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Crítica | O Maior Espetáculo da Terra

por Luiz Santiago
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O circo é um tipo de atração que sempre traz momentos de felicidade à memória. Creio que seja grande o número de pessoas, mesmo nestas primeiras décadas do século 21, com a atração em decadência no Brasil, que tiveram bons momentos assistindo a um espetáculo circense quando eram crianças ou mesmo quando adultos. É certo que cada Companhia carrega uma proposta e alguns segredos e surpresas “da casa”, mas todas possuem o objetivo de entreter, fazer rir e impressionar uma grande plateia.

Ao assistirmos O Maior Espetáculo da Terra (1952), penúltimo filme do lendário diretor Cecil B. DeMille, somos arrastados para o mundo do circo e, pelo menos nos primeiros minutos da fita, a nossa memória volta para o momento em que assistimos a um espetáculo pela primeira vez.

O longa é um ambicioso relato dos romances e crises nos bastidores do circo que jamais são vistos pelo grande púbico e também mostra um cenário de dificuldades econômicas nos Estados Unidos, o que torna o cenário impactante tanto no plano externo à Companhia (eles precisam de casa cheia para seguir com uma temporada inteira) quanto nos pequenos universos internos que nos trazem, desde paixões entre artistas, até acidentes, problemas de administração, ensaios, discussão de atos, treinamento, uso de bichos (ação hoje revisada, fiscalizada ou impedida por entidades protetoras de animais) e embates com possíveis mafiosos.

Para uma maior apreciação da obra, é importante ter em mente que DeMille, já no final de sua carreira e tendo sempre apreciado um bom espetáculo — sua recorrência na direção de épicos não foi à toa –, propunha um olhar mesclado de ficção, pseudo-documentário, melodrama e números de entretenimento, trazendo a essência do circo em suas muitas camadas, com foco principal no paralelismo de como esses artistas performam para um público e parecem felizes e impecáveis, enquanto, nos bastidores, estão em pé de guerra com alguém ou consigo mesmos. Esse conflito, é bom destacar, não é exclusivo do circo e tampouco de um filme de DeMille. Vencedores do Oscar de Melhor filme em anos anteriores como Melodia da Broadway (1929), Grande Hotel (1932), Ziegfeld – O Criador de Estrelas (1936) e A Malvada (1950) visitaram esse cenário e exploraram essa dicotomia de artistas em seu espaço de arte e em seu espaço particular.

Mas não era intenção do diretor fazer um filme exclusivamente sobre os bastidores, ou só sobre a situação de um circo afetado pelos anos posteriores à Grande Depressão ou unicamente sobre a preparação e esforços hercúleos para se transportar, preparar terreno, erguer a lona e desmontar tudo, partindo para uma outra cidade. Veja que o roteiro vai juntando todas essas peças como parte de um único universo. Entre cada uma delas há um ato, um momento de apresentação para o público, talvez como uma forma de entrelaçar melhor as partes ou intensificar os dramas de bastidores. O fato é que nesta reunião caótica de coisas acontecendo ao mesmo tempo, o longa vai se tornando enfadonho, às vezes desnecessário e povoado de cenas que claramente não estariam ali se a edição tivesse sido mais rigorosa.

A extensão dos números apresentados para uma grande plateia, o desfile dos muitos modelos exóticos e participações musicais questionáveis se estendem por 2h34 minutos, o que não ajuda muito a recepção da obra, visto que todo esse tempo é ocupado basicamente por repetições de atrações, com pequenos blocos de dramas de bastidores e a muito interessante reta final, quando a alegria é tirada a partir da tragédia. Para falar a verdade, a melhor parte da direção de DeMille está centrada neste momento. Por ter um elenco de primeira linha e todos muito bem treinados para agirem como “pessoas de circo”, o diretor não se preocupou muito com o que eles poderiam ou não poderiam fazer e partiu para uma extrapolação da realidade, transformando um grande descarrilamento de trem em mais uma oportunidade para um grande espetáculo.

A ideia do roteiro aí só é quebrada pelo drama do palhaço interpretado por James Stewart, que assim como outros pequenos dramas (a máfia ou a “guera dos sexos” onde as mulheres disputam pra ver quem fica com quem), se perde um pouquinho no meio do enredo, mesmo impactando de forma positiva o espectador, talvez pela mensagem de caráter sentimental/moral que traz.

DeMille se esforçou muito para entregar um filme que fosse uma verdadeira sessão de circo através da tela do cinema e isso fica claro pela exuberância com que ele guiou a obra e por todos os excessos que ela tem: os muitos figurinos, figurantes, o cenário onde muitas cenas foram rodadas, o espaço do famoso circo Ringling Bros. and Barnum & Bailey, em Sarasota, Flórida e a onipresente trilha sonora (um dos pontos cinematograficamente falhos da fita porque chega a ser sufocante e extremamente intrusiva, com pouca variedade de composição entre os temas), tudo isso indica de fato o maior espetáculo da Terra, mas, infelizmente, não indica o melhor filme.

Até hoje existe a polêmica sobre este ser o pior longa a vencer o Oscar de Melhor Filme, embora eu pense que existam alguns ainda piores. Mas mesmo não sendo merecedor do prêmio que recebeu, O Maior Espetáculo da Terra não é um filme ruim. Há muita coisa em jogo na proposta e na composição da obra para simplesmente desprezá-las sem uma segunda análise. Claro que não estamos falando de um exemplar digno do nome de Cecil B. DeMille ou de um filme sem o qual o espectador não saberia o que é “bom cinema”. Mas a sessão deste espetáculo é bastante válida. Se é o maior ou não, em termos de qualidade ou simpatia, isso fica a critério de vocês.

O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth) — EUA, 1952
Direção: Cecil B. DeMille
Roteiro: Fredric M. Frank, Barré Lyndon, Theodore St. John (baseado em história de Frank Cavett)
Elenco: Betty Hutton, Cornel Wilde, Charlton Heston, Dorothy Lamour, Gloria Grahame, Henry Wilcoxon, Lyle Bettger, Lawrence Tierney, Emmett Kelly, Frank Wilcox, James Stewart
Duração: 152 min.

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