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Crítica | “Pet Sounds” – The Beach Boys

por Handerson Ornelas
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Existem poucos álbuns que realmente podem ser chamados de definitivos para a música pop. Não digo simples influenciadores, mas total reformuladores, daqueles que traçam uma linha de antes e depois. Pet Sounds é, com muita certeza, um desses. Meticuloso e impecável em praticamente qualquer área em que é analisado, se tornou comum referir o disco dos The Beach Boys como um dos maiores álbuns de todos os tempos, criado pela mente genial e pertubada de Brian Wilson.

Tudo começou em dezembro de 1964. Os Beach Boys seguiam vôo em direção a Houston para começar uma turnê após o disco Beach Boys’ Party. Brian Wilson teve um ataque de pânico dentro do avião, passando imensamente mal. Logo, não houve outra atitude a não ser voltar pra Califórnia, onde convenceu os integrantes da banda de que não tinha condições de seguir em turnê e que permaneceria ali para criar as canções do próximo disco. Esse teria sido o primeiro fator decisivo para a criação de Pet Sounds visto que, com isso, Brian tinha total controle da produção do disco, coordenando e pensando praticamente como se fosse seu.

O segundo fator viria a ser o sexto álbum dos grandes rivais da banda: The Beatles acabavam de lançar Rubber Soul. Brian escutou o disco e relata ter ficado impressionado com a qualidade, não medindo elogios para seus temas, conceitos e arranjos. Aquilo ligaria o instinto competitivo do compositor, a partir de então ele tinha certeza que não podia deixar o grupo britânico tomar a dianteira, era preciso fazer um álbum revolucionário. Veja bem, o som dos Beach Boys naquela época não era muito diferente de uma boyband atual, falavam de mulheres, praias, carros, diversão, mulheres, praias, carros, diversão. Um som de extremo valor comercial. Brian estava saturado disso, estava explodindo em diferentes sentimentos que queria depositar em sua música.

Mas o terceiro fator é definitivo na compreensão da criação do álbum: Brian Wilson e sua mente problemática. O psicológico do autor já se mostrava uma chuva de ideias e sentimentos. Este dizia que ouvia vozes em sua cabeça e que as canções deviam ser idênticas ao que ouvia. Tinha ideias mirabolantes, crendices espirituais e um esquema metódico que insistia em ser seguido, o que o levou a chamar os melhores músicos de Los Angeles para trabalhar no disco. Seu perfeccionismo absurdo só o instigava cada vez mais a criar arranjos impecáveis. Conta-se que demorou uma semana inteira apenas pra gravar os vocais de Would N’ be Nice. Chamavam Brian de “ouvidos de cachorro” pois escutava imperfeições que nenhum outro humano no estúdio conseguia notar.

Após a turnê, o resto da banda voltou aos estúdios para gravar os vocais. Aos poucos, Pet Sounds foi causando conflitos. Mike Love teve intensas discussões com Brian, seja pelas exigências exageradas do compositor, ou pela mudança na sonoridade da banda, que segundo Love ia resultar em baixas vendas. E ele não estava errado, de certa forma. Nem mesmo a gravadora depositava confiança em Pet Sounds, chegando a lançar um compilado de “Melhores Canções dos Beach Boys” apenas dois meses depois, com o intuito de compensar o prejuízo. O resultado foi mesmo o que se temia: o disco foi um fracasso de vendas comparado a lançamentos anteriores do grupo, apesar de receber críticas mais que positivas.

Pet Sounds acabou sendo um investimento a longo prazo, seus reflexos viriam a ser colhidos durante anos, servindo de influência até hoje. Se trata do primeiro trabalho que pode ser verdadeiramente chamado de conceitual (seguido de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles). A banda ajudou a definir o valor de um álbum como um todo, não de apenas um conjunto de canções reunidas. Mergulhar no álbum é sinônimo de viajar por uma atmosfera única e íntima, um mundo que Brian Wilson criou para se esconder dos problemas. Um mundo com um ar infantil, ingênuo, e belíssimo, com arranjos complexos muito bem disfarçados na sutileza e minunciosidade das melodias.

