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Crítica | Peixe Morto

por Leonardo Campos
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Peixe Morto é um documentário de cunho acadêmico assustadoramente decepcionante. Numa seara bem pessoal, que coaduna com o lado profissional e com o exercício reflexivo do texto em questão, fez lembrar o que uma orientadora falava frequentemente quando minhas apresentações confundiam a forma e o conteúdo. Ela dizia claramente que “as pessoas não vão te julgar pelas suas boas intenções”. É o que acontece com este documentário com função social elevadíssima, mas terrivelmente conduzido pelos realizadores.

Produzido em parceria com a Universidade Federal do Paraná, o intuito de Peixe Morto é mostrar que há diversas espécies de tubarões no litoral paraense, algo que muitos habitantes do estado sequer imaginavam, além de buscar ofuscar o brilho mitológico das produções hollywoodianas que tentam caracterizar os tubarões como feras assassinas interessadas em devorar seres humanos. Interessado em ressaltar a importância dos tubarões para o ecossistema marinho, o documentário se propõe a discutir temas tangentes, tais como pesca artesanal e industrial, mercado interior e exterior, prática do finning, etc. Muitos assuntos, perda de foco e excesso de imagens extraídas da internet. Esse é o meio de condução das propostas apresentadas.

Modéstia a parte, todo pesquisador é um bom farejador. Por isso, após contemplar o material, decidir investigar a base de tudo, isto é, de onde veio a ideia para a realização do produto. Não é preciso ler mais da metade do trabalho para observar que as incoerências já começam na metodologia da pesquisa. Qual o real foco da produção? O trabalho aponta para tantos problemas, o que compromete o foco e a lúcida reflexão acerca dos objetivos gerais e específicos. Muitas pessoas não sabem que há tubarões na região, o termo “ataque” deveria ser repensado e tratado como “incidente”, haja vista a natureza da relação que envolve o homem e os tubarões, racionais x irracionais, etc. Há elementos curiosos e interessantes, mas será que não poderia ter ficado apenas no papel, com as devidas ressalvas, para a banca talvez avaliar como “aprovado com restrições”?

É até relativamente desconfortável ter que abordar os pontos críticos da produção, tendo em vista que é um trabalho de divulgação científica e o foco não é o entretenimento, mas Peixe Morto traz erros tão primários que nem meus estudantes de Ensino Médio cometem quando produzem vídeos para apresentação dos trabalhos escolares. Quando a produção começa, uma série de marcas importantes aparece para legitimar o material: Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia, PROEC – Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e UFPR – Universidade Federal do Paraná. A sensação é boa, pois o pensamento em questão é “finalmente uma produção brasileira para discutir a relação do imaginário cinematográfico com os impactos ambientais”. Ledo engano.

Dirigido por Junior Albini, tendo como base a sua pesquisa científica para conclusão de curso de graduação, o roteiro assinado por Antônio Luis Serbena não demora a nos confirmar que há muitos problemas no que veremos da abertura até o fim. Uma sequência longa de trechos do primeiro ataque de Tubarão é mesclado a um depoimento que sequer ganha identificação da entrevistada, para mais adiante, surgir diante da tela uma série de créditos iniciais criados com base em imagens de tubarões extraídas da internet, algumas, pasmem, com “logo” do canal de exibição no canto inferior da imagem.

Entre os depoimentos, temos as colocações legitimadas de Natasha Wosnick (na época doutoranda em Zoologia pela universidade parceira do documentário), Hugo Bornarowki (doutor em Zoologia e pesquisador especializado em raias e tubarões), Jorge Eduardo Kotas (Analista ambiental do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade), Georgia Maria de Oliveira Aragão (doutoranda em Sistemas Costeiros e Oceânicos) e o pescador Jesse Oliveira, homem que traz um depoimento mais ligado ao conhecimento popular, algo relevante dentre das discussões empreendidas. As informações cedidas são importantes e pontuadas por pessoas que percebemos ter conhecimento e segurança em relação ao assunto.

De acordo com os créditos, Victor Gondim ficou responsável pela “arte” da produção, membro técnico que trabalhou em parceria com Junior Albini na direção de fotografia. Antes de ter navegado no projeto, a dupla deveria ter lido os manuais mais básicos de composição visual. Se há uma direção de arte na produção, todos os detalhes que vão compor os quadros precisam ser cuidadosamente organizados. Numa das entrevistas o visual de fundo é caótico: uma cortina quebrada, enroscada, numa imagem que até desrespeita o discurso da pesquisadora que fornece a entrevista. O leitor pode até pensar ser bobagem ou implicância, mas se a mensagem é transmitida pelo audiovisual, determinadas regras de composição precisam ser contempladas.

Isso se aplica também ao trabalho de direção de Albini. Há incorreções grosseiras. Quando o depoimento do entrevistado traz alguma inadequação, o captador de imagens ou o diretor precisa retomar os registros. Uma entrevistada diz em certo ponto que parte da culpa do ódio e do extermínio dos animais em questão está associada ao filme “Tubarões”, de Spielberg, quando na verdade sabemos o nome correto da produção que é um dos pontos centrais do roteiro do documentário. Em outra parte uma entrevistada constantemente não faz a concordância verbal de algumas passagens de sua fala corrida, algo aceitável no registro oral, mas que podia ser bem dirigido por Albini e organizado para dar mais credibilidade ao seu material.

Os problemas não terminam por aí. Nos créditos finais, há erros gramaticais básicos que comprometem a qualidade do trabalho, principalmente quando sabemos que é uma produção de origem científica. Falhas como “musicas composta” (sem acento e sem concordância) mostram que o grande problema de Peixe Morto é a direção despreocupada em revisar o material. Com temática social interessante e bastante contribuição para um debate ecológico importante no Brasil, o documentário poderia ser refeito pelos envolvidos, reeditado, reajustado e corajosamente lançado no mercado, para que a mensagem seja transmitida para além das muralhas da universidade.

A pesquisa de Junior Albini é relevante e nem de longe é equivocada, mas a condução do seu produto deixou bastante a desejar. Em seu projeto ele informa que teve como inspiração os seguintes documentários: Sharkwater, de Rob Stewart, produção sobre o consumo de barbatanas pelo mercado asiático; Rebelião dos Tubarões, de Malcolm Hall e Rodrigo Astiz, concebido pelo projeto do mergulhador Lawrence Wahba, autor de Dez Anos em Busca dos Grandes Tubarões, uma produção sobre os ataques de tubarões em Recife, realizado em parceria com a Discovery Channel; A Próxima Mordida, de Angelo Lima, também sobre a situação caótica nas praias de Recife; e Shiver, de Dave Charley, imersão de um mergulhador a investigar o mercado de barbatanas em Moçambique. As inspirações, por sua vez, não foram suficientes. Os motivos estão expostos ao longo do texto. Os tubarões e a pesquisa científica brasileira merecem mais.

Peixe Morto — Brasil, 2016.
Direção: Junior Albini
Roteiro: Dennis Drake, Eve Ahlert
Elenco: Natasha Wosnick, Hugo Bornarowki, Jorge Eduardo Kotas, Georgia Maria de Oliveira Aragão, Jesse Oliveira, Junior Albini
Duração: 35 min.

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