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Crítica | O Misterioso Caso de Styles, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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Aposto que você não é capaz de escrever uma boa história de detetive“. Foi com esta frase que Madge, irmã mais velha de Agatha Christie, abriu, sem saber, a Caixa de Pandora que traria ao mundo a Rainha do Crime. A escrita do livro começou em 1916 (com a ação se passando em 1917, portanto, as referências à 1ª Guerra Mundial são historicamente contemporâneas à escrita do livro e justifica a presença de racionamento de energia, comida e combustível, assim como a onda de imigrantes no país — dentre os quais está um certo detetive com um famoso bigode…), mas sua publicação veio apenas em outubro de 1920, pela John Lane, nos Estados Unidos; e em janeiro de 1921 pela subsidiária dessa mesma editora, The Bodley Head, no Reino Unido.

Na época que começou a escrever o livro, Agatha Christie, então com 26 anos, trabalhava na farmácia de um hospital e tinha um conhecimento profissional sobre venenos, o que serviu de base para a formulação do plot central de Styles e seria um conhecimento que a escritora aprimoraria e utilizaria diversas outras vezes em romances futuros. Também é importante destacar que o clima de guerra e as exigências sociais que isso traz estendem um largo tapete de contextos na primeira parte da obra, quando vemos Arthur Hastings chegar para uma temporada na mansão Styles, em Essex, após ser convidado por John Cavendish, um colega infância com quem se encontrou por acaso. Hastings é um herói de guerra. Em sua narração, ele diz ter sido enviado de volta para casa como inválido da linha de frente. Uma temporada no campo era algo ideal para ele. O soldado ferido que precisava de um pouco de paz e descanso. Mal sabia ele…

Para todos os efeitos, não percebemos grandes notas de inexperiência literária em Agatha Christie na primeira parte do volume. Aqui, sabemos que ela está em seu primeiro passo no gênero policial, mas a esta altura já tinha alguns exercícios com contos e “um romance longo e monótono“, segundo suas próprias palavras. Não havia publicado nada, mas a escrita não lhe era algo novo. O romance policial, no entanto, era uma novidade. Todavia, a leitura da primeira parte de O Misterioso Caso de Styles não denuncia o fato de que estamos falando de uma novata. A apresentação dos personagens, a narração de Hastings (que nesse primeiro momento não é chato), a introdução da mansão de Styles e suas cercanias, a construção do clima de constante atenção, tudo é muito bem colocado para leitor, com uma boa dose de comentários jocosos — o humor bem-medido nos livros de Agatha Christie é sempre delicioso — rapidamente transformados em primeiras suspeitas.

Demora um pouquinho até que Poirot entre em cena, mas o tempo decorrido até a noite do terrível assassinato (a descrição dos últimos momentos da velha Emily Inglethorp é algo forte e inesquecível) se faz necessário para que o leitor familiarize-se com as picuinhas da casa e veja que existe um clima de “bombas-relógio prestes a explodir“. O curioso é que quando a revelação acontece, percebe-se a verdade por trás de tanto movimento, tantas reclamações e frases taxativas de certos personagens. Num primeiro momento, esses desvios de intenções são perfeitamente necessários para o estabelecimento da aura de suspeitas e para a primeira leva de pré-conceitos e recolhimento de informações (a mais óbvia e uma das mais bem introduzidas é a do famoso toxicologista Dr. Bauerstein), seja pelas intenções ou pelo tratamento dado à Senhora Inglethorp, ao seu marido Alfred e aos outros hóspedes e visitantes da mansão. A narrativa flui bem até o final do inquérito. A partir desse ponto (Poirot Paga Sua Dívida), o texto ganha um forte teor repetitivo e mesmo que não fique realmente ruim, se afasta muito da diversão que trouxera nos primeiros capítulos.

É muito bem ver como Hercule Poirot estreia na literatura. Agatha Christie faz uma excepcional introdução do personagem, algo tão completo e tão forte, com notas sobre sotaque, manias, modo de andar, de se vestir, bordões e principalmente método de investigação, que esta primeira “ficha de caraterísticas” seria essencialmente aquilo que veríamos do personagem ao longo de toda a sua jornada literária, guardadas, claro, as experiências que acumulou com tantos casos resolvidos. Embora eu tenha reais problemas com Hastings — que em boa parte do tempo, para mim, é intragável –, consigo perceber que uma parcela de seus diálogos com Poirot são interessantes e até engraçados, pela forma abobalhada com que esse “auxiliar de caso” expõe suas impressões e é constantemente testado pelo famoso detetive. Também é curioso ver a estreia (bem mais modesta) do Inspetor Japp, da Scotland Yard, a quem Poirot não perde a oportunidade de ironizar.

Apesar de ter uma segunda metade que parece andar em círculos, com poucas coisas tão interessantes como a linha de eventos que tivemos na primeira, O Misterioso Caso de Styles é uma leitura divertida e um pouco desafiadora. Alguns leitores deverão ter problemas com um questionável subterfúgio por parte de Poirot, quando certa vez ele fala em favor de uma personagem mas, depois, muda de ideia (ou coloca sua visão com outras palavras). Todavia, no quesito investigação, com certeza existem boas ideias sendo executadas e o talento da escritora em manipular a nossa visão já se faz perceber aqui. Não é um trabalho altamente polido, mas é um livro bastante divertido de se ler. O primeiro passo de uma grande escritora.

The Mysterious Affair at Styles (Reino Unido, outubro de 1920)
Autora: Agatha Christie
Editora original: John Lane (EUA, 1920) e The Bodley Head (Reino Unido, 1921)
No Brasil: Globo Livros (2014)
Tradução: Ive Brunelli
288 páginas

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