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Crítica | O Outro Lado da Esperança

por Luiz Santiago
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Em um momento de discussão, políticas públicas, ódio e diversas linhas de análise por parte da imprensa para o grande número de refugiados que chegam na Europa, especialmente vindos de países do Oriente Médio, não é de se espantar a quantidade de filmes do Velho Continente que já a algumas safras têm abordado essa questão, sob diferentes prismas. O próprio diretor Aki Kaurismäki já tinha visitado esse tema em seu longa-metragem anterior, O Porto (2011). Aqui em O Outro Lado da Esperança, seu foco não é mais a França, mas o seu país natal, a Finlândia. E tudo começa quando vemos Khaled, um imigrante de Aleppo, na Síria, chegar ao porto de Helsinque em um navio de carvão.

Inicialmente o diretor de fotografia Timo Salminen (habitual colaborador de  de Kaurismäki) faz um excelente jogo de luzes frias e sombras versus as cores quentes dos elementos utilizados pela direção de arte, especialmente em ambientes internos. O contraste aparece nas cenas do porto e na rua, mudando, no decorrer da obra, para blocos com destaque de cinza, verde, preto, azul e marrom, todos eles marcados por pontos vermelhos nas tomadas internas, indicação visual para a dualidade da recepção aos imigrantes que o próprio roteiro do longa, também escrito por Kaurismäki, nos transmite.

A jornada de Khaled (Sherwan Haji) na Finlândia é a mesma de muitos refugiados ao redor do mundo. Vindo de uma série de violências sofridas em sua terra natal e ao longo do trajeto até o país onde deveria se refugiar, o personagem histórico se coloca (ou é colocado, dependendo do caso) nas mãos das autoridades e espera conseguir trabalho para poder reconstruir sua vida. A dinâmica é obviamente mais simples no resumo do que na ambientação e realidade social, mas todos os ingredientes desse tipo de situação estão bem claros para quem quiser ver aqui e, em igual medida, também estão claras as decisões oficiais não compatíveis com a realidade, vide a cena onde Khaled tem o seu asilo político negado pelo Ministério porque segundo “análises da situação em Aleppo”, a cidade já não apresentava riscos para as pessoas. Na mesma noite, a TV finlandesa noticiava o horror dos muitos bombardeiros em andamento em Aleppo, a todos ameaçando.

Mas além da trama dos imigrantes existe outra história em andamento. Nela, acompanhamos Wikhström (Sakari Kuosmanen), um homem na casa dos 50 anos que se separa da esposa alcoólatra e deixa o comércio de camisas para investir em um restaurante, mesmo sem nenhum conhecimento na área. Assim que estabelece as duas narrativas, o roteiro desenvolve uma pelo aspecto do drama (a de Khaled e dos outros refugiados) e outra pela comédia (a de Wikhström, com suas muitas tentativas de fazer o restaurante dar certo). O espectador sabe que as duas linhas irão se cruzar, mas não há obviedade na forma como o enredo é construído, o que deixa a surpresa no ar por um tempo, fazendo-nos ver alguns personagens em situações de grande lirismo ou recebendo as reações básicas que estrangeiros podem receber de estranhos (ódio de uns e bondade de outros); e  personagens padecendo do marasmo ou das eventuais lutas diárias de uma vida bem estabelecida em seu país de origem.

Em meio a tudo isso temos os excelentes blocos musicais que servem como coroação de determinadas cenas e até mesmo como “introdução” de outras. Indo de gravações às ótimas performances ao vivo em bares de Helsinque, acompanhamos as noites dos refugiados banhadas a cerveja e canções com ampla gama de significados. Este ponto do filme, aliado à comédia peculiar do diretor, colocam-no em um patamar diferente dos filmes sobre refugiados. Existe um tratamento humano, poético, fraterno e uma grande quantidade de ingredientes históricos, sociais e econômicos aglutinados para formar o todo da realidade. Considerando o absurdo do dia a dia, os pequenos crimes, a disposição de algumas pessoas para ajudar quem precisa e, de outro lado, a vontade de alguns em destruir tudo o que acha diferente e o que não entende, o roteiro de O Outro Lado da Esperança diverte ao mesmo tempo que nos faz pensar sobre a situação de milhares de pessoas no mundo.

Reconstituindo o ideal da “terra dos sonhos e das oportunidades”, a cena final é um misto de alegria, desalento, ironia e dúvida sobre o futuro. A obra termina muitíssimo bem, embora tenha tido um fator destoante na reta final, com a irmã de Khaled, colocada de maneira claudicante na história. Seria mais benéfico para o filme se tudo ficasse na notícia sobre o seu achamento, dando uma explicação que encerasse a situação sem ter que trazê-la para filme, algo que não surtiu efeitos positivos (bem, há a cena do porto, mas mesmo assim…). Fora este ponto, O Outro Lado da Esperança é uma obra deliciosa, uma comédia improvável repleta de críticas sociais e doses de drama musical. Um filme humano e necessário para os nossos tempos, uma Era Global onde fronteiras se mostram cada vez mais fechadas; uma era de Globalização onde muros proliferam e ondas de ódio ao estrangeiro é a nova ordem dos que só enxergam na violência e na destruição uma maneira de resolver as coisas. Pobres (e também afortunados, dependendo de quem encontrarem pelo caminho), são aqueles que esperam alguma coisa. Desde que não seja viver como exilado político ou refugiado.

O Outro Lado da Esperança (Toivon tuolla puolen) — Finlândia, Alemanha, 2017
Direção: Aki Kaurismäki
Roteiro: Aki Kaurismäki
Elenco: Ville Virtanen, Dome Karukoski, Kati Outinen, Tommi Korpela, Sakari Kuosmanen, Sherwan Haji, Niroz Haji, Tommi Eronen, Mirja Oksanen, Clas-Ove Bruun, Maria Järvenhelmi, Taneli Mäkelä, Jörn Donner, Elina Knihtilä, Kaija Pakarinen
Duração: 100 min.

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