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Crítica | Pioneiros em Ingolstadt

por Luiz Santiago
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Em uma Alemanha situada num tempo indefinido – e que carrega elementos de diversos períodos da História contemporânea do país, do uniforme militar nazista à moda dos anos 70 – Fassbinder constrói uma história de convivência social, opressão, paixão e abandono, baseando seu roteiro na peça vintage de Marieluise Fleisser, escrita em parceria com Bertold Brecht.

A história é simples e Fassbinder não investe em um trabalho muito escrupuloso de direção – algo comum em seus filmes para a TV, normalmente mais “descuidados” –, todavia, a trama coloca em cena uma temática forte e de mistura de estilos, juntando questões sociológicas relacionadas à luta de classes, ao feminismo, militarismo, machismo e abuso de poder dentro de uma perspectiva já vista anteriormente em longas do diretor como O Soldado Americano ou, em termos de relações pessoais, em O Machão.

Se o espectador não se deixar levar pela crueza estética do longa e pela forma superficial com que os personagens são tratados – uma intenção do diretor que pode ser mal interpretada de um lado e negativamente criticada de outro –, a sessão de Pioneiros em Ingolstadt pode se revelar uma experiência no mínimo interessante, com direito a uma metáfora conseguida clandestinamente na construção do próprio roteiro e um final no mínimo desolador, mesmo que esperado.

Os pioneiros do título são os soldados que, por algum motivo, estão em uma cidade cumprindo a tarefa da construção de uma ponte. Enquanto isso, algumas mulheres se aproveitam da situação ou para conseguirem dinheiro através de prostituição ou para terem alguém a quem tocar, se apaixonar e exibir para as outras jovens da cidade. Essa estranha situação dá o tom de todo o longa, que, mesmo tocando em assuntos relacionados ao trabalho e relações familiares, tem o complexo diálogo de corpo e verbo entre homens e mulheres como foco principal.

Os homens aqui são mostrados em um pedestal de independência e poder – ressaltados pela patente militar – e cuja relação com as mulheres é puramente sexual. Já as mulheres são mostradas como ímãs para o tipo mais vil de homem, e é como se o roteiro quisesse tornar complexa a questão mas, por algum motivo, o texto não anda, nenhum personagem é aprofundado psicologicamente e a obra termina de maneira amarga e intrigante, sem um verdadeiro ponto final.

A semelhança das relações pessoais aqui no lembra a de Rio das Mortes, mas as atitudes parecem mais inconsequentes e mecânicas, como se entre o impulso e o desprezo pela vida os soldados construtores de ponte que tinham dificuldades de comunicar-se com mulheres (percebam a ironia) precisassem viver em um limite invisível, sempre à beira de um colapso, sempre propícios a um extremo que poderia ser ruim para eles, para os outros ou para ambos os lados.

Os grandes destaques do filme são a música de Peer Raben e a atuação de Hanna Schygulla, dois pontos que não só dão vida e beleza ao longa como também ajudam a ampliar minimamente a profundidade do filme, que encontra mais racionalização na visão do cinéfilo do que em suas próprias linhas. Mesmo não se tratando de um longa ruim, o modelo desleixado da direção de Fassbinder e a história solta – um reflexo da peça – incomodam o público e certamente dão as cartas necessárias para os que acham a obra chata e amadora. A diferença na avaliação final depende mesmo da recepção subjetiva de cada espectador.

Pioneiros em Ingolstadt (Pioniere in Ingolstadt) – Alemanha Ocidental, 1971
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder (baseado na peça de Marieluise Fleisser)
Elenco: Hanna Schygulla, Harry Baer, Irm Hermann, Rudolf Waldemar Brem, Walter Sedlmayr, Klaus Löwitsch, Carla Egerer, Günther Kaufmann, Burghard Schlicht, Elga Sorbas, Gunter Krää, Ulli Lommel
Duração: 84 min.

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