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Crítica | O Último Magnata

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Elia Kazan teve uma das carreiras mais interessantes e equilibradas, em termos de qualidade, da história do cinema. Vencedor de três Oscars (A Luz é Para Todos, 1948; Sindicato de Ladrões, 1954 e um honorário, em 1999) e dezenas de outros prêmios importantes da indústria cinematográfica, além de dezenas de outras indicações, o cineasta construiu sua filmografia com base em um modelo respeitado de direção de atores — ele foi ligado ao teatro e teorizou sobre dramaturgia, além de ser co-fundador do Actors Studio –, e produção de poderosos dramas com temática humanitária como Laços Humanos (1945) e O Justiceiro (1947); críticas sociais ferrenhas a questões raciais, políticas, históricas e ideológicas como Viva Zapata! (1952), Sindicato de Ladrões (1954) e Terra do Sonho Distante (1963); abordagens polêmicas para a sexualidade como Boneca de Carne (1956) e Movidos Pelo Ódio (1969) ou à indústria cultural, como Um Rosto na Multidão (1957) e O Último Magnata (1976), seu último filme.

Ao se despedir do cinema, Kazan procurou visitar o seu próprio mundo, a arte que fizera seu nome, que o colocara como pária social na era marcathista e vinha mudando grandiosamente a cada década, resistindo a comissões de censura, ao advento da TV, dificuldades técnicas de produção, etc. O Último Magnata fala sobre o lado não glamouroso do cinema. O lado das batalhas para que um filme aconteça e onde vivem as faces humanas “invisíveis” que permitem uma arte inteira existir.

Baseado no livro inacabado de F. Scott Fitzgerald, cujo protagonista, Monroe Stahr, foi baseado na figura do “garoto prodígio” da MGM, Irving Thalberg, o filme traz um elenco grandioso em excelentes atuações e alfineta todos os aspectos internos de um estúdio, dos produtores aos atores. O fio que guia o roteiro é Monroe Stahr (vivido por um inspirado Robert De Niro), personagem viciado em trabalho que tem sua rotina abalada pela chegada de uma garota por quem se apaixona perdidamente e começa a cometer alguns excessos, algo que irá desagradar os outros produtores do estúdio, culminando na “dispensa para longas férias” que o personagem recebe ao final do longa.

A crueldade da indústria cinematográfica ou da fama sempre teve potencial para bons filmes. A ilusão do estrelato, a mudança de personalidade daqueles que chegam ao ponto alto dos holofotes, as exigências artísticas, os mimos e chatices do processo de realização de um filme, tudo isso se junta para formar o complexo star system hollywoodiano, um “estado das coisas” que Kazan traz para o público a partir do ponto de vista do produtor, cujo diálogo com o espectador se dá com pequenos simbolismos no decorrer do filme e alcança um ponto alto no desfecho, com direito a olhadas do protagonista para a câmera e diálogo direto do personagem com “o outro lado da tela”.

A inteligente montagem de Richard Marks permite que o roteiro, que é bastante falho, apesar de todas as críticas, satisfaça o espectador ao menos em uma pequena parte de cada momento do longa. É claro que isso não acontece sempre e Kazan peca na insistência de determinadas situações, como na colocação da “garota dos sonhos” de Stahr em cena ou a tentativa de explorar de forma paralela o ambiente artístico e o pessoal dos personagens. Na teoria isso parece interessante, mas na prática, gera buracos que nos fazem questionar o foco do filme. Não fosse o excelente trabalho de edição e o toque de Midas de Kazan junto aos atores, o resultado poderia ser desastroso.

A discussão sobre “vida imitando a arte” ganha uma versão interessante em O Último Magnata. Com um elenco estelar (destaque para Robert De Niro e Robert Mitchum), belíssima música de Maurice Jarre e concepção crítica para a sétima arte, o filme tem a atmosfera de despedida pretendida por Kazan. A saída de Monroe Stahr do estúdio, sendo engolido pelas sombras, é um óbvio espelho desta era que terminava para o diretor. Uma era do cinema que também nas sombras se perdia, e então dava lugar a um novo momento, com novas estrelas, produtores, diretores e estilos. Um ciclo artístico vicioso e perigoso que irá existir enquanto existir o cinema.

O Último Magnata (The Last Tycoon) — EUA, 1976
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Harold Pinter (baseado na obra de F. Scott Fitzgerald).
Elenco: Robert De Niro, Tony Curtis, Robert Mitchum, Jeanne Moreau, Jack Nicholson, Donald Pleasence, Ray Milland, Dana Andrews, Ingrid Boulting, Peter Strauss, Theresa Russell, Tige Andrews, Morgan Farley, John Carradine, Jeff Corey
Duração: 123 min.

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