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Crítica | Os Lusíadas, de Luis Vaz de Camões

por Leonardo Campos
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Considerado o maior poema em língua portuguesa, Os Lusíadas equivalem para os portugueses, o que a Odisseia e a Ilíada foram para os gregos, bem como a Eneida foi para os italianos: uma obra de arte literária requintada, adornada por 8.816 versos decassílabos distribuídos em 10 cantos cheios de referências ao passado histórico de Portugal e dos seus feitos heroicos.

Publicado em 1572 por Luís Vaz de Camões, a obra trata da viagem de Vasco da Gama para as Índias entre 1497 e 1498, num documento que traça um painel histórico detalhado das Grandes Navegações, do contato com povos desconhecidos, costumes excêntricos e da necessária exaltação dos heróis que atravessaram “mares nunca dantes navegados” para efetivar as conquistas dos portugueses na corrida marítima que demarcou os séculos XV e XVI.

No período, a Europa vivia o Renascimento cultural e, politicamente, estava revestida do sentimento de conquista. Desbravar territórios era a palavra de ordem que dominava não apenas Portugal, mas outras nações do continente. Os Lusíadas, de forma monumental, narra as conquistas dos portugueses também pela região Oriental, sem deixar de traçar um panorama dos reis, heróis e batalhas que embasaram a história de Portugal.

Era uma época de distanciamento dos ideais medievais e valorizar a cultura greco-romana, o antropocentrismo, a importância da natureza e dos seus fenômenos e o racionalismo, o que deu origem aos métodos experimentais no campo científico. Para contar esta história, Camões produziu 10 cantos que tinha entre as suas principais características, a fusão das reflexões geradas pelos renascentistas, as ideologias conservadoras medievais e tom épico que visava exaltar o heroísmo nacional, com direito aos elementos comuns a uma epopeia: a mitologia pagã e o embate entre os deuses.

Em cena, é possível observar os embates entre Vênus e Marte (favoráveis aos lusos) e Baco e Netuno (contrários aos lusos e as navegações), conflitos apresentados através de uma linguagem elaborada detalhadamente, com figuras de linguagem bem delineadas.

Nos cantos I e II, a obra nos apresenta os navegadores que farão parte da aventura, com abertura em pleno tráfego pelo oceano Índico. Camões nos põe diante do Concílio dos Deuses, com Baco manifestando-se contrariamente aos portugueses, povo que ganha defesa por parte de Vênus (a deusa do amor) e Marte. Promovido por Júpiter, o concílio é encerrado com decisões favoráveis aos lusos, mesmo com Baco mantendo a sua postura contrária, haja vista o seu receio referente aos feitos dos portugueses superarem as suas ações em terreno oriental.

Insatisfeito com o resultado, o deus age rapidamente ao assumir a forma humana de um velho sábio e armar várias ciladas para os portugueses, entre elas, instigar o governador dos moçambicanos a ir de encontro aos navegadores. Ainda nestes dois primeiros cantos, Vênus intervém e os portugueses conseguem dar continuidade as suas trajetórias. Curioso observar que um capitão roga a Deus pela viagem, mas quem atende aos seus pedidos é uma deusa, o que demonstra a proposta de fusão de ideias presentes na obra, com cristianismo e paganismo a caminhar juntos.

Tais eventos culminam no canto III, trecho em que Vasco da Gama começa a contar ao rei de Melinde as conquistas dos portugueses. O seu primeiro passo é mostrar a localização do país no mapa e a partir daí iniciar o trajeto heroico, questões que desaguam no canto IV, com a figura histórica dando continuidade aos feitos heroicos dos lusos, tendo Revolução de Avis (1383-1385) como um dos principais acontecimentos descritos.

O evento que culminou na fundação do Estado Nacional Português, consolidou a posição centralizadora dos monarcas e forneceu o combustível necessário para a expansão ultramarina, com a Tomada de Ceuta, em 1415, como um dos principais fatos históricos do período. O canto também nos apresenta a relação de confiança entre o rei D. Manuel I e Vasco da Gama, com espaço para narrar a partida das naus da praia de Belém e a presença do episódico Velho do Restelo, homem que faz enfáticas advertências aos lusos em relação à navegação.

