos pontos, sabendo construir seus personagens, fazendo com que nos importemos com eles, mantendo, assim, nosso engajamento. A dilatação desnecessária da trama e a pouca preocupação com o visual da série, contudo, tira muito do encantamento que poderíamos ter, interferindo até mesmo no desconforto gerado pelo alto teor de violência, aspecto essencial para o funcionamento da narrativa. Frank Castle continua sendo um personagem promissor, mas que certamente merecia um cuidado maior nessa sua estreia solo nas telinhas.

O Justiceiro – 1ª Temporada (The Punisher) — EUA, 2017
Criação:
 Steve Lightfoot
Showrunner: Steve Lightfoot
Direção: Andy Goddard, Tom Shankland, Antonio Campos, Kevin Hooks, Marc Jobst, Jim O’Hanlon, Kari Skogland, Stephen Surjik, Dearbhla Walsh, Jeremy Webb, Jet Wilkinson
Roteiro: Ross Andru, Gerry Conway, Ken Kristensen, Angela LaManna, Steve Lightfoot, Felicia D. Henderson, Dario Scardapane, Christine Boylan, Michael Jones-Morales, Bruce Marshall Romans
Elenco: Jon Bernthal, Amber Rose Revah, Ebon Moss-Bachrach, Ben Barnes, Jaime Ray Newman, Kobi Frumer, Paul Schulze, Michael Nathanson,  Ripley Sobo, Daniel Webber, Jason R. Moore, Kelli Barrett, Deborah Ann Woll, Shohreh Aghdashloo, Mary Elizabeth Mastrantonio, C. Thomas Howell, Royce Johnson
Duração: 13 episódios de aprox. 52 min.

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