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Crítica | Perdidos em Paris

por Marcelo Sobrinho
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O quarto longa-metragem do casal Dominique Abel e Fiona Gordon é possivelmente a comédia mais aguardada do Festival Varilux de Cinema Francês de 2017. Parte disso se dá pelo sucesso de seus filmes anteriores, como Rumba, aclamado pela crítica e pelo público, mas também por marcar a última atuação de uma das maiores atrizes dramáticas que o cinema francês já viu — Emmanuelle Riva. Os diretores contam que a convidaram quando assistiram, com bastante surpresa, a vídeos em que a francesa interpretava cenas de Chaplin. A última oportunidade de ver em ação a atriz de Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais, e Amor, de Michael Haneke, é também a única chance de vê-la em um papel cômico, de estilo declaradamente físico e pastelão. Uma pena que isso aconteça em um filme tão pouco inspirado.

Perdidos em Paris narra a história de Fiona (interpretada pela própria diretora e atriz Fiona Gordon) e sua tia Martha (Emmanuelle Riva), que envia à sobrinha uma carta pedindo que ela viaje imediatamente para Paris, a fim de ajudá-la a não ser internada em um asilo. Ao chegar à capital francesa, a bibliotecária conhece o personagem que fecha o trio principal do filme, o vagabundo Dom (interpretado por Dominique Abel). A partir daí, a história girará em torno de inúmeros desencontros e toda sorte de confusões, até que a tia e a sobrinha consigam se reencontrar, quase 30 anos depois da despedida que abre o filme. O visual colorido e sempre solar de Perdidos em Paris demonstra bem a alegria do casal ao dirigir e atuar na cidade pela qual já declararam ter tanto afeto.

Confesso ter me animado com a premissa do filme. De inspiração rasgadamente chapliniana, ele já se inicia tocando em um ponto interessante — nosso horror contemporâneo à ideia de envelhecer. A personagem de Riva faz de saída uma ótima piada sobre o assunto: “Querem me colocar em um asilo. Justo eu, com apenas 88 anos”. Gosto quando comédias, mesmo as mais pastelonas e corporais, não fogem de assuntos importantes, tratando deles com ironia e sensibilidade. O próprio Chaplin fazia isso muito bem. Em meio a cenas recheadas de slapstick — termo em inglês que designa esse exagero no gestual dos atores –, o norte-americano reservava momentos também sensibilíssimos. Como não citar a cena em que Carlitos salva um suicida em Luzes da Cidade, dizendo-lhe a marcante frase “face life!”?

Mas o argumento que poderia render boas risadas sem perder a oportunidade da reflexão morre por ali mesmo. Dominique Abel e Fiona Gordon não dão nenhum desenvolvimento à ideia além de uma bem colocada piada inicial. O filme passa a nadar na superfície do humor físico até a última cena de Emmanuelle Riva, que oferece novamente algo de interessante após um desenvolvimento tão fraco. Para não ser injusto com Perdidos em Paris, não digo que o meio do filme seja de todo ruim. O discurso do vagabundo Dom (até nisso inspirado em Chaplin) durante o funeral em que ele e Fiona vão por engano tem realmente um bom timing e faz rir facilmente, sem soar fingido ou cabotino. Também é adorável a cena em que os pés de Martha e de Duncan (Pierre Richard) fazem uma singela dança em close-up. Não nego.

Mas o restante do filme, para mim, transcorre sem nenhuma inspiração. Por melhores que sejam as intenções de Abel e Gordon, a execução de quase tudo me parece sem imaginação e sem uma boa estrutura de piada. Seus personagens apostam além da conta em seu andar desajeitado e sua mímica burlesca. Se a inspiração maior de Perdidos em Paris está mesmo em Chaplin, é preciso ressaltar que o encanto de Carlitos vai muito além de seu fraque, sua bengala e suas pernas tortas. O filme não entende isso e demonstra uma nostalgia excessiva de uma fase do cinema que produziu verdadeiros gênios, mas que só funcionaria atualmente se fosse renovada com boas ideias – algo em falta no filme do casal.

A falta de ideias novas culmina em cenas que não passam de um pastiche chato e bobo de grandes clássicos. Isso acontece, por exemplo, naquelas em que o vento entra na casa de Fiona no Canadá, levantando tudo em seu interior. Nada diferente do que Chaplin fizera em Em Busca do Ouro e, mesmo que fosse realizado em tom de homenagem, o recurso não teria nem um décimo da graça do original. A própria dança dos pés de Martha e Duncan se parece muito com a antológica cena dos pãezinhos de Chaplin no mesmo filme. Ainda que bem executada e até interessante, ela não acrescenta nada de novo ao gênero. Penso que seja esse o grande problema de Perdidos em Paris — ele se limita a passear por recursos já envelhecidos, sem a persuasão e a criatividade do original. Por mais jovial que seja sua estética, suas cores tão vivas não fazem nada muito além de revisitar suas inspirações em preto e branco.

Emmanuelle Riva faz a melhor interpretação do filme, embora discreta. É interessante vê-la fora de sua zona de conforto e emocionante presenciar os últimos momentos de sua carreira. Talvez sua despedida pudesse ter sido em um filme melhor. Quem quiser um bom slapstick, é melhor visitar Chaplin, Keaton, Jacques Tati (cujas cenas de dança, como a de Escola de Carteiros, são bem mais cativantes) ou até Laurel and Hardy (no Brasil, O Gordo e o Magro). Mas aqueles que quiserem o talento de uma grande atriz para entender um pouco mais da história do cinema francês poderão sempre procurar por Emmanuelle Riva. Vale a pena ir ao cinema e aturar as bobagens de Abel e Gordon. Nem que seja por ela. Perdidos em Paris pode não ser a melhor, mas é a última oportunidade de lhe dizer adeus e, mais ainda, obrigado.

Perdidos em Paris (Paris Pieds Nus) – França, 2016
Direção: Dominique Abel e Fiona Gordon
Roteiro: Dominique Abel e Fiona Gordon
Elenco: Dominique Abel, Fiona Gordon, Emmanuelle Riva, Pierre Richard, Philippe Martz, Isabelle De Hertogh, Bruno Romy
Duração: 83 minutos

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