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Crítica | O Vampiro (1932)

por Luiz Santiago
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O dinamarquês Carl Theodor Dreyer tinha alcançado bastante destaque com o seu nono filme, O Martírio de Joana D’Arc (1928) e, no ano seguinte, começou a preparar o seu próximo projeto junto ao estúdio francês ao qual estava ligado. Diante de divergências sobre o tema a ganhar as telas, Dreyer abandonou o investimento da companhia e resolveu buscar ele mesmo o financiamento, tendo já feito algumas alterações de concepção na forma do futuro filme. De repente, o diretor entendia que precisava entrar na linha dos talkies (os filmes falados), já que e o uso dessa nova tecnologia (disseminada a partir de 1927) deixava as películas mais atrativas para o público.

Durante sua viagem ao Reino Unido, a fim de estudar a tecnologia dos filmes falados, Dreyer se encontrou com o escritor dinamarquês Christen Jul, com quem se aliou para escrever um enredo de “mistério e coisas sobrenaturais“. Empolgado pelos “filmes de monstros da Universal” (principalmente O Corcunda de Notre Dame, O Fantasma da Ópera, O Homem Que Ri e Drácula), Dreyer queria dar uma visão diferente para este tipo de cenário medonho, trazendo algo mais exigente em seus conceitos e menos ligado ao puro choque visual. Daí veio a inspiração na coletânea de contos In a Glass Darkly (1872), de Sheridan Le Fanu, com destaque para os contos Carmilla (uma história de vampira com um subtexto lésbico) e The Room in the Dragon Volant.

Co-produzido pelo Barão Nicolas de Gunzburg (que adotou o nome Julian West para não ter mais problemas com a família, que não aprovava sua carreira de ator), em troca do papel principal — algo que não foi um sacrifício para Dreyer aceitar, visto que ele preferia trabalhar com não-atores — O Vampiro começou a ser filmado em 1930 e teve seus trabalhos de filmagem estendidos até o ano seguinte. Parte disso veio das dificuldades de locações e reunião dos não-atores, visto que a obra inteirinha foi registrada em locações. Uma das histórias mais interessantes sobre a produção é que o próprio castelo utilizado como “ponto de encontro” entre os personagens humanos, a vampira e as almas, serviu também de estadia para a equipe de produção do filme. Imaginem só.

Os diretores de fotografia Louis Née (ainda no começo da carreira: este foi o seu quarto trabalho) e Rudolph Maté (que tinha mais tempo em atividade, mas seus trabalhos realmente relevantes até ali haviam sido ao lado do próprio Dreyer, em Michael e O Martírio de Joana D’Arc) conseguiram um feito impressionante ao mostrar o lado espiritual e talvez moral que o roteiro de Dreyer e Jul sugeriam, colocando na tela a inspiração visual delineada pelo diretor naquele momento, a atmosfera das obras do pintor Francisco Goya.

O bom uso das locações, a ideia de utilizar câmera em movimento em um tempo em que isso não era algo comum, o bom uso de planos mais longos e um pequeno ensaio de plano-sequência (importante lembrar que a versão que conhecemos de O Vampiro não é a original, pois parte de seus negativos se perderam), o foco difuso e sobreposição para fazer com que as “almas” dos personagens andassem pelos cenários, a inserção das sombras e destaque de pontos macabros do ambiente para sugerir o medo — sem contar o grande empurrão da música de Wolfgang Zeller — fazem de O Vampiro uma criativa e impressionante realização de terror nos anos 1930, colocando-o em um patamar bem diferente do gênero naquele momento.

O trabalho imagético, no entanto, não tira dela a confusão que existe no desenvolvimento. As mudanças de ponto de vista, misturando sem mais nem menos alucinações e cenas da realidade, atrapalham a história tanto quanto a passagem pouco orgânica entre os blocos ou a apresentação de personagens como Der Schlossherr (Maurice Schutz), que aparece como uma “assombração real” no quarto de Alan Gray, ainda no início do filme. Isso não é explicado ou trabalhado de maneira coerente, embora o papel dele e do jovem sejam plenamente entendíveis no decorrer da fita.

Apesar dos problemas de montagem e roteiro, O Vampiro constrói com sucesso uma das versões que temos sobre o arquétipo dessas criaturas das trevas. A forma aqui fala mais alto que o texto, é verdade, mas talvez seja por isso que o filme recebeu um grande destaque através dos anos, porque mesmo com uma história enrolada e pouco fluída, a obra se beneficia pela boa atmosfera e por excelentes escolhas visuais, fazendo do medo algo mais sério e poderoso do que apenas o susto fácil que tomaria conta do gênero terror no futuro. Este é o que podemos chamar de “terror raiz” no sentido mais íntimo do termo.

O Vampiro (Vampyr) — Alemanha, França, 1932
Direção: Carl Theodor Dreyer
Roteiro: Christen Jul, Carl Theodor Dreyer (baseado na obra de Sheridan Le Fanu)
Elenco: Julian West, Maurice Schutz, Rena Mandel, Sybille Schmitz, Jan Hieronimko, Henriette Gérard
Duração: 83 min.

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