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Crítica | Os Brutos Também Amam

por Ritter Fan
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Tentei resistir à tentação de falar do título em português desse clássico, mas não consegui. Os Brutos Também Amam, apesar de ser um título devidamente sedimentado na cabeça de cinéfilos brasileiros da mesma maneira que A Noviça Rebelde está, engana o espectador, fazendo-o achar que assistirá a uma novela mexicana, daquelas de arrancar os cabelos. Não que o título esteja errado, pois Shane, título original e também personagem principal, é o tal bruto que também ama, mas é inevitável comparar a discrição do original com a breguice aberrante da versão nacional.

Desopilado o fígado, vamos ao filme.

Os Brutos Também Amam quase não saiu. George Stevens, seu diretor, havia escolhido Montgomery Clift e William Holden para viverem Shane e Joe Starret respectivamente, mas os dois estavam indisponíveis à época da produção que, com isso, quase foi largada de lado. Com a ajuda da Paramount, Stevens conseguiu, porém, substituir seu elenco à altura, com a escalação de Alan Ladd e Van Heflin para esses dois importantes e bem diferentes papeis e, no processo, trazendo Jean Arthur para viver a esposa de Starrett, Marian, no que viria a ser a última aparição da atriz (então com 50 anos, apesar de não parecer) nas telonas. Além desses problemas, o filme custou caríssimo para o estúdio, ao ponto de ele ter sido oferecido para Howard Hughes e sua RKO Pictures, que acabou recusando. No entanto, foram os elogios de Hughes e seu interesse quando viu uma versão inacabada da obra que fizeram a Paramount abrir os olhos para o filme de George Stevens, pois o planejamento inicial do estúdio era simplesmente lançar sem estardalhaço e amargar o fracasso. Mas a história provou o contrário e, apesar de George Stevens ter demorado dois anos (uma eternidade naquela época pré-efeitos visuais) para fazer a montagem do filme, o resultado final é impressionante, tendo amealhado um gigantesco sucesso em território americano e sendo até hoje reconhecido como um dos westerns mais importantes já feitos e, por muitos, um dos melhores filmes da História do Cinema.

Do lado técnico, Os Brutos (tomarei a liberdade de reduzir o título doravante) foi o primeiro filme projetado em widescreen chato, algo que a Paramount inventou para atrair mais gente para os cinemas em vista da concorrência da televisão (diga-se de passagem, uma evolução muito mais significativa do que o 3D). E o uso dessa funcionalidade realmente está claramente presente na fita, com a fotografia de Loyal Griggs (que viria a fotografar também o épico bíblico Os Dez Mandamentos) fazendo uso de planos gerais e travellings de tirar o fôlego, aproveitando-se da paisagem natural do Wyoming. O trabalho de Griggs foi responsável pelo único Oscar dessa obra, que concorreu também aos prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (duplamente, pelos trabalhos de Brandon De Wilde e Jack Palance, ambos praticamente começando no cinema), Melhor Direção e Melhor Roteiro.

A história, hoje, é clichê: um pistoleiro que quer pendurar as pistolas para sempre chega em um rancho e as circunstâncias o tragam – assim como a Michael Corleone – de volta às suas práticas antigas. Em termos gerais, novamente vemos o embate entre o novo e o velho, o passado e o futuro, de maneira diferente, mas ao mesmo tempo muito semelhante à trama de Mar Verde, de Elia Kazan. Shane (Alan Ladd) é o “homem da fronteira”, o pistoleiro imbatível que representa o “jeito antigo” de se revolver as coisas. Sua defesa da família Starrett, da segunda geração de colonos, beneficiados pelo Homestead Act, que queria atrair mais gente para o oeste estadunidense depois da Guerra Civil, o coloca em choque com Rufus Ryker (Emile Meyer), praticamente o dono da cidade e da região, que odeia os novos colonos, não se furtando em usar métodos extremos para se livrar deles, incluindo a contratação de Jack Wilson (Jack Palance), a versão sombria de Shane, para exterminar as pobres famílias locais.

O roteiro de A. B. Guthrie, baseado em romance homônimo de Jack Schaefer é bem equilibrado, com uma cadência lenta no começo, que leva o espectador, inexoravelmente, para a violência final. O futuro não poderá ser construído sem que os representantes do passado mudem suas posições ou sejam, de uma forma ou outra, aniquilados e Shane sabe que sua própria existência não mais se justifica nesse novo mundo. Com isso, quem espera tiroteios do começo ao fim, verá, apenas, a figura do pistoleiro sem pistola, lembrando muito o Destry de James Stewart em Atire a Primeira Pedra. Por outro lado, a direção de Stevens e seu impressionante cuidado com a montagem substituem a violência óbvia, típica dos “filmes de cowboy”, por uma narrativa muito convincente para Shane e para os membros da família Starrett, principalmente para Marian, que, claro, se apaixona pela figura “romântica” do pistoleiro e para Joey (Brandon de Wilde), que vê no pistoleiro um segundo pai e é responsável por um dos mais belos finais do cinema, com seus gritos desesperados por Shane, que continua indo embora, fazendo de tudo para ignorá-lo.

Há um pouco de manipulação da audiência na caracterização dos personagens, incluindo Shane. São todos um tanto mais unidimensionais do que deveriam ser. A família Starrett é um primor de benevolência e paciência, Shane é o ex-assassino arrependido que o torna quase que uma “pomba branca da paz” e Rufus Ryker e, principalmente, Jack Wilson, são a encarnação do mal, algo como o Imperador e Darth Vader na saga Star Wars. Não há tons de cinza em Os Brutos, apenas branco e preto e isso incomoda um pouco, ainda que os diversos outros fatores positivos desse clássico mais do que compensem esse problema.

Os Brutos Também Amam é uma prazerosa ranch story que impressionará pela qualidade técnica do começo ao fim, ainda que seus personagens tendam ao maniqueísmo e unidimensionalidade. Uma grande obra sobre o embate de eras e gerações que realmente não pode ser perdida.

Os Brutos Também Amam (Shane, EUA – 1953)
Direção: George Stevens
Roteiro: A.B. Guthrie Jr., Jack Sher (baseado em romance de Jack Schaefer)
Elenco: Alan Ladd, Jean Arthur, Van Heflin, Brandon De Wilde, Jack Palance, Ben Johnson, Edgar Buchanan, Emile Meyer, Elisha Cook Jr., Douglas Spencer, John Dierkes, Ellen Corby, Paul McVey, John Miller, Edith Evanson
Duração: 118 min.

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