Home TVEpisódio Crítica | Outcast – 1X01: A Darkness Surrounds Him

Crítica | Outcast – 1X01: A Darkness Surrounds Him

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Obs: Contém spoilers

Para que complicar se a simplicidade funciona tão bem, não é mesmo? A proposta de Outcast é ser uma série de horror que tem como artifícios narrativos possessões demoníacas e os correspondentes exorcismos, matéria batida no cinema, mas que ainda não foi abordada de maneira apropriada na televisão. Robert Kirkman, criador de uma das séries em quadrinhos mais bem sucedidas fora do eixo mainstream, The Walking Dead, criou Outcast em 2014 já tendo a televisão em mente, algo que não demorou a ser abraçado pelo Cinemax, que colocou o próprio Kirkman como desenvolvedor da adaptação televisiva e escritor do roteiro do primeiro episódio (e também do quarto, conforme até agora anunciado).

Em outras palavras, muito de Outcast vem sendo “vendido” como algo que tem Kirkman como o pivô de tudo, mesmo considerando que o showrunner, na verdade, é Chris Black, egresso da produção executiva de séries como Mad Men, Desperate Housewives, Star Trek: Enterprise e, no começo de carreira, a cultuada Sliders. E, sob o ponto de vista de marketing, faz todo o sentido, ainda que esse tipo de estratégia “barata” sempre estremeça minha confiança sobre o material. Foi com essa trepidação que assisti A Darkness Surrounds Him e, mesmo considerando que este é apenas o primeiro episódio de uma série já renovada para a 2ª temporada, é com felicidade que notei que há um futuro promissor ali.

E é justamente a simplicidade do roteiro de Kirkman e da direção de Adam Wingard que dissipou grande parte de minha insegurança inicial. Calcado quase palavra por palavra nos quadrinhos, que, como disse, já foram criados “cinematograficamente”, o que vemos na telinha é uma vagarosa, mas curiosa construção de um personagem desagradável e muito perturbado. Kyle Barnes (Patrick Fugit, de Quase Famosos) é um homem com passando sombrio que vive em uma pocilga que outrora fora a casa de sua mãe abusiva. Quando o vemos pela primeira vez, depois de um eficiente prólogo focando no menino Joshua (Gabriel Bateman) e sua possessão demoníaca, ele está deitado em um colchão imundo, em seu quarto de quando era criança (repararam no pôster de Youngblood de Rob Liefeld ao fundo?), acordado por batidas em sua porta vindas de sua irmã adotiva Megan (Wrenn Schmidt de Boardwalk Empire) preocupada com seu bem-estar. Ele se levanta e, refletindo exatamente o que ele é, não liga para as batidas e berros e, de maneira apática, inicia seu dia. Só depois de muito esforço e insistência é que ele finalmente abre a porta e sua primeira interação humana acontece e a história, então, ganha seu ritmo, mas sem ser muito reveladora. Essa pegada depressiva do personagem é um elemento importante, ainda que, provavelmente, tenha potencial de desagradar aos que esperam um protagonista mais heroico, mais aguerrido. Ele é um homem que passou por muitos traumas terríveis desde a infância e que acabou se fechando em si mesmo com sua única conexão exterior sendo a dedicada Megan, apesar do desgosto que seu marido sente e do receio que sua filha tem do tio em razão da eterna acusação que paira sobre ele: Kyle teria espancado sua filha pequena.

