Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | O Segredo do Abismo

Crítica | O Segredo do Abismo

por Ritter Fan
3,1K views

estrelas 5,0

Essa crítica conterá spoilers.

Em um curto espaço de dez anos, entre 1984 e 1994, James Cameron solidificou sua carreira na Sétima Arte como um mestre de filmes de ação. Afinal, ele foi responsável por uma sucessão inacreditável de cinco longas metragens quase perfeitos desse gênero: O Exterminador do Futuro, Aliens, O Resgate, O Segredo do Abismo, O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final e True Lies. Depois disso, já literalmente podendo fazer o que quiser, Cameron ainda acabou sendo o responsável pelo primeiro filme a ultrapassar a barreira do bilhão de dólares de bilheteria (Titanic), além de, depois, bater seu próprio recorde com Avatar, o atual – e que permanecerá ainda por muito tempo imbatível, diria – campeão de bilheteria.

Mas, de todos os filmes que citei acima, O Segredo do Abismo é, provavelmente, o menos lembrado e o mais subestimado. No entanto, mesmo depois de 25 anos, esse filme é uma obra-prima da ficção científica de ação, muito possível a verdadeira melhor criação de James Cameron.

Exagero? Acompanhe-me então nos comentários abaixo.

O Segredo do Abismo contém todos os ingredientes de uma obra de ação oitentista, mas com uma qualidade de produção invejável, diálogos espertos e uma saudável quantidade de tensão que, mesmo após assistir diversas vezes, perdura incólume a cada nova conferida. Além disso, as atuações são muito acima da média de filmes dessa natureza, com Ed Harris fazendo uma muito bem azeitada dupla com Elizabeth Mastrantonio e com o normalmente canastrão Michael Biehn (que trabalhara com Cameron em O Exterminador do Futuro e Aliens, O Resgate) mostrando que sabe atuar de verdade como o soldado durão que enlouquece com os rigores do mergulho profundo e da descompressão.

A Guerra Fria estava em seus estertores quando o filme foi lançado, mas Cameron soube trabalhar esse tema de paranoia dentro da narrativa, fazendo um submarino nuclear sofrer um acidente por razões misteriosas. Os militares, então, pedem ajuda ao Benthic Explorer, navio controlador de uma plataforma experimental submarina de petróleo, já que eles estão perto do local do acidente. Bud (Ed Harris) é o comandante da equipe no fundo do mar que relutantemente aceita as ordens da empresa que trabalha para ajudar os militares liderados pelo Tenente Hiram Coffey (Michael Biehn) a resgatar eventuais sobreviventes. Como brinde, Bud ainda recebe ajuda de sua quase ex-mulher Lindsey (Elizabeth Mastrantonio) que é odiada por todos e tem a reputação de ser durona e teimosa.

É evidente que o resgate dá errado graças às ações estúpidas dos militares e do descontrole de Coffey, tema esse que é repetido, sempre que possível, por Cameron. A partir daí, trata-se de uma missão de sobrevivência pontilhada, discretamente, por aspectos de ficção científica relacionados com o misterioso “submarino” ultra-rápido com que o submarino americano teve que lidar e que Lindsey vê durante o resgate.

A fotografia submarina capitaneada por James Cameron e pelo veterano diretor de fotografia sueco Mikael Salomon ainda é o padrão da indústria. Com diversas sequências efetivamente filmadas em tanques submarinos de água salgada e em ambientes molhados mais controlados, o filme é de um realismo que impressiona, quase documental. A iluminação sempre está apenas um pouco acima do suficiente para vermos o mínimo necessário, mas nunca, em momento algum, isso atrapalha. Ao contrário, essa fotografia cirúrgica permite não só a imersão total no filme, amplificando a tensão a níveis quase insuportáveis, como, também, transforma a mãe natureza em parte absolutamente integral da narrativa.

