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Crítica | O Perfume da Folha de Chá, de Dinah Jefferies

por Cida Azevedo
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Ambientado nos anos 1920, O Perfume da Folha de Chá tem toda a aura de romance inglês de época: mocinhas casadouras, charleston, interesses amorosos e conflitos familiares. A protagonista Gwen Hooper, no entanto, está de mudança para o Ceilão (atual Sri Lanka), então colônia da Inglaterra — um lugar exótico e isolado, que será palco de grandes dramas para a mocinha, recém-casada com um rico plantador de chá. Gwen terá de lidar com o passado misterioso do marido, uma cunhada desagradável e não confiável e, após sua gravidez, um enorme segredo — dessa vez, seu — que poderá levá-la à ruína. Some-se a essas questões pessoais as tensões políticas do Ceilão: conflitos entre nativos e ingleses, luta por Independência, hostilidade de empregados… O resultado é um romance bem novelesco e, consequentemente, movimentado e atrativo.

Grande parte do enredo do romance é construído sobre os segredos não só da protagonista, mas de outras personagens; o problema é que a descoberta dessas verdades secretas por vezes deixa a desejar. Dinah Jefferies consegue criar grandes expectativas nos leitores, mas não logra resolvê-las à altura. O desfecho, sem dúvida, poderia ser mais bem cuidado. Ainda assim, a tensão crescente e a cada vez mais iminente descoberta dão um tom bastante interessante ao livro, que é capaz de prender facilmente o leitor. Com um narrador colado à perspectiva de Gwen, vê-se seu crescente desespero. Percebe-se que sustentar certas mentiras pode ser tão caro (ou mais até) quanto lidar com a difícil realidade. E os sentimentos conflitantes da personagem são descritos de maneira que torna fácil ao leitor criar empatia e sofrer junto com ela.

A construção de personagens também é envolvente. Além de Gwen, que amadurece bastante ao longo da ação, algumas personagens secundárias têm traços notáveis. É o caso de Verity, moça ciumenta e de princípios duvidosos, que nutre pelo irmão sentimentos possessivos quase incestuosos e se dedica a infernizar a vida da cunhada. Savi Ravasinghe, artista plástico sedutor e fascinante, em quem não se sabe se é possível confiar ou não. Naveena, criada nativa que se torna cúmplice e confidente da protagonista – entre outros, como o próprio Laurence Hooper, misterioso marido de Gwen, que é uma incógnita durante boa parte da trama. Com a visão parcial do narrador, todas essas personas são desenvolvidas sob a perspectiva de Gwen, e, portanto, não são completamente conhecidas ou confiáveis – o que lhes confere maior fascínio.

Se as  personagens são bem desenvolvidas, há, por outro lado, aspectos cujo desenrolar deixaram a desejar. Nesse sentido, as questões políticas e históricas poderiam ter sido menos superficiais, trazendo novas dimensões ao romance. As cenas com trabalhadores da fazenda e conflitos políticos focam na “bondade” da sra. Gwen Hooper para com seus subordinados, o que é clichê e um tanto irritante. Se a heroína realmente fizesse sua a luta dos trabalhadores, seria uma coisa… mas, como não há ação efetiva, torna-se um discurso vazio, uma tentativa de idealizar a mocinha que se privilegia de um sistema injusto, mas – veja bem! – não concorda com ele (embora também não se esforce para mudá-lo). Desnecessário. Se Jefferies quer de fato retratar questões da Inglaterra colonial, com certeza a estratégia “bondade da princesa Isabel” é uma escolha infeliz.

De maneira geral, O Perfume da Folha de Chá é um bom livro, que cumpre aquilo a que se propõe. Um romance de época, dramático, uma mocinha que sofre um bocado, mistérios e mortes, amor e ciúmes, poder e injustiças. Descrições bem construídas, de maneira a ambientar o leitor num espaço singular, com todas as suas cores e cheiros, sem perder de vista a desigualdade e a miséria ali presentes. Personagens interessantes e leitura agradável, que prende a atenção na maior parte do tempo. De certa forma, uma cara de telenovela – o que pode ser um elogio ou uma crítica, a critério do leitor. Para quem gosta do gênero, a agradável surpresa de que ainda é possível achar livros assim em pleno 2017… porque poderia facilmente ter sido escrito muito, muito antes disso.

O perfume da folha de chá (The Tea Planter’s Wife) – Inglaterra, 2015
Autor: Dinah Jefferies
Publicação: Editora Paralela, 2017
Tradução: Alexandre Boide
431 Páginas

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