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Crítica | O Retorno de Jafar

por Giba Hoffmann
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Era inevitável. De um lado, o Renascimento Disney ia de vento em popa, trazendo visibilidade estratosférica aos longa-metragens animados dos Estúdios Disney, cujos personagens reinavem no imaginário de crianças e adultos por todo o mundo. De outro, o braço televisivo do camundongo, o Disney Television Animation, vinha de uma sequência de sucessos desde o final da década de oitenta, com o bloco The Disney Afternoon expandindo a presença da marca na programação diária nos Estados Unidos (iniciativa que, no Brasil, seria refletida no glorioso Disney Club / CRUJ) com produções como Tico e Teco: Defensores da LeiTaleSpinDuckTalesDarkwing Duck A Turma do Pateta. Era uma simples questão de tempo até que as duas coisas se alinhassem e os sucessos do cinema passassem a dar as caras nas telinhas.

A Pequena Sereia foi o que primeiro abriu caminho para a possibilidade, com uma série animada nos tradicionais blocos de sábado de manhã. Porém seria o spin-off televisivo de Aladdin a primeira produção derivada dos longas a compor o badalado bloco diário da Disney Afternoon. O Retorno de Jafar é, essencialmente, o carro-chefe dessa série televisiva, aparentemente servindo ao mesmo tempo como teste do conceito e episódio piloto. Antecipando a decisão bizarra da Lucasfilm em lançar uma sequência costurada de episódios-piloto sob a guisa de longa-metragem animado com o filme que iniciou The Clone Wars, a produção da Disney pega um produto notadamente cru e apressado e tenta fazê-lo passar por algo que não é. Que ele consiga entreter para além dessa limitação depende em grande parte da postura do espectador em relação a isso — e é fato que este piloto televisivo supera em todos os quesitos grande parte das terríveis sequências direct-to-video que foram produzidas posteriormente sem nem ao menos a desculpa de se ter uma série animada para divulgar.

A forma como o enredo se propõe a dar sequência aos eventos do sucesso de 1992 é, no mínimo, curiosa. Ao invés de colocar Aladdin e companhia no centro de outro dos contos de As Mil e Uma Noites ou desenvolver alguma narrativa centrada nos próximos eventos da vida do personagem-título, O Retorno de Jafar concede um inusitado protagonismo ao papagaio Iago. Pois é, o personagem central da sequência é o sidekick animal cômico do vilão do filme original. Bem, ainda assim é melhor do que uma história sobre o filho de Aladdin sonhando em viver nas ruas, não é mesmo? Por intrigante que possa parecer, a escolha de Iago funciona bem dentro da proposta da animação, e estrutura uma narrativa que não foge muito dos temas do filme original, ao mesmo tempo em que serve perfeitamente para organizar o status quo da série animada, que provavelmente requisitava um Aladdin e Jasmine ainda em vias de se casar e não dispensava a adição de Iago e do Gênio ao elenco de personagens.

Iago escapa da lâmpada de Jafar, onde fora aprisionado no final do filme anterior, mas decide aproveitar a deixa para cancelar a parceria com o vilão e partir sozinho para a próxima trambicagem. Vendo em Aladdin sua porta de entrada de volta para o palácio, o papagaio decide engambelar o antigo conhecido e, por uma série de coincidências, acaba fazendo ele achar que salvou sua vida, o que o leva a decidir dar uma segunda chance ao papagaio. Com Aladdin mantendo um desnecessário segredo a respeito do fato, uma trama um tanto forçada sobre mentiras e confiança — ecoando uma das temáticas do primeiro filme — se organiza em torno da volta de Iago e do um tanto coincidente retorno de Jafar, após o bandido Abis Mal encontrar sua lâmpada. Mas engana-se quem achar que o ex-garoto de rua tem qualquer coisa a dizer sobre isso ou a realizar durante a trama, exceto sofrer os efeitos de sua decisão em depositar a confiança em Iago.

É Iago o único personagem que passa por um arco e se transforma ao longo do filme, e é curioso que o nome de Aladdin seja omitido do título justamente levando-se em conta isso. O filme funciona melhor como spin-off televisivo (os famosos OVAs, no caso das animações japonesas) do que como sequência propriamente dita da obra original. Fosse apresentado como o que realmente é — um episódio piloto para a televisão —, não haveria tantos problemas em termos estruturais, com o elenco principal organizando-se em torno de uma trama episódica que serve justamente para estabelecer o papagaio e o Gênio como parte da turma e exemplificar esse funcionamento mais do que desenvolver a segunda parte de uma trilogia.