Aliás, foi O Segredo do Abismo e toda a tecnologia desenvolvida pela equipe de Cameron para o filme que aguçou o gosto do diretor por filmagens submarinas que o levariam na direção de Titanic e de seus dois documentários de mergulho profundo, Fantasmas do Abismo (2003) e Aliens of the Deep (2005). E isso sem contar com as vindouras sequências de Avatar, em que uma delas ao menos explorará as profundezas dos oceanos de Pandora.

Mas a fotografia de nada adiantaria não fosse o roteiro, escrito pelo próprio Cameron. E não estou falando aqui de um roteiro de outro mundo, que nunca se viu antes. Nada disso. Só que Cameron, além de suas habilidades técnicas, sabe como contar uma história engajante com ninguém a partir de ideias requentadas. Há a história de amor entre Bud e Lindsey perpassando toda a narrativa, as questões ambientais, os militares como vilões e os alienígenas (ou seres submarinos que convivem conosco há milênios, tanto faz a sua interpretação) benevolentes. Há o sacrifício, o heroísmo, as viradas de último minuto e muita tensão. Mas James Cameron transforma o proverbial limão narrativo em uma deliciosa limonada suíça forte, potente, capaz de comover e nos prender à tela do primeiro ao último minuto e quiçá ainda arrancar uma lágrima furtiva aqui e ali. Sim, há muito diálogo piegas, muitos chavões, mas todos eles são orgânicos e saem da boca de atores confortáveis em seus papeis e se esforçando para ampliar a experiência (mesmo que a tensão no set tenha sido gigantesca graças às técnicas pouco ortodoxas de Cameron no tratamento de seu elenco, especialmente Ed Harris que saiu tão enfurecido da experiência que se recusou a fazer qualquer tipo de publicidade do filme ou trabalhar novamente com o diretor).

Os 139 minutos de duração da versão de cinema de O Segredo do Abismo passando voando – ou nadando – graças ao trabalho de Cameron com seu esperto roteiro e, principalmente, à montagem que intercala de forma fluida sequências de ação com momentos mais calmos sem que nunca percamos o foco ou nos confundamos sobre quem é quem, mesmo considerando os equipamentos de mergulho que mascaram os rostos dos atores.

Outro grande fator para o sucesso narrativo do filme é seus efeitos especiais de ponta que, mesmo depois desse tempo todo, não envelheceram quase nada. Estamos falando de 1989, quando os efeitos de computação gráfica ainda engatinhavam e tinham, claro, que ser usados com parcimônia para não transformar filmes em pastiches e Cameron sempre foi muito cuidadoso nesse quesito, com a consciência que precisava esperar o momento certo para ousar. E é o que ele faz aqui. Apesar da fita ter sido quase que integralmente construída com efeitos práticos e chroma key permitindo a sobreposição quase invisível de imagens, Cameron não hesitou em trabalhar sua pièce de resistance, ao usar a então insipiente tecnologia conhecida como morphing, hoje lugar comum em qualquer série de TV das mais simples. Apesar de não ter sido a primeira vez que foi usada (essa honra fica com Willow – Na Terra da Magia, no ano anterior), foi a primeira vez que ela foi usada de maneira absolutamente convincente, com a desde já antológica sequência do “tentáculo de água” que deixa Lindsey, Bud e seus colegas embasbacados e Coffey desesperado, já demonstrando estado terminal de paranoia bélica. E embasbacamento é que a plateia sentiu também, juntamente com os personagens. Lembro-me muito claramente de saborear cada segundo da sequência na cadeira do cinema, literalmente não acreditando no que estava vendo.

