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Crítica | Paradjanov

por Luiz Santiago
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Paradjanov: gênio! Assim gritava o garotinho vestido de anjo, após tocar uma irritante corneta, no dia em que Marcello Mastroianni foi visitar o cineasta Sergei Paradjanov em seu ostracismo, depois de um terrível processo judicial que lhe valeu 4 anos de prisão e a perda da possibilidade de dirigir qualquer filme depois disso.

Dirigido por Serge Avedikian e Olena Fetisova, Paradjanov é uma cinebiografia estilizada que foca a carreira do diretor biografado a partir de um ponto específico – quando ele já tinha mais de 10 anos de exercício de profissão – até a as filmagens de A Lenda da Fortaleza Suram (1984), seu penúltimo filme.

Trata-se de uma crônica cinematográfica bem paradjanoviana, com colagens e manipulação de imagem, cor e textura dos objetos em cena, iniciada pouco antes das filmagens de Sombra dos Ancestrais Esquecidos ou Cavalos de Fogo, onde vemos pela primeira vez o exercício de direção realizado por Paradjanov em cena, sua justificada fama de improvisador careiro, de exigente esteta e diretor que dava palpites em todas as áreas da produção, muitas vezes irritando os profissionais contratados, com destaque especial para os diretores de fotografia.

Infelizmente o roteiro passa rápido por esses momentos, mas o pouco que temos na tela já dá para nos familiarizar como era a postura do diretor durante a realização de um filme. Todavia, o verdadeiro objetivo da obra está do meio para o final: a acusação, julgamento e ostracismo do diretor georgiano, um profundo golpe para um artista bastante orgulhoso de sua produção e que simplesmente amava o que fazia.

O filme trabalha com sutileza a questão da homossexualidade do diretor, tomando o cuidado para não cair no reducionismo e colocar a prisão de Paradjanov como tendo apenas uma causa. O fato é que após o grande sucesso do filme Cavalos de Fogo, a visão artística do diretor se tornou uma possível ameaça às autoridades soviéticas, algo que se confirmaria para a KGB três anos depois, com o lançamento de A Cor da Romã e o longo discurso que o diretor fez durante o lançamento do filme. Dentro do realismo socialista, um diretor como Paradjanov era uma espécie de ferida incômoda. Sua crítica ao modelo de vida soviético era demasiadamente forte e ele não poderia permanecer solto.

A prisão de Paradjanov ocorreu em dezembro de 1973. O motivo inicial era absurdo: venda e compra de imagens religiosas (os ícones russos) e antiguidades. A acusação de homossexualidade (proibida na URSS) veio depois, após uma onda de protestos contra a decisão inicial do Partido Socialista. O diretor foi condenado a 5 anos de prisão do qual cumpriu 4, graças aos apelos de diversos artistas do Ocidente, como Federico Fellini, Marcello Mastroianni, François Truffaut, Jean-Luc Godard, Bernardo Bertolucci, dentre outros; que assinaram um documento para que as autoridades soviéticas libertassem Paradjanov imediatamente.

Esses pormenores são levemente citados no filme, que talvez pelo pouco tempo de duração não se aprofunda muito nos momentos narrados, apenas na psicologia do protagonista, que vai da felicidade plena à depressão. Com o trabalho bárbaro de direção de arte realizado no filme, essa jornada se torna bastante tocante e nos ajuda a ter um panorama vivo do inferno pelo qual passou Paradjanov, a angústia de um artista reconhecido mundialmente que não consegue mais exercer sua arte – daí as famosas colagens, único refúgio artístico que ele encontrou durante o longo período que passou sem filmar (1968 – 1980).

O filme termina um pouco reticente, carente de mais tempo, mais fatos, mais… filme. Mas isso talvez seja a vontade de querer ver com maior calma e tempo cada fase da vida do diretor, os percalços na produção de cada filme que ele dirigiu, os discursos sobre arte e sociedade, a pendenga com Tarkóvski, e suas teorias sobre o que era arte, imagem cinematográfica, música e cultura.

Paradjanov é uma viagem pelo mundo mágico de um diretor que ainda hoje é conhecido por poucos cinéfilos, o que é uma pena, dado o seu enorme valor e contribuição para a sétima arte. O filme de Avedikian e Fetisova captura bem o retrato desse artista e nos presenteia com uma sessão cheia de humor, arte e belas imagens. Uma homenagem da qual Paradjanov se orgulharia.

Paradjanov – Ucrânia, França, Geórgia, Armênia, 2013
Direção: Serge Avedikian, Olena Fetisova
Roteiro: Olena Fetisova
Elenco: Serge Avedikian, Karen Badalov, Napo Elbano, Zaza Kashybadze, Yuliya Peresild
Duração: 95 minutos

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