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Crítica | Os Picaretas

por Leonardo Campos
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Na canção Hollywood, parte integrante do álbum American Life, Madonna ironiza a indústria hollywoodiana, espaço que, por sinal, ela lutou para fazer parte, alegando que é um local ilusório, de emoções fugazes, ou seja, um espaço onde você pode perder a dignidade. Esse ideal já foi levado para o cinema diversas vezes, mas, em 1999, Steve Martin resolveu criar um roteiro para uma comédia que abordasse este universo. O resultado foi Os Picaretas, comédia bem dirigida por Frank Oz.

Lançado no Brasil em 12 de outubro de 1999, o filme apresenta o seguinte eixo narrativo: Bobby Bowfinger (Steve Martin) é um produtor que há anos tenta emplacar um sucesso no cinema. Quase falido, com pouca (ou nenhuma) sorte, arrisca tudo para a realização de seu próximo filme, Chuva Rechonchuda (ou Chuva Gorda). A produção terá todos os ingredientes que pedem os filmes arrasa-quarteirões: cenas de ação, alienígenas, mocinhas indefesas e um astro hollywoodiano. Para o projeto, ele escala Kit Ramsey (Eddie Murphy).

O filme abre de acordo com a proposta metalinguística: a câmera passeia por um escritório cheio de objetos que nos remetem à memória do cinema. Bobby está pensativo e organizando-se para o seu filme, mas há um problema em questão: o astro Kit Ramsey não sabe que vai atuar. É quando os absurdos tomam a cena e sequências hilariantes envolvem os espectadores.

A equipe de trabalho é afetada: há a diva que dá chiliques, os nerds cinéfilos que conversam sobre filmes “complexos” como Cidadão Kane e a “essência” do cinema, dentre outros. As trapalhadas nos faz lembra Dirigindo no Escuro, de Woody Allen, comédia sobre um diretor que adquire uma cegueira temporária durante a realização do seu próximo filme. Em Os Picaretas, no entanto, as pessoas enxergam até bem demais: elas precisam, sem saber, seguir o ator nos locais por onde este circula.

Há pessoas que se aproximam do astro e ditam falas estranhas e sem sentido, bem como usam roupas extravagantes, como se tivesse mesmo atuando com o astro. Ele não entende nada, a equipe acha que o artista é estrela e distante e, nessa confusão, apenas Bobby consegue entender a confusão que os circundam.

Diante de tal situação, Kit Ramsey acha que está louco e interna-se na “Cabeça Mental”, uma seita que nos remete ao envolvimento de atores como Tom Cruise e John Travolta na cientologia, um “modo” de levar a vida cheio de “coisas” diferentes do que geralmente temos em nosso cotidiano. Uma das práticas dessa seita é comer a placenta da esposa depois do nascimento do filho do casal. Nojento? Talvez, cada um com o seu gosto, como dita a fala popular, mas a crítica aqui vai ao circo midiático criado pelo campo cultural e jornalístico diante da postura destes profissionais, sendo que às vezes fala-se mais das suas façanhas pessoais, em detrimento dos filmes realizados por estes artistas.

Ao longo dos seus 97 minutos, Os Picaretas é um filme que diverte os leigos e torna-se pedagógico para os cinéfilos. Há arquétipos específicos e diálogos bem interessantes. Na seara dos modelos pré-estabelecidos em narrativas anteriores não apenas do cinema, temos a mocinha que sai do interior em direção a um emprego promissor em Hollywood. Ela até atua e consegue se dar bem, mas não deixa de dormir com o realizador. A celebridade com problemas psicológicos ficou por conta do personagem Kit Ramsey, interpretado com muito equilíbrio por Eddie Murphy. Ele tem tudo que a indústria cultural construiu sobre o imaginário envolvendo as celebridades: ego, riqueza e insegurança.

No que tange aos aspectos dos diálogos, há duas partes que precisam ser delineadas nesta reflexão: num certo telefonema, Bobby diz que “estão querendo dizer quem vai fazer os nossos filmes”. Essa fala nos remete ao conflito entre diretores e produtores, finais alternativos, filmes com cortes não autorizados pelos realizadores, situações comuns na indústria hollywoodiana. Não é à toa que tantos filmes ganham a “versão sem cortes” ou “versão do diretor” depois de determinado tempo após os seus respectivos lançamentos: Blade Runner e O Exorcista – O Início são alguns dos vastos casos.

“É um filme de ação, não precisa falar, só correr”. Essa frase nos faz pensar sobre a falta de concatenação de boas ideias em filmes de ação. Será preciso ser “burro” para divertir? Se fosse lançado na atual época pós-infâmia dos vazios e descerebrados filmes da agonizante saga Velozes e Furiosos, a fala seria bem adequada. Poucos filmes de ação se propõem a colocar um conflito mais interessante do que o trem desgovernado, a bomba que precisa ser desarmada ou o traficante que precisa ser detido. Assim, Os Picaretas não nos deixa a refletir apenas sobre o filme em si, mas nos permite sair da história e pensar a indústria cultural de maneira geral.

A parceria entre Frank Oz e Steve Martin já havia sido bem sucedida muito antes, na comédia Os Safados, produção em que o personagem de Martin luta para conquistar uma bela moça vencedora de um concurso, mas descobre que o objeto desejado é outra realizadora das maiores falcatruas. Eddie Murphy e Steve Martin fizeram parte da mesma “escola” de atuação: o programa Saturday Night Live, mas cada um seguiu uma linha e neste filme, expõem as suas propostas humorísticas em tom de dueto, permitindo o surgimento de uma narrativa alinhada, divertida e cheia de críticas ácidas ao mundo de ilusões da indústria hollywoodiana que quase sempre nós amamos tanto.

Os Picaretas (Bowfinger, EUA – 1999)
Direção: Frank Oz
Roteiro: Steve Martin
Elenco: Steve Martin, Eddie Murphy, Terence Stamp, Robert Downey Jr., Jamie Kennedy, Alejandro Patino, Christine Baranski, Heather Graham
Duração: 97 minutos

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