No canto V, Vasco da Gama continua a sua narrativa e tem como um dos principais acontecimentos a travessia pelo Cabo das Tormentas, com o embate entre portugueses e o Gigante do Adamastor, monstro mitológico que metaforizava o domínio das crenças do imaginário medieval no que tange aos elementos da natureza e dos territórios desconhecidos. De volta à Melinde, Vasco da Gama conclui o seu relato supervalorizando as ações dos portugueses, ao contrário do narrador Camões, poeta que lamenta o descaso do seu povo em relação ao gênero literário em questão, o poema. Como aponta o professor Alcir Pécora, do Departamento de Letras da UNICAMP, Camões “criticava o povo rude que não dava atenção as Letras, afirmando que sem isso não dava para se ter uma nação coesa”.

No decorrer do canto VI, os portugueses seguem rumo às Índias. Baco desce ao palácio de Netuno e incita os deuses marinhos a abordar a esquadra de Vasco da Gama. Mais uma vez, a intervenção de Vênus salva os navegadores, bravos homens que no mesmo canto, avistam Calicute. Ainda neste canto, o narrador reflete sobre o sentido e o valor da glória para estes homens.

Ao longo dos cantos VII e VIII, Vasco da Gama faz contato com as autoridades em Calicute, envolve-se em ciladas, sendo inclusive, feito prisioneiro. Ao final do oitavo canto, Camões faz outra reflexão, desta vez ligada ao poder do dinheiro na seara das transações políticas. Nos cantos IX e X, ainda situados em Melinde, os portugueses se envolvem em conflitos políticos envolvendo mulçumanos. Após alguns conflitos, os navegadores regressam ao porto de Lisboa e Camões continua o poema com um longo episódio na Ilha dos Amores, parte do esquema mitológico da epopeia, mergulhada no terreno do fantástico e já tendo como encerrada, a fatia histórico do registro literário.

Há, nesta passagem, uma espécie de consagração dos deuses e a efetivação da relação com os navegadores, homens alçados não apenas ao posto de heróis, mas também ícones imortais da história de Portugal. Recheado de erotismo, Vênus decide premiar os lusos com uma celebração envolvendo flechadas do cupido e ninfas manifestando-se sexualmente. Após um banquete, uma das ninfas anuncia as futuras conquistas dos portugueses, apresentadas através de uma réplica do sistema solar. Há, nesta passagem, o prenúncio da chegada por europeus ao Brasil, mas o evento não ganha a devida importância, sendo apenas um relance narrativo da epopeia. Mais adiante, há a confirmação do retorno dos portugueses e o epílogo do poema.

Antes de ser publicada e ganhar reconhecimento, a obra foi censurada pela Inquisição. A sua veiculação foi possível graças aos admiradores de Camões, dentre eles, D. Manuel de Portugal e D. Francisca de Aragão (amiga próxima da rainha). Com vida literária associada aos eventos turbulentos das suas relações pessoais, Camões é um poeta que possui poucos registros sobre a sua infância, bem como sobre a sua passagem por alguns espaços que ficam apenas no campo da suposição, questões que permeiam a sua existência de bastante imprecisão histórica.

O que se sabe é que provavelmente nasceu em Lisboa e fazia parte de uma família que circulava pelos meandros da pequena nobreza. Tendo recebido educação clássica, o poeta dominou o latim, estudou os clássicos literários, possivelmente circulou pela Universidade de Coimbra (mesmo que a sua passagem não tenha documento comprobatório) e iniciou a sua carreira como poeta lírico, tendo ainda assinado três peças de caráter cômico.

No programa Literatura Fundamental, o professor Alcir Pécora alega que romantizaram muito a vida de Camões, além de destacar que o poeta é, para a história literária, algo semelhante ao que Gregório de Matos foi no século XVI no Brasil: um nome que teve toda e qualquer produção indexada ao corpus do poeta.

Com sintaxe complexa, Os Lusíadas contemplam os elementos básicos da epopeia: a valorização do herói, o ufanismo, a invocação das musas para a inspiração poética, a dedicatória ao rei D. Sebastião, etc. Uma ousada e grandiosa obra que está no centro do cânone literário dos portugueses.

Os Lusíadas
Autor: Luis Vaz de Camões
Editora: Ática
Tradução/Adaptação:  Carlos Felipe Moisés
Páginas: 100

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