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Crítica | Planeta dos Macacos: Cataclismo

por Ritter Fan
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estrelas 3

Um dos mistérios mais discretos e menos discutidos sobre os filmes clássicos da franquia Planeta dos