Home FilmesCríticas Crítica | O Predador (2018)

Crítica | O Predador (2018)

por Gabriel Carvalho
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O cinema compreende isso muito bem. Os malditos alienígenas sempre retornam para o nosso planeta, mas caindo, na maioria das vezes, justamente nos Estados Unidos. O Predador, ao menos, continuação dos filmes de 1987 e 1990, possui uma conexão interessante com o militarismo, principalmente o americano, mas estendendo-o, curiosamente, também ao interplanetário. Os soldados enlouquecidos, os bodes expiatórios e os traidores. A obra lida com todas essas temáticas, ao mesmo tempo que é cética o suficiente para não conseguir desvencilhar o homem da guerra, em uma tentativa utópica de conseguir livrar o ser de seu passado. As marcas da guerra, dessa maneira, são eternas. O protagonista da fita, Quinn McKenna (Boyd Holbrook), é um homem prestes a ser lobotomizado, após ter tido um contato acidental com um Predador, conseguindo fugir “ileso”, mas não antes de roubar partes da armadura do alienígena. As marcas, por sua vez, são anteriores, comprovando o porquê do personagem ter roubado do alienígena e não entregado ao governo. De início, já temos um homem consideravelmente destruído, mas um bom soldado, que, mesmo assim, é traído por aqueles que ele lutou por. Os acasos, então, começam a costurar a narrativa.

Quando, no filme, os grandes antagonistas, de verdade, são os soldados americanos, de algum projeto super-secreto entre tantos projetos super-secretos, O Predador revela a sua verdadeira faceta. O embate entre os seres extraterrestres do filme pouco tem a ver com o envolvimento dos nossos “heróis”, se misturando, pelo completo acaso, na confusão com os militares, estes sim interessados na problemática grandiloquente colocada em pauta, algum plano mirabolante, explicado na trama de alguma forma expositiva, mas desimportante para o entendimento do filme em uma instância geral. Os alienígenas possuem uma missão, de fato, mas percebam como é o tratamento dos Predadores ao grupo de protagonistas, formado por ex-soldados, todos mentalmente debilitados, que estavam prestes a serem condenados a alguma destruição psíquica, completamente avulsos da “questão principal”, sem interesse moral ou humanitário, mas compelidos à situação em decorrência do envolvimento desses alienígenas com uma certa criança, peça central do enredo. A ameaça verdadeira, por parte dos Predadores, surge quando aqueles lunáticos se confundem em meio aos soldados que eles um dia foram, os reais opositores aos Predadores.

O longa, nesse quesito, consegue justificar a síndrome do protagonismo, sem desperdiçar a equipe principal de “heróis”, segurando, portanto, seus membros suficientemente em cena para que possamos nos importar com eles. A dinâmica de grupo é um acerto que sustenta uma unidade muito mais interessante para o público que a unidade de militares, comandada por Will Traeger (Sterling K. Brown). A criação de um vínculo emocional entre o público e o grupo de lunáticos é funcional, não em um sentido sentimentalista, mas em um sentido afetivo mais cru, porque o trabalho de Shane Black, diretor do longa-metragem, não é meramente dramático, mas também bastante cômico, casando no componente emocional, mas quebrando com essa ótica na questão da fluidez narrativa, que não complementa-se perfeitamente bem com os momentos de ação e, bem esporádicos, de horror. O grande carro-chefe para a venda desse filme, o Predador, o monstro alienígena em si, é distanciado do palanque esperado para sustentar sua participação antagônica. A violência gráfica, contudo, contribui para um crescendo de tensão no coração do público, diante de uma criatura capaz de estraçalhar seres humanos com extrema facilidade.

O Predador, todavia, está longe de ser uma obra de horror. Quer dizer, o verdadeiro enfoque do horror está no entrelaçamento entre o homem e a guerra, especialmente os lunáticos, completamente transformados por ela, mas tendo que retornar a um cenário de combate para não enfrentarem um destino ainda pior. Em um ponto de vista moral, a redenção de Shane Black para os seus personagens não os distanciam do cenário apocalíptico, militarizado, mas os aproxima ainda mais deste, justamente os guiando dentro de uma narrativa sobre resgate, aderida por pessoas que, de certa forma, nada têm a ver com aquilo tudo. Quando a obra decide por visualizar poeticamente acontecimentos do clímax, o resultado é consideravelmente obscuro, porém, podemos compreender a sólida tentativa de Black em relacionar o passado com o presente, mas mudando as consequências de traumas sórdidos, envolvidos em tendências suicidas decorrentes de causas despropositadas, para um interesse em algo maior, mesmo que dentro de um escopo pessoal, como é o caso da presença do menino a ser resgatado. O pieguismo da visão humanitária, acima de tudo, some.

O ponto em questão, entretanto, é em relação aos colegas de McKenna, não ao próprio protagonista, completamente destoante dos demais, envolvido em um discurso específico, também similar ao combinado com esses soldados pós-guerra, mas muito mais destrutivo para os outros do que para si mesmo. “Você me fez mentir para o meu filho”, diz o personagem, relacionado-se ao momento em que disse ao seu próprio filho, a criança precisando de resgate, que não gostava de matar pessoas. Shane Black está consideravelmente longe de desenvolver a obra mais bem resolvida de todas sobre esse assunto, mas a intenção é explorada com competência. O envolvimento da personagem Casey Bracket (Olivia Munn) com a situação é outro ponto notável, possivelmente descartável. A personagem é uma bióloga, sem qualquer relação com a guerra, ao menos, não da mesma maneira que os demais envolvidos. O roteiro e o cineasta, em um primeiro momento, tratam a personagem com certa malícia, colocando uma arma em sua mão, mas não a ensinando a atirar. O público ri da personagem, que apenas cresce no terceiro ato. A inteligência de Black sobra, por outro lado, para associarmos o cachorro predador com o cachorro terráqueo – um acerto do longa.

Um dos distúrbios do filme, que tenta encontrar-se em outros gêneros e âmbitos, termina por ser a relação dos personagens com a criança gênio, interpretada por Jacob Tremblay. As características do personagem são extremamente exageradas pelo diretor, em uma tentativa de justificar sua condição como um próximo passo de evolução para a humanidade, a qual não compreende-se perfeitamente bem com o interesse do espectador. A estrutura do roteiro também não permite a aceitarmos como algo além de uma desculpa esfarrapada, nessa contradição entre o importante e o desimportante. O macguffin, porém, é o que une o grupo de McKenna com o grupo dos militares, um enfrentando o outro, enquanto um e o outro enfrenta o Predador. A dinâmica confusa e conflituosa deixa as coisas mais interessantes. Ao mesmo tempo, Shane Black não é extremamente consciente da obra que está propondo, confundido sua malícia com as batidas mais previsíveis de uma narrativa típica. Na conclusão, porém, o cineasta assume essa situação viciosa da relação entre o homem e a arma. O filme não é sobre o futuro da humanidade, mas também não é sobre um pai querendo salvar o seu filho. O Predador é uma obra sobre o homem que, no final das contas, tem o mesmo instinto assassino que o icônico personagem-título da franquia.

O Predador (The Predator) – EUA, 2018
Direção: Shane Black
Roteiro: Fred Dekker, Shane Black
Elenco: Boyd Holbrook, Trevante Rhodes, Jacob Tremblay, Keegan-Michael Key, Olivia Munn, Thomas Jane, Alfie Allen, Sterling K. Brown, Augusto Aguilera, Jake Busey, Yvonne Strahovski, Edward James Olmos, Niall Matter, Dean Redman, Steve Wilder, Nikolas Dukic, Andrew Jenkins
Duração: 101 min.

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