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Crítica | O Último dos Moicanos

por Luiz Santiago
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estrelas 4

A Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763), que envolveu diversos reinos europeus, destacou-se por inúmeras batalhas travadas onde esses reinos possuíam colônias e teve a sua parcela americana, a Guerra Franco-Indígena, narrada no livro de James Fenimore Cooper, lançado em 1826, The Last Of The Mohicans: A Narrative Of 1757. Sendo um dos muitos momentos heroicos da História dos Estados Unidos (que ainda não existiam, como país), o romance despertou muito cedo o interesse do cinema, tendo a primeira adaptação relevante acontecido em 1920, sob direção de Clarence Brown; seguindo-se também uma versão em 1932 e outra em 1936, cujo roteiro, assim como o livro de Cooper, acabou servindo de base para este filme Michael Mann, lançado em 1992.

Através das Montanhas Adirondack, no atual Estado de Nova York (importante ressaltar que o diretor não fez a principal fotografia in loco, mas sim na Carolina do Norte, porque ali a preservação das florestas era bem mais similar às do Adirondack no século XVIII) três homens caminham para o oeste, em busca de novas terras para viver. Embora as Treze Colônias ainda não fossem independentes e não existisse a ideia de Destino Manifesto, que marcaria a História do país nascente (e, no futuro, a literatura e o cinema western), a busca de terras em outros territórios indígenas ou apenas “territórios selvagens” a oeste já podiam ser vistos neste período da História, embora com intenções diferentes e, em boa parte, empreendido por tribos indígenas em fuga e alguns poucos aliados ou agregados brancos, como é o caso de Hawkeye/Nathaniel Poe (Daniel Day-Lewis em uma ótima interpretação) criado como um filho por Chingachgook (Russell Means), o último chefe da tribo dos moicanos.

Fazendo acertadas mudanças nos fatos históricos para caber melhor à junção de romance (não tão bem construído e tornado um pequeno empecilho para o enredo na parte final do filme), ação e drama de guerra, contando aí os valores morais e familiares no trajeto, o roteiro de Michael Mann e Christopher Crowe coloca lado a lado a batalha dos franceses contra os ingleses e os interesses indígenas, fazendo do filme em parte uma jornada para se chegar a um lugar seguro — o início e o final da película são fortemente delineados com este caráter — e uma selvagem busca por amor e paz.

Sob comando do fotógrafo Dante Spinotti (que seria nomeado ao Oscar por seus trabalhos em Los Angeles: Cidade Proibida e O Informante), a direção de fotografia nos lembra muito os quadros do período romântico e o filme inteiro se beneficia visualmente pela escolha de Spinotti em usar pouca luz, para conseguir uma aparência mais natural. Como existem muitas cenas noturnas, é possível ver sombras, fumaça e fontes de luz de fogo que engrandecem o cenário e formam verdadeiros quadros de guerra, especialmente nas panorâmicas ao redor do forte que os ingleses defendem. Neste espaço, apenas a representação do lado dos franceses parece solta e sem muita utilidade no todo da obra (notem que até a guerra é à distância), tendo aí apenas uma cena particularmente relevante, a do encontro entre os comandantes. Em contrapartida, os figurinos de todos os grupos mostrados são excelentes, expondo um grande cuidado histórico e um bom gosto estético de Elsa Zamparelli, já nomeada pelo seu ótimo trabalho em outro filme de temática indígena, Dança com Lobos (1990).

Marcado pela ocorrência de intrigas a todo o tempo e com uma grande ameaça em andamento, o roteiro é ágil ao abordar as batalhas e as fugas. Na defesa de seus interesses, líderes tomam decisões que podem parecer questionáveis a outros olhos, o que certamente causa ainda mais problemas dentro e fora de seus grupos amigos. Há também a constante lembrança de que as tribos indígenas e os territórios nativos — então dominados por ingleses, franceses e espanhóis — eram espaços perigosos e de disputas políticas intricadas, de modo que a guerra em si não era uma novidade para estes povos. As motivações e intenções finais dos europeus, porém, eram uma novidade, assim como os vícios que trouxeram e as ideias de conquista que pareciam já contaminar alguns chefes de guerra nativos. Um novo tempo se mostrava para os indígenas.

O tratamento dado aos romances, no roteiro, é o ponto mais frágil da obra. Os pares são traçados quase como um desafio no início, e seria bom se esta base fosse mantida pelos autores, mas o heroísmo e as batalhas passam da disputa territorial para a disputa pelo amor de Cora (Madeleine Stowe), o que não se mostra exatamente uma boa ideia, mesmo que o enredo force em Hawkeye um sentimento de proteção e amor melodramáticos, empurrando a narrativa para um final épico e com lutas de cunho pessoal. A derradeira reflexão da fita é tocante e traz a sensação de que este foi apenas mais um capítulo violento na história de um território, um capítulo de guerra que, como sempre, defende algo que traz mais poder a um grupo central e nada de novo para os indivíduos que têm famílias e amigos mortos no processo. Em qualquer lugar e época, a guerra e seu rastro de horrores acaba terminando com um quê de esperança e promessas reconstrução. Um dos nossos mais amargos paradoxos.

O Último dos Moicanos (The Last of the Mohicans) — EUA, 1992
Direção: Michael Mann
Roteiro: Michael Mann, Christopher Crowe (baseado em um roteiro de 1936, escrito por Philip Dunne e baseado na obra de James Fenimore Cooper)
Elenco: Daniel Day-Lewis, Madeleine Stowe, Russell Means, Eric Schweig, Jodhi May, Steven Waddington, Wes Studi, Maurice Roëves, Patrice Chéreau, Edward Blatchford, Terry Kinney, Tracey Ellis, Justin M. Rice, Dennis Banks, Pete Postlethwaite
Duração: 112 min.

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