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Crítica | O Livro da Selva, de Rudyard Kipling

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

Rudyard Kipling nasceu na Índia, em Bombaim (hoje Mumbai), em 1865 e lá viveu até seus cinco anos quando, como era costume dos britânicos nascidos na ex-colônia, foi enviado para a Inglaterra para ser educado, vivendo com uma família “postiça”, algo que o traumatizou profundamente. Voltando para a Índia (Punjab, que hoje fica no Paquistão) em 1882 para trabalhar como curador de um museu e jornalista, ele desenvolveu-se profissionalmente.

Depois de passar sete anos no país, Kipling, ao retornar para a Inglaterra, visitou diversos países asiáticos, chegando até os EUA antes de finalmente chegar a Londres. Suas extensas viagens e sua predileção pelo jornalismo o tornaram um pródigo escritor e ele logo legaria ao mundo o primeiro O Livro da Selva (são três livros no total), escrito enquanto ele estava em Vermont, nos Estados Unidos, e publicado pela primeira vez em 1894. Apesar de não ser considerado sua melhor obra (esse mérito costumeiramente fica com Kim, publicado de forma serializada entre 1900 e 1901), O Livro da Selva é comumente sua mais famosa pelo fato de ter sido famosamente adaptada pela Disney em 1967.

Usando informações que coletou durante sua vida na Índia e muito de sua memória e experiência pessoal, O Livro da Selva é, assim como suas duas continuações, uma coletânea de contos que têm como tema central a vida selvagem ou, talvez, a harmonia da vida selvagem. Mogli, o menino humano criado por Lobos é apenas um dos vários personagens a que somos apresentados e suas  histórias ocupam apenas metade do primeiro livro ou seus três primeiros contos. Os livros posteriores também abordam outros momentos da vida do garoto até tornar-se adulto, mas o conteúdo do primeiro é substancialmente aquilo que tornou-se objeto da adaptação da Disney e que passou a fazer parte do imaginário popular.

No primeiro conto, Os Irmãos de Mogli, aprendemos sobre sua origem, depois que Shere Khan, o temível tigre manco, ataca humanos acampando na floresta e deixa escapar um bebê humano que, não demora, aninha-se entre filhotes de lobo na caverna de um casal de lobos que logo o adota. Mas Shere Khan quer o garoto de todo jeito e é só quando o menino é levado perante Akela, o lobo líder, na Pedra do Conselho e defendido por Balu, o urso pardo professor e Baguera, a pantera negra, é que ele realmente passa a fazer parte da “selva”, vivendo como um igual. Em seguida, em Kaa vai à Caça, que se passa em época anterior ao fim de Os Irmãos de Mogli, Kipling mostra um pouco como Mogli aprende a Lei da Selva e a língua de diversos animais colocando o menino como alvo dos macacos, que o sequestram e levam para uma cidadela abandonada. Baguera e Balu, então, arregimentam a ajuda de Kaa, uma enorme cobra que odeia os macacos, para resgatar o humano. Finalmente, no terceiro conto, Tigre! Tigre!, Mogli, graças às jogadas políticas de Shere Khan é expulso da selva e passa a viver com humanos em uma aldeia. Essa história fecha a narrativa principal do conflito entre Mogli e Shere Khan.

Os demais contos, A Foca Branca, Rikki-tikki-tavi, Toomai dos Elefantes e Os Servos da Majestade, são rápidas historietas auto-contidas que não lidam com Mogli ou qualquer personagem anterior. Na primeira, Kotick, uma foca branca tenta liderar seu grupo para longe dos caçadores humanos; na segunda, Rikki-tikki, o mangusto, salva uma família humana de duas serpentes; na terceira, Toomai, um menino de 10 anos, faz de tudo para ver os elefantes dançarem, conseguindo, com isso, sua emancipação como condutor de elefantes e, finalmente, na quarta história, um soldado britânico ouve a conversa entre animais da selva.

A costura narrativa é inexistente fora da temática “da selva” (algo que fica mais distante, por razões óbvias, em A Foca Branca, que não se passa na Índia) e do forte senso de lição de moral que o autor tenta passar. Como são contos trabalhados tendo crianças como alvo, o linguajar é didático, sem ser enfadonho, com um ótimo grau de imaginação e de “criação de universo”. Percebe-se que o autor tenta emprestar tradição e legado dos animais e, ao trazer humanos para o caldo, notadamente Mogli e Toomai, ele é capaz de incutir nos pequenos a necessidade de vida harmônica entre as diferentes raças, sejam elas animais da selva ou das aldeias e cidades.

Dentro do possível, Kipling mostra respeito ao não transformar os humanos em superiores aos animais. Sim, Mogli é mais esperto que a maioria de seus pares, aprendendo rapidamente as mais variadas lições e conseguindo dar cabo de Shere Khan com um plano engenhoso, mas é interessante notar como há um cuidado em se deixar claro que Mogli é o que é não apenas por ser humano, mas sim por ter aprendido com seu pai, mãe e irmãos lobos e, principalmente, com Balu e Baguera. Toomai também ganha boa dose de humildade ao dobrar-se ao estilo de vida dos elefantes que tanto respeita, mesmo sendo seu condutor.

O Livro da Selva é uma agradável leitura descompromissada que faz pensar e perceber bem claramente que fazemos parte de algo bem maior do que o conforto de nossos arredores. Trata-se de um livro que deveria ser obrigatório em todas as escolas e que todo o pai e mãe deveria ler para seu filhotes.

O Livro da Selva (The Jungle Book, Reino Unido – 1894)
Autor: Rudyard Kipling
Tradução: Vera Karam
Editora original: Macmillan Publishers
Data original de publicação: 1894
Editora no Brasil: L&PM Pocket
Data de publicação no Brasil: 2005 (reimpressão de 2016)
Páginas: 200

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