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Crítica | Os Iniciados

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

O nome do ritual é Ulwaluko. Praticado por um dos grupos étnicos dos batus, os xhosa, localizados principalmente na província do Cabo Oriental, na África do Sul, o Ulwaluko é um ritual de passagem que cria um cenário de provações e marcas no corpo para os meninos que, após um período de recolhimento nas montanhas, se tornarão oficialmente homens. O tradicional rito possui hoje duas grandes críticas. A mais recorrente e séria é sobre o estado de saúde dos garotos, pois a circuncisão feita na ocasião, muitas vezes, transmite doenças (HIV é bastante recorrente) e ainda apresenta uma série de tribulações para os jovens durante a cicatrização do ferimento. A segunda crítica, relacionada à sexualidade, é pouco ouvida mas muito sentida por uma parcela dos que integram o grupo. E este é um dos motores de Os Iniciados.

Xolani (Nakhane Touré) é o tutor do rito de passagem de Kwanda, um jovem da cidade, um garoto questionador e inquieto que o pai obrigou a participar do Ulwaluko por temer que o filho fosse homossexual. Socialmente falando, há mesmo um pensamento recorrente em algumas famílias Xhosa que só mandam os filhos para as montanhas porque acreditam que o ritual seja capaz de transformá-los em heterossexuais. Cercando este tema, o diretor John Trengove ironiza e problematiza a tradição a partir do relacionamento de Xolani com seu iniciado e um outro tutor do acampamento, Vija, o complexo personagem vivido por Bongile Mantsai.

Existe um desvio desnecessário do roteiro para com o seu principal objeto de interesse. As interrupções externas e os diálogos que parecem se recusar a falar sobre o tabu social impedem que algumas críticas ao sistema se completem como deveriam. Observem que quando Kwanda começa a falar sobre seus sentimentos e sobre as máscaras pessoais que todos usam para esconder algum “ato socialmente indesejado”, o enredo ganha um enorme vigor, sendo bastante auxiliado pela direção, que faz uma cruel relação visual entre o espaço da vida (a chegada à rodovia que garantiria a liberdade do jovem) e a bela paisagem natural, onde o silêncio para um “ato sexual proibido” é conseguido através de um assassinato.

O diretor explora de maneira eficiente o espaço a favor do tema em pauta. Os trabalhos diários, a água, os curativos no pênis e as discussão entre os jovens criam uma atmosfera completamente homoerótica que de uma forma muito estranha é objetivo de vergonha, caso alguém opte por ela como forma de prazer. O roteiro toma cuidado para não fazer este assunto vir à tona de maneira totalmente aberta, já que a definição de alguém como gay na sociedade Xhosa é um perigo, algo sobre o qual não se deve falar e nem brincar. Em um dos diálogos finais, Kwanda (Niza Jay) levanta essa temática, apontando que eles não estão em Uganda ou Zimbábue (países africanos onde a homossexualidade é furiosamente reprimida, condenada e punida) e que o amor ali não deveria ser um problema. O desafio quase inocente do iniciante parece encontrar então a confirmação de sua morte. Ele não se calaria.

Com muitos momentos de câmera na mão, belas tomadas durante o crepúsculo — a sequência da discussão entre “X” e Vija merece destaque tanto na fotografia quanto na dramaturgia e fluidez de acontecimentos — Os Iniciados é um relato de choque entre o que a sociedade espera de uma pessoa; o que a sociedade quer que uma pessoa seja… e aquilo que ela realmente é. O choque entre esses dois interesses, não raro, gera violência. Uma violência estrutural que torna o assassinato mais suportável do que a possibilidade de pensar que os outros saibam, oficialmente, para qual lado a sua libido pulsa. O pavor de mostrar ao mundo por quem você sente tesão: um dos verdadeiros horrores de comportamento da nossa civilização.

Os Iniciados (Inxeba) — África do Sul, Alemanha, Países Baixos, França, 2017
Direção: John Trengove
Roteiro: Malusi Bengu, Thando Mgqolozana, John Trengove
Elenco: Nakhane Touré, Bongile Mantsai, Niza Jay, Thobani Mseleni, Gabriel Mini, Zwelakhe Mtsaka, Menzeleli Majola, Gamelihle Bovana, Halalisani Bradley Cebekhulu, Inga Qwede, Sibabalwe Ngqayana, Siphosethu Ngcetane, Luyanda L. Vonqo, Thando Mhlontlo, Anga Ntsepe
Duração: 88 min.

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