Kirkman, assim como nos quadrinhos, não se esforça em tornar Kyle mais palatável. E a atuação de Patrick Fugit segue justamente esse ritmo, por vezes parecendo até que o ator simplesmente está no automático, sem se esforçar para fazer nada (resta saber se foi proposital ou se ele é assim mesmo…). E é justamente neste aspecto que, pelo menos aqui no piloto, sua performance convence tremendamente. Ele é um homem que não vive a vida, apenas deixa-a passar por ele sem reagir, sem esboçar qualquer reconhecimento de que está mesmo vivo. Aos poucos entendemos a gravidade do que ele passou por duas vezes em sua vida, primeiro com a mãe e, depois, com sua esposa. Duas possessões demoníacas ainda que nem ele mesmo tenha feito a conta e notado a repetição do padrão. Ele parece ser o pára-raio de eventos sobrenaturais que só começam a fazer sentido pleno quando ele se envolve com o exorcismo de Joshua, encabeçado pelo Reverendo Anderson (o ótimo Philip Glenister, o chefe de polícia desbocado de Life on Mars) que já tratara de sua mãe e acaba descobrindo que há um elo em comum e que ele é reconhecido pelo demônio e chamado de outcast, ou “exilado”, mistério que, claro, fica sem explicação.

Aqueles que esperarem novidades no clímax do episódio, ou seja, o exorcismo em si, sairão desapontados. Como ressaltei, a simplicidade é o mote aqui e Adam Wingard não foge do tradicional ao retratar o menino possuído. E, por tradicional, leia-se variações sobre o mesmo tema magistralmente colocado em celuloide em O Exorcista, em sequências sem invencionices que, porém, podem gerar controvérsias, já que lidam com o espancamento de um menor. Aliás, Gabriel Bateman, no pouco tempo de tela que tem – e, com exceção do prólogo, sempre na penumbra – está perturbador encarnando o jovem Joshua. Suas expressões faciais, sua voz modulada e sua postura funcionam bem para torná-lo uma ameaça crível aos exorcistas, gerando aquele desespero momentâneo no espectador sobre o que exatamente vai acontecer.

A fotografia do episódio, cortesia do experiente, mas não muito expressivo, David Tattersall (que tem em seu currículo a Trilogia Prelúdio de Star Wars e, não coincidentemente, o piloto de The Walking Dead), emula com eficiência o tom sombrio da HQ, trabalhando profusamente o contraste da luz e trevas sem que o espectador se perca nas sequências no interior do quarto de Joshua, onde essa característica fica ainda mais evidente, quase que um personagem onipresente no ambiente. As tomadas exteriores, porém, não ficam muito atrás, já que a cenografia da pequena cidade fictícia de Roma (uma metáfora completamente desnecessária, aliás) é dedicada à desolação, ao isolamento, sentimentos estes constantes ao longo da narrativa e que ratificam o caráter ermitão de Kyle. E essa percepção é aumentada pela trilha sonora de Atticus Ross (ganhador do Oscar de Melhor Trilha Sonora, com Trent Raznor, por A Rede Social), Leopold Ross e Claudia Sarne, com notas particularmente frias e distantes, gerando uma atmosfera que, assim como o protagonista, chega a ser desagradável, mas um desagradável que acaba atraindo, como uma espécie de atração mórbida.

Que consiga lembrar, Outcast é nada menos do que a quinta série relacionada com “demônios” iniciada só em 2016 (Ash vs. Evil Dead, Lucifer, Damien e Preacher são as outras), pelo que a competição é grande e acirrada. No entanto, Chris Black e Robert Kirkman têm a faca e o queijo na mão. Se eles mantiverem a atmosfera suja, pesada, quase niilista e os mistérios não forem se amontoando e se a série não descambar para a estrutura de “exorcismo da semana”, Outcast tem boas chances de se destacar. Sei que são vários condicionantes, mas esse é preço para que a série consiga se destacar em meio às demais.

A Darkness Surrounds Him contém muitas promessas. Agora é esperar que elas sejam cumpridas nos próximos nove episódios.

Outcast – 1X01: A Darkness Surrounds Him (EUA, 20 de maio online; 03 de junho de 2016 na TV)
Criação:
Robert Kirkman
Showrunner: Chris Black
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Robert Kirkman (baseado em quadrinhos de Robert Kirkman e Paul Azaceta)
Elenco: Patrick Fugit, Philip Glenister, Wrenn Schmidt, David Denman, Julia Crockett, Kate Lyn Sheil, Reg E. Cathey, Gabriel Bateman, Callie Brook McClincy
Duração: 60 min.

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