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Crítica | Obsessão (1943)

por Luiz Santiago
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Não é apenas pela ousadia que Obsessão, o primeiro filme de Luchino Visconti, se inscreve como uma das grandes obras do cinema italiano. Não é apenas por trazer às telas um sensualismo e indicações homoeróticas que essa película foi e é até hoje, considerada “polêmica”. Penso que a questão real de Obsessão é a força e ao mesmo tempo a sutileza com a qual o estreante diretor trabalhou os seus temas. Estavam aí os ingredientes para uma grande obra e a abertura das primeiras portas para um novo estilo de se fazer cinema na Itália.

Não se trata, porém, de um filme impecável. No plano técnico, apesar da visível procura em deixar perfeita a composição dos planos, há uma série de inadequações, especialmente em relação aos planos de detalhe para objetos e atores. O início do filme sofre mais nesse sentido. Quando da apresentação dos amantes protagonistas, a tímida câmera parece se perder e não saber em que ângulo captar as expressões da dupla. No desenvolvimento da fita esses problemas diminuem, mas não desaparecem. Em seu filme seguinte, A Terra Treme (1948), Visconti realizaria um produto tecnicamente mais maduro e já bem próximo daquela abordagem clássica de observação à distância que permearia toda a sua obra.

A duração do filme não é um problema (pouco mais de duas horas), mas se fosse um pouco mais curto, a trama seria construída com menos cenas dispensáveis, que abundam a partir do meio da projeção. Mesmo assim, o produto final alcança um nível raro em se tratando de estreias no cinema. O que mais impressiona é a própria construção da história e como ela conquista o espectador. No início, o roteiro parece ingênuo demais (como na maior parte dos filmes neorrealistas — ou quase), mas em quinze minutos já é impossível tirar os olhos da tela, uma vez que a intriga principal se constrói e uma série de outras pequenas histórias parecem querer ganhar fôlego. Pela curiosidade de uma linha narrativa fixa e pela indicação de outros mistérios, o filme transmite para o espectador a obsessão de saber o desfecho de “tudo aquilo”.

Clara Calamai e Massimo Girotti imprimem ao filme a atmosfera necessária. Ela, com leves mudanças no tom da interpretação, dá todo o brilho preciso para o tipo de mulher carente e oprimida que é a sua personagem. Ele, com uma atenção muitíssimo particular da câmera de Visconti, aparece como um sedutor de corpo e alma. Sua personagem é a que mais sofre alterações no decorrer da  narrativa. A postura libidinosa, nua e suada do início do filme faz um contraste abissal com a frágil vítima de sua própria armadilha, depois de assumir repentinamente o papel de bom moço e pai de família. Essa situação final dá ao filme um desfecho amargo e muito interessante, principalmente se nos lembrarmos que foi realizado ainda durante a Segunda Guerra Mundial e, em vez de apresentar uma fuga para todo o caos em que a Itália  (e o mundo) vivia, reflete o pessimismo e desespero que lhe eram contemporâneos.

Obsessão é um filme tocante. A exclusão do herói e o trabalho com personagens cuja moral e ética são tão maleáveis quanto seus próprios desejos tornam o filme inesquecível. A coragem do diretor em tratar de uma série de temas tabus e plasmar um final completamente pessimista se torna a pré-estreia da escola italiana que se desenvolveria oficialmente com Roma, Cidade Aberta, dali a dois anos. Obsessão não é só um prenúncio do neorrealismo, é também o primeiro suspiro de um dos grandes mestres do cinema. Apesar de não ser um filme livre de tropeços, o resultado final é definitivamente muito bom e historicamente obrigatório para todo cinéfilo.

Obsessão (Ossessione) – Itália, 1943
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Mario Alicata, Giuseppe De Santis, Gianni Puccini (baseado na obra de James M .Cain)
Elenco: Clara Calamai, Massimo Girotti, Dhia Cristiani, Elio Marcuzzo, Vittorio Duse, Michele Riccardini, Juan de Landa
Duração: 140 min.

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