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Crítica | Os Último Durões (1986)

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Os Últimos Durões é um filme que pode ser assistido em diversas camadas. A primeira delas – e mais rasa – é como uma comédia trazendo de volta grandes atores de Hollywood já mais envelhecidos. A segunda – que dá corpo à fita – é como um terno olhar sobre o envelhecimento e uma crítica feroz sobre a sociedade moderna que não tem “espaço” para os idosos. A terceira – e melhor – é como uma obra repleta de metalinguagem. E o ideal é que as variadas camadas sejam apreciadas simultaneamente, gerando um mix mais do que agradável ao final.

Afinal, se olharmos a obra dirigida pelo medíocre Jeff Kanew apenas como uma comédia leve sobre dois amigos idosos que saem da prisão depois de 30 anos encarcerados por roubarem um trem em 1956 e que precisam se ajustar à modernidade, ela perderá muito de seu valor. Não há nada realmente original no trabalho de câmera de Kanew ou mesmo nos diálogos escritos por James Orr e Jim Cruickshank, roteiristas de primeira viagem aqui, que seriam responsáveis por Três Solteirões e um Bebê no ano seguinte. Em termos cômicos, as piadas logo perdem o vigor e passam a se repetir sem que a história seja particularmente engajante em sua superfície.

Mas é impossível separar Os Últimos Durões dos atores que protagonizam o filme e que são a razão de sua existência. Os grandes Burt Lancaster e Kirk Douglas, que já haviam dividido as telas em diversos oportunidades como em Sem Lei e Sem Alma (1957) e Sete Dias e Maio (1964), vivem, respectivamente, os ladrões Harry Doyle e Archie Long. E, como se isso não bastasse, há, ainda, o sensacional Eli Wallach como o assassino “Mr. Magoo” Leon B. Little, que é obcecado em matar os dois senhores que acabaram de sair da prisão. Com isso, a experiência audiovisual já ganha razões suficientes para que ela seja assistida. Ver três gigantes de outrora voltando para a frente das câmeras com esse destaque é algo a ser comemorado e o filme é justamente uma homenagem respeitosa a eles, algo que de certa forma é encapsulado na frente das câmeras por Richie Evans, o oficial de condicional vivido por Dana Carvey que é muito mais um fã, uma tiete de Doyle e Long do que qualquer outra coisa, refletindo o que o espectador é – ou deveria ser – em relação a Lancaster e Douglas (e Wallach também, claro!).

Quando o roteiro começa a usar o clássico tema do “estranho em terra estranha” para deixar às claras o quanto os dois amigos estão deslocados no mundo que precisam encarar, um certo ar de melancolia se abate sobre o filme. E isso não é uma característica negativa, muito ao contrário. Mesmo com o roteiro tentando ainda manter a leveza de sua pegada, ver Doyle ser obrigado a morar em um lar para idosos por ter mais de 70 anos e Long ser abusado em sub-empregos que claramente não condizem com sua idade garante a reflexão por parte do espectador sobre o papel do idoso na sociedade. Seria até possível comentar também sobre o (inexistente)papel do ex-condenado na sociedade como um todo, mas creio que a linha que perpassa todo o filme está muito mais para lidar com a terceira idade do que com o sistema penal. Doyle e Long não “prestam” mais para a sociedade “jovem” de memória curta que não olha para o passado e simplesmente não pode acreditar que um dia envelhecerá. A juventude arrogante e desrespeitosa que cerca os protagonistas reflete muito fortemente o mundo em que vivemos e sufoca os personagens, retirando-lhes qualquer possibilidade verdadeira de encontrar algum tipo de redenção ou mesmo, apenas, tranquilidade.

E é a partir dessa realização que começamos a perceber a metalinguagem ocupando todos os sulcos cavados pelo roteiro. Lancaster e Douglas, então com 73 e 70 anos de idade respectivamente, já estavam caminhando para os finais de suas carreiras (Lancaster viria a falecer em 1994) e sua demanda em Hollywood já estava baixa. Afinal, mesmo com o status de super-estrelas que um dia eles tiveram, os estúdios podem ser extremamente cruéis com atores e atrizes (o que podemos  ver em Crepúsculo dos Deuses é a verdade nua a crua) e esquecê-los nas brumas do tempo. A bem da verdade, a dupla protagonista de Os Últimos Durões navegou muito bem por essas águas traiçoeiras e se manteve ativa de forma constante (Douglas, mesmo depois de seu sério derrame em 1996, continuou atuando). Mas fica o comentário sobre a profissão e sobre o envelhecimento em geral presente em cada fotograma da projeção.

Mas a metalinguagem vai além disso. Lancaster e Douglas vivem, aqui, amálgamas dos tipos de personagens que marcaram suas carreiras, quase estereótipos deles mesmos. Lancaster, fazendo seu Doyle, é pacato, respeitoso, educado e gentil, um verdadeiro cavaleiro que age dignamente de acordo com sua idade. Douglas, vivendo Long, é energético, afobado, valentão e acha que ainda tem o vigor da juventude (ainda que sua impressionante forma física, usada eficientemente como elemento cômico, realmente justifique isso). Com isso, o filme é um comentário de 104 minutos sobre a carreira desses monstros de Hollywood, uma salva de palmas estendida por todo esse tempo ao conjunto da obra dos dois (dos três, para ser justo com Eli Wallach).

Mesmo inocente e simplista, Os Últimos Durões é um filme-homenagem divertido e acalentador que trará sorrisos aos rostos dos espectadores de todas as idades. Pode não ser uma obra-prima, mas é um daqueles filmes que deve ser guardado no coração.

Os Últimos Durões (Tough Guys, EUA – 1986)
Direção: Jeff Kanew
Roteiro: James Orr, Jim Cruickshank
Elenco: Kirk Douglas, Burt Lancaster, Eli Wallach, Charles Durning, Alexis Smith, Dana Carvey, Darlanne Fluegel, Monty Ash, Billy Barty, Simmy Bow, Darlene Conley
Duração: 104 min.

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