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Crítica | Para Roma, Com Amor

por Luiz Santiago
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Boas histórias de amor com humor não são facilmente encontradas no cinema contemporâneo. Há excessos e faltas que põem por água abaixo qualquer tentativa de mostrar a traição, o casamento, a volatilidade dos desejos humanos, em especial, aqueles gerados pela pulsão sexual. Nos últimos anos, o refúgio dos cinéfilos nessa categoria tem sido, por bem ou por mal, os filmes do mestre Woody Allen, novaiorquino em passeio criativo pela Europa que já rendeu obras excelentes como Match Point (2005), Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-Noite em Paris (2011).

O caráter essencial dessa fase europeia do diretor é o descontentamento. Até Scoop (2006) e O Sonho de Cassandra (2007) nos mostram pessoas descontentes com a sua realidade, sua atual situação financeira, profissional, familiar, amorosa. No tour pelo Velho Continente, Allen traz à tona, como em nenhum outro momento de sua carreira, o desapego. E nesse dilema entre o ficar em uma situação aparentemente cômoda, mas infeliz, e arriscar algo novo e que trará alegria, suas personagens são assassinadas (Nola Rice), ameaçadas (Sondra Pransky), auto aniquiladas (Ian e Terry), condenadas à dúvida (Vicky e Cristina), iludidas (Helena e Dia), e apresentadas a uma difícil escolha entre o ideal utópico e o real passível de mudanças (Gil e Adriana).

Para Roma, Com Amor (2012), é uma coleção dessas passagens de uma situação de descontentamento para a de um prazer (por que não?) culpado. Guiando um roteiro cuja estrutura de narrativa interna é semelhante aos de Robert Altman, lá estão as histórias de casais frustrados e pessoas não realizadas. No quesito cômico, essas personagens atingem a linha mediana, ultrapassando-a algumas vezes, mas não muito alto. Woody Allen é o único ator cuja presença é de fato marcante e inesquecível, seja porque ele faz esse papel a quase meio século, seja porque seu roteiro não conseguiu amadurecer o enredo em que as outras personagens aparecem. E aqui entramos em um mar de monstros.

Os roteiros de Woody Allen são parâmetros contemporâneos de como escrever comédias, criar diálogos eficientes e engraçados, concatenar cultura pop e acadêmica sem ser pedante ou chato. Em um currículo com mais de 70 roteiros filmados (até agora), já é de se imaginar que Allen não brinca em serviço, e quando brinca, o faz de maneira deliciosa, de modo que o público também possa brincar e todos saem felizes. Mas em Para Roma, Com Amor houve a interferência do chamado “desequilíbrio do descanso”, ou, a velha e popular preguiça. Todo cinéfilo sabe que o roteiro é a construção do argumento e dos diálogos, bem como o entrelaçamento dos pontos dramáticos da história: como se relacionam, como passam por um conflito e se resolvem (ou não). Há roteiros que possuem diálogos tenebrosos, mas a história é até interessante. Também existem roteiros que possuem diálogos interessantes (pelo menos a maior parte do tempo), histórias interessantes (idem a condição anterior), mas que parecem gaivotas em um mar de sardinhas, totalmente sem rumo, tentando pegar a primeira oportunidade que aparece e fazer dela algo de importância plena e vital, onde a profundidade e relação orgânica com o todo fica para terceiro ou quarto plano. Esse, infelizmente, é o caso de Para Roma, Com Amor.

Vai ser muito difícil encontrar alguém que não tenha rido ou se encantado em um ponto ou outro do filme. O argumento dos que dizem que “qualquer filme de Woody Allen é melhor que qualquer coisa em cartaz” não é vazio. Se compararmos as comédias em cartaz hoje, Para Roma, Com Amor é o ouro da parada! Mas essa atitude fanboy de equiparar a qualidade de um filme com os inferiores à sua volta é, para dizer o mínimo, complicada.

Para Roma, Com Amor é um filme menor, de roteiro desequilibrado e direção sem cuidado algum, um defeito que infelizmente acomete parte da produção do longa, especialmente a montagem. Alec Baldwin, por exemplo, é terrivelmente aproveitado e sua condução ao lado da história de Jesse Eisenberg e Elliot Page é um luminoso sinal de preguiça do diretor, que saberia fazer um enlace desses funcionar como ninguém, caso tivesse maturado melhor o texto.

Não digo que não seja um filme divertido ou que a história do tenor que só consegue cantar bem no banho não seja genial. Ou que a história da fama pela fama não seja uma crítica à nossa sociedade, vista pelas lentes sulfúricas de Allen. Ou que ecos da filmografia do diretor não apareçam aqui com graciosidade e beleza, como trilha sonora ou a nostálgica Nel Blu Dipinto di Blu, que abre o longa. Mas excelentes pontos soltos não fazem um bom filme inteiro. Aliás, a característica de um bom filme é justamente essa: saber fazer funcionar muito bem todos os elementos técnicos e narrativos dentro de todo o tempo fílmico. Há, porém, os que andam confundindo “filme divertido”, como nesse caso, com “obra-prima”. Isso, nem Roma nem o Amor de Woody Allen por loucuras e neuroses podem entender.

Para Roma, Com Amor (To Rome with Love) — EUA, Itália, Espanha, 2012
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Judy Davis, Flavio Parenti, Roberto Benigni, Alec Baldwin, Alison Pill, Jesse Eisenberg, Penélope Cruz, Elliot Page, Alessandro Tiberi, Alessandra Mastronardi, Carol Alt, David Pasquesi, Antonio Albanese, Lynn Swanson, Riccardo Scamarcio, Giovanni Esposito
Duração: 112 min.

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