Porém, em se tratando de uma sequência, a mudança de foco soa inevitavelmente estranha e não é difícil pensar que, embora o roteiro ainda sim traga bons momentos de personagem e bom desenvolvimento temático, é este o filme que abriu precedentes para as infames tragédias que os estúdios Disney viriam a lançar futuramente como “sequências” de suas obras aclamadas. A trama acaba conseguindo se sustentar no carisma dos personagens, cujas interações trazem bons momentos que certamente encantaram as crianças fascinadas pela animação original — ainda que a falta de Robin Williams, substituido aqui por Dan Castellaneta, acabe sendo irremediavelmente sentida na caracterização de um Gênio decididamente mais apagado (apenas quase cósmico e semi-fenomenal, poderíamos dizer!).

Se o enredo segura as pontas apoiando-se sobre um núcleo temático minimamente consistente e na boa caracterização dos personagens, na parte visual é que a coisa irremediavelmente cai por terra. A animação de O Retorno de Jafar traz a qualidade de um cartoon televisivo da época, porém com ainda menos consistência do que se poderia esperar de uma produção do tipo. Não é só o fato de que a animação é de baixa qualidade, mas seus defeitos variam de tal forma que a mudança frequente de estilos e abordagens faz destacar cada um deles de forma berrante o tempo todo.

Por vezes é o traço dos personagens que está totalmente fora dos eixos, por outras a animação repentinamente vai da fluidez ao travado, e nem comecemos a falar na coloração e arte-final, que simplesmente mudam no meio das cenas, como se a coisa toda fosse um costurado de sequências feito por equipes que só foram se conhecer na hora de juntar as partes. Se assistido em sequência direta ao primeiro, é praticamente impossível prestar atenção em qualquer coisa que não a essa queda absurda de qualidade. Acredite, quando você se pega “torcendo” para que determinado estilo de arte-final e paleta de cores dure por mais tempo, é porque há algo de incongruente com sua animação.

A trilha sonora de Mark Watters é bastante competente, trazendo canções que grudam na cabeça e com propostas não abordadas no primeiro filme, com destaque (é claro) para os números próprios de Iago e Jafar. Ainda que sejam números curtos e essencialmente debitários das composições de Alan Menken e Howard Ashman, elas não destoam do que se poderia esperar da produção, exceto talvez em termos de escala, fator que é acentuado pela simplicidade da animação que os ilustram. Perto da grandiosidade e expansividade dos clássicos instantâneos do primeiro filme, as sequências musicais aqui parecem diminutas, simples e resumidas — uma versão compacta e mais barata daquilo que deu tão certo na superprodução para os cinemas.

Praticamente todas as inconsistências e estranhezas da produção são explicáveis ao se levar em conta a natureza televisiva da fita, cujo estatuto enquanto longa animado e sequência de uma produção infinitamente superior deve-se mais a uma decisão de marketing do que de qualquer intento criativo. Apoiando-se nos ótimos e carismáticos personagens e no mundo e mitologia astutamente criados no longa de 1992, O Retorno de Jafar traz ares de televisão feita às pressas, e por conta disso não tem como atingir seu objetivo de ser vendido e visto como sequência em qualquer altura do original, mesmo levando-se em conta o fator direct-to-video. Porém, ainda assim vale notar o sucesso relativo do filme em oferecer entretenimento doméstico a um público infantil sedento por mais do universo de Aladdin à época.

Ao contrário de outras produções do mesmo tipo, a fita mantém o respeito com o mundo e temáticas do original e traz uma caracterização mínima do elenco de personagens em um enredo bastante razoável para inaugurar as aventuras televisivas da turma de Aladdin. Com um melhor acabamento no setor de animação, a produção poderia estar à altura da série animada que se seguiu ou mesmo de Aladdin e os 40 Ladrões. Da forma como acabou sendo finalizado, permanece sendo para sempre um belíssimo guilty pleasure para as crianças da época — como este que vos escreve —  que piraram com a perspectiva de aventuras continuadas no universo mágico do longa original.

O Retorno de Jafar (The Return of Jafar) — EUA, 1994
Direção: Toby Shelton, Tad Stones, Alan Zaslove
Roteiro: Duane Capizzi, Doug Langdale, Mark McCorkle, Robert Schooley, Tad Stones
Elenco (vozes originais): Jason Alexander, Jonathan Freeman, Jeff Bennett, Gilbert Gottfried, Linda Larkin, Scott Weinger, Dan Castellaneta, Jim Cummings, Frank Welker
Duração: 69 min.

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