O trabalho se destaca por sua forma polida e inteligente de fazer pop, contando com uma orquestra de músicos brilhantes para sua execução. Perceba o nível de harmonia, seja na abertura de Would’ N Be Nice ou em Sloop John B, o vasto número de percussões que são inseridos junto ao belíssimo arranjo de vozes. Cada arranjo soa com uma particularidade que rouba os ouvintes: os tambores dramáticos e a mudança de tom repentina no refrão de I’m Waiting For The Day, a suavidade hipnotizante dos acordes de Don’t Talk (Put Your Hand On My Shoulder), os metais que criam vida própria em Trombone Dixie junto a sua maravilhosa linha de baixo, ou os arrepiantes vocais a capella de Unreleased Backgrounds.

Brian tinha em mente um álbum sobre o amor e suas consequências. Podem ser vistas em suas composições diferentes pontos de uma relação amorosa conturbada. Uma dessas facetas é a depressão e a busca por identidade em I Just Wasn’t Made For These Times em seu impactante verso “Sometimes I Feel Very Sad” (“As Vezes Eu Me Sinto Muito Triste”), uma ruptura total com os Beach Boys alegres e divertidos do passado. Ainda há Caroline No, composição de Brian junto a Tony Asher, uma clara referência a término de relacionamento (Carol era uma ex-namorada de Tony). Alguns ousam dizer que há até referências ao uso de drogas em Hang On To Your Ego, já que seus versos não deixam a possibilidade passar: “Hang On To Your Ego/ Hang on, but I know you’re gonna lose the fight” (Segure seu ego/ Segure, mas eu sei que você vai perder a luta”). 

Outra faceta que o amor pode conduzir é a religião, a recorrência a Deus, a alguma figura divina que possa olhar para seu relacionamento. Assim chegamos a God Only Knows, considerada uma das mais belas canções da história, chegando a arrancar elogios até do rival, Paul McCartney. Possui a delicadeza típica de uma oração junto à sinceridade necessária a uma canção de amor. A faixa cantada por Carl Wilson possui um riquíssimo arranjo que viria a ser alvo de debates na música contemporânea, incorpando instrumentação exótica e complexa com trompas francesas, sinos, acordeão, violoncelo e mais uma gama de instrumentos que você ficaria surpreso em ver em uma única canção. E no final, o que dizer do emocionante desfecho da doce repetição do emblemático “Só Deus sabe o que eu seria sem você”?

Pet Sounds ainda possui duas canções instrumentais, sendo uma dela a faixa homônima, que inicialmente era pra ser chamada Run James Run com o intuito de ser um tema de 007. Tudo fica muito claro com essa curiosidade, já que a progressão é realmente algo tipicamente cinematográfico. A outra é Let’s Go Away For Awhile, onde é realizada uma trilha de caráter contemplativo magnífico através de seu arranjo sinfônico, soando a perfeita musicalização de um pôr do sol.

Pet Sounds é arrebatador e tocante ao mesmo tempo, um ensaio da imensa nuvem de pensamentos que era a mente de Brian Wilson, assim como um discurso sobre os valores e consequências do amor. Se trata do sinônimo do que viria a ser considerado um disco clássico, definitivo para a história da música. E seria o primeiro passo para a coroação de Wilson como gênio. Alguns meses após o lançamento, o compositor já começava a trabalhar em sua segunda obra-prima e também de conturbado processo, o polêmico Smile. Mas isso já é história pra outro dia.

P.S.: Se quer conhecer ainda mais sobre o processo de criação do álbum, fica a recomendação do ótimo longa Love & Mercy.

Pet Sounds
Artista: Beach Boys
País: Estados Unidos
Lançamento: 16 de maio de 1966
Gravadora: Capitol Records
Estilo: Pop, Rock

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