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Crítica | O Lutador (1997)

por Fernando Campos
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A parceria entre o ator Daniel Day-Lewis e o diretor Jim Sheridan alavancou a carreira de ambos. Através dos belos Meu Pé Esquerdo e Em Nome do Pai, eles conquistaram elogios da crítica e diversos prêmios logo no início de suas carreiras. Portanto, nada mais coerente do que repetir a parceria que gerou tanto sucesso para os dois. Em O Lutador, Sheridan e Day-Lewis trabalham juntos pela terceira vez; porém, o resultado é distante do conquistado nas duas obras anteriores, mesmo que o ator nos brinde com mais uma bela interpretação.

O longa conta a história de Danny Flynn (Daniel Day-Lewis), um ex-lutador que quer reconstruir sua vida após passar 14 na prisão, preso por envolvimento com grupos que lutam pela independência da Irlanda do Norte. Danny volta para seu antigo bairro em busca de paz, retomar à carreira de lutador e reencontrar a mulher que amou antes de ser preso. Entretanto, quando tenta reatar o romance, barreiras aparecem em decorrência de sua ideologia.

O roteiro de O Lutador, escrito por Jim Sheridan e Terry George, propõe-se a abordar o evento denominado “The Troubles”, evento que marcou a luta de determinados grupos pela independência da Irlanda do Norte. No entanto, a disputa ia além da mera briga territorial, uma vez que protestantes eram contra a independência, enquanto os católicos eram a favor. Ou seja, a rivalidade religiosa também marcou esse tenso momento da história irlandesa. Contudo, mesmo diante de um assunto complexo, marcante na história da região e rico em conteúdo, o longa jamais consegue passar da abordagem rasa sobre o tema.

Os grupos católicos que lutaram pela independência, por exemplo, são retratados como meros radicais. Os propósitos e intenções deles jamais são expostos, resultando em uma abordagem maniqueísta em alguns momentos. Para não dizer que a obra é isenta de lado, o roteiro claramente possui um caráter pacifista e, indiretamente, contra a independência. No entanto, a abordagem soa simplista diante de tantos conflitos, visto que os reais problemas do país não vêm à tona durante a projeção.

Aliás, o termo “raso” se aplica a vários pontos do roteiro. Por mais que o texto seja eficiente em apresentar os personagens, o longa jamais aprofunda seus traumas, parecendo uma obra demasiadamente fria e sem vigor. Veja, por exemplo, o romance entre Danny e Maggie. Em determinada cena, os dois personagens conversam sobre o passado e comentam que a moça trocou-o por seu melhor amigo, que é um preso político, sendo uma boa oportunidade para criar um conflito entre eles. No entanto, o ocorrido não passa de uma nota dentro da história e esse conflito jamais é levado para frente. Mesmo que os personagens comentem sobre seu passado, alguns flashbacks enriqueceriam a narrativa.

A única tentativa do roteiro de criar densidade na relação dos dois protagonistas é através do filho da personagem, que teme que a mãe troque o pai. Porém, devido às reações exageradas do garoto, como o ato de queimar um ginásio, essa tentativa de dramatização acaba destoando do tom da película. Apesar disso, justiça seja feita, o primeiro ato é preciso em apresentar o protagonista, estabelecer o conflito na Irlanda do Norte e criar uma atmosfera de tensão, visto que os personagens sentem-se inseguros diante de constantes ataques.

Ademais, o diretor Jim Sheridan realiza um bom trabalho na cadeira de direção, principalmente na condução de seu elenco. Aqui, Sheridan recorre à planos mais próximos, valorizando as composições de seus atores e mostrando todas as suas nuances. Favorecido pela estratégia de Sheridan, Daniel Day-Lewis entrega mais uma ótima atuação. Aliás, a interpretação do ator em O Lutador, provavelmente, é a mais minuciosa de sua carreira.

Day-Lewis constrói em Danny um personagem cansado, ressentido e que faz um esforço enorme para falar, ressaltando o peso de seus traumas; porém, gradualmente, o protagonista torna-se mais seguro, influenciado pela presença de seu amor, e o ator pontua perfeitamente a mudança no personagem. Falando no par do protagonista, Emily Watson transmite bem as dúvidas de Maggie, que precisa escolher entre ficar com seu amor ou manter-se casada. Enquanto isso, Brian Cox, mesmo que apareça pouco, consegue impor o respeito e sabedoria de Joe, algo fundamental visto que ele é um dos líderes do movimento separatista.

Ainda sobre a direção de Sheridan, o diretor inteligentemente utiliza uma paleta azulada que ressalta o clima de medo e insegurança da Irlanda do Norte. Outra estratégia do diretor é o uso de planos gerais extremos, filmados dentro de um helicóptero, que criam interessantes rimas visuais entre momentos de conflito e de liberdade. Para completar, a montagem é eficiente em inserir um ritmo pulsante na película, evitando a monotonía, mas peca por acelerar momentos que necessitavam de uma maior duração para aumentar a carga dramática.

Mas é na trama de boxe que o longa encontra seus melhores momentos e sua melhor mensagem. O esporte aqui é representado de maneira sensível, como um meio de educar e recuperar pessoas. Além disso, as cenas de luta são filmadas por Sheridan de maneira intensa, com uma câmera próxima e inquieta, resultando em boas sequências. Falando nisso, é impressionante atestar o quão confortável Day-Lewis sente-se confortável durante as cenas de luta, mostrando um preparo admirável para o papel.

Ao término da película, fica a sensação de que O Lutador não é uma obra ruim, mas também não é profunda como tenta em alguns momentos, algo visível na abordagem rasa sobre o conflito da Irlanda do Norte. Além disso, se comparado com os outros dois trabalhos de Daniel Day-Lewis e Jim Sheridan, o filme também decepciona. Resta a O Lutador ser um bom filme de boxe e nada mais.

O Lutador (The Boxer) — Reino Unido, 1997
Direção: Jim Sheridan
Roteiro: Jim Sheridan, Terry George
Elenco: Daniel Day-Lewis, Emily Watson, Brian Cox, Gerard McSorley, Ken Stott, Ciaran Fitzgerald, Lorraine Pilkington, Maria McDermottroe
Duração: 113 min.

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