Mas, revendo a obra hoje em dia, é também difícil de acreditar no que ouvi ou, muitas vezes, no que não ouvi na obra. A trilha sonora de Alan Silvestri contribui em muito para a atmosfera tensa do filme, combinando notas fortes e suaves com bastante inteligência, de certa forma emulando seu próprio trabalho em De Volta Para o Futuro e o de James Horner em Aliens, O Resgate. Só que o que há de mais certeiro em termos de trilha em O Segredo do Abismo é o silêncio. James Cameron sabe perfeitamente como construir tensão ou com a sincronização de momentos tensos mas “de uma nota só” da trilha em sequências de ação ou simplesmente fazendo uso da ausência de trilha. E, talvez o maior exemplo disso seja na fenomenal sequência em que Bud, sem alternativas, tem que carregar Lindsey pelo fundo do congelante mar e revivê-la na plataforma submarina. Só ouvimos os diálogos desesperados, o apito do desfibrilador, as batidas no peito de Lindsey, o choro, a recusa em desistir e, finalmente, o ar novamente entrando nos pulmões da moça, com a trilha recomeçando, suave e esperançosa, logo em seguida. São momentos como esse que destacam O Segredo do Abismo dentre a safra de filmes do gênero ao final da década de 80 e começo da de 90.

Perdido no meio de super-sucessos de um diretor que, ame-o ou odeie-o, fez e faz escola no Cinema, O Segredo do Abismo é uma pequena grande obra-prima que não deve ser esquecida. Muito ao contrário: deve ser vista, revista e, sim, reverenciada pelos fãs de filmes de ação e de ficção científica.

O Segredo do Abismo: Edição Especial

estrelas 5,0

Tenho uma relação pessoal de amor e ódio com a Edição Especial de O Segredo do Abismo, lançada em 1993. Ela contém 28 minutos de cenas extras, estendendo o filme para 167 minutos.

Algumas sequências curtas logo no começo da obra são inócuas e realmente acabam só aumentando o tempo do filme sem nada acrescentar. No entanto, mais para a frente, aprendemos mais detalhes sobre o porquê de Bud e Lindsey estarem separados, aumentando a eloquência e a importância da sequência do “mergulho no abismo” de Bud.

Da mesma forma, a tensão entre União Soviética e Estados Unidos é mais explorada, explicitando o que antes ficava nas entrelinhas, com imagens de efetivos ataques de um país ao outro por intermédio da televisão. Tenho sentimentos ambíguos em relação a esses minutos a mais, pois, apesar de eles amplificarem o sentimento de perigo de Armagedom que, na versão de cinema, fica mais restrita ao ambiente submarino, acaba, talvez, sendo didáticos demais. Mas o fato é que as inserções funcionam organicamente, sem interferir na fluidez narrativa.

Mas as grandes adições vêm mesmo na revelação dos seres do fundo oceânico. Vemos muito mais, aprendemos muito mais. Muitas das reclamações sobre a versão cinematográfica eram em torno do aparente deus ex machina do salvamento de último segundo que os misteriosos seres fazem. Para mim, isso nunca foi deus ex machina. Estava lá no filme o tempo todo para quem quisesse ver nas entrelinhas. A introdução de novos momentos junto com esses seres e a explicitação maior de seus poderes de controle das águas que ameaçam o mundo à beira da guerra, como se eles fossem vigilantes da condição humana empresta uma nova dimensão aos aliens translúcidos e criam um novo subtexto narrativo que, por incrível que pareça, acaba funcionando. Seria uma exagero afirmar que são dois filmes diferentes, mas é inescapável a conclusão de que a versão de cinema conta uma história e a Edição Especial outra, mais explícita e talvez mais complexa. De toda forma, todas as duas funcionam muito bem e já é um alívio perceber que a adição de 28 minutos é útil e não meros fillers para fãs que adoraram o original (como Peter Jackson faz em O Hobbit, aliás).

As duas versões, assim, precisam ser apreciadas pelo público. Só resta a Fox lançá-las remasterizadas, em formato anamórfico e em alta definição.

O Segredo do Abismo (The Abyss, EUA – 1989)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron
Elenco: Ed Harris, Mary Elizabeth Mastrantonio, Michael Biehn, Leo Burmester, Todd Graff, John Bedford Lloyd, J.C. Quinn, Kimberly Scott, Captain Kidd Brewer Jr., George Robert Klek, Christopher Murphy, Adam Nelson
Duração: 139 min. (edição de cinema), 167 min. (edição especial)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais