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Crítica | O Sonho de Greta

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Retratar as inúmeras mudanças pelas quais passamos durante a adolescência não é tarefa fácil para qualquer realizador. Não só esse difícil período é diferente para cada um que o vive, como não se resume apenas aos estouros de mal-humor e afins, acontecendo mais internamente do que exteriormente. O Sonho de Greta é justamente uma obra sobre o amadurecimento, o abandono da infância e todos os temores que isso traz consigo. Adotando uma linguagem mais surreal, através de sequências oníricas, o longa, apesar de alguns deslizes, consegue representar muito bem esse período de transição.

A trama gira em torno de Greta (Bethany Whitmore), uma jovem de catorze anos que acabara de se mudar de colégio e que ainda não conta com nenhum amigo. A fim de fazer com que a garota se socialize mais, seus pais organizam uma festa de quinze anos para ela, convidando todos da escola. Durante essa ela deve aceitar que está envelhecendo e que não é mais criança, lidando com diversos aspectos ligados ao amadurecimento, como a sexualidade, independência, dentre outros. Greta logo descobre, porém, que deixar o passado para trás não é assim tão fácil, já que ela precisa lutar consigo mesma para conseguir se tornar adulta.

Embora seja o longa-metragem de estreia de Rosemary Myers, a diretora demonstra um belo domínio de sua obra. Empregando principalmente planos com os personagens centralizados ela consegue transmitir um evidente desconforto no espectador, que passa a se sentir como se estivesse sendo observado por aqueles em tela. Isso se torna evidente em uma das melhores sequências da obra, na qual a câmera se estabelece sobre a mesa, girando, alternando entre os interlocutores, como se nós próprios fôssemos os objetos “calados” sobre a superfície. Com isso rapidamente criamos um elo com a protagonista, entendendo o turbilhão de emoções que tomara conta da menina. Em outros pontos a decupagem prefere nos colocar, claro, no ponto de vista da protagonista, como se pedisse a identificação com a personagem, o que, de fato, acontece.

Myers acaba errando, porém, quando as cenas oníricas tem início. A obra brinca com a fantasia e o terror, mas não realiza transições entre um e outro e, no fim, não se aprofunda em nenhum desses gêneros, como se estivesse indecisa sobre qual caminho seguir. Sentimos, portanto, como se as boas ideias do roteiro de Matthew Whittet (baseado em sua própria peça teatral), perdessem a força em virtude dessa execução hesitante, que teme mergulhar nos lados mais assustadores da psiquê de Greta.

Felizmente, disfarçando esse deslize da direção, temos a exemplar direção de arte de Erica Brien, ao lado dos figurinos de Jonathon Oxlade. Ambos criam uma bela mistura da infância com a juventude, ao ponto que não sabemos exatamente se o que vemos em tela é uma fantasia infantil ou um terror adolescente, que teme chegar à vida adulta. Enquanto os cenários se mantém em tons neutros, as roupas assumem cores mais vivas e a fotografia de Andrew Commis sabe muito bem quando destacar os personagens e quando deve os misturar ao seu meio, representando bem os momentos nos quais Greta se sente um elemento estranho ou parte daquilo que a envolve.

O trabalho de Bethany Whitmore também é um que não deve ser descartado, visto que, ao longo do filme, ela consegue perfeitamente resumir inúmeros estados de espírito. Desde a apatia até o medo, a atriz precisa representar essa espiral de emoções que sua personagem vive em um período tão curto de tempo. Aquela menina que vemos no início de sua festa de quinze anos já não é a mesma ao término dela – enxergamos em seu olhar um claro amadurecimento, algo que Whitmore consegue extravasar com bastante evidência. Dito isso, a evolução da protagonista, que vemos aqui é, sim, algo interior, mas que conseguimos discernir pela forma como o comportamento da mesma se altera.

O Sonho de Greta consegue fazer, portanto, o que muitos filmes ambiciosos não conseguem: representar o amadurecimento de uma pessoa, o abandono da infância e a necessidade de se abraçar a juventude, que acarreta na vida adulta. Embora tenha dificuldade de acertar o tom da obra, a diretora Rosemary Myers demonstra ser, desde já, um nome promissor no cinema, não temendo abraçar o surrealismo, que tão bem exemplifica aquilo que sentimos dentro de nós. No fim, o filme é o sonho ou pesadelo que todos nós tivemos em determinado momento de nossas vidas.

O Sonho de Greta (Girl Asleep) — Austrália, 2015
Direção:
 Rosemary Myers
Roteiro: Matthew Whittet
Elenco: Bethany Whitmore, Harrison Feldman, Amber McMahon, Matthew Whittet, Eamon Farren, Tilda Cobham-Hervey, Imogen Archer, Maiah Stewardson
Duração: 77 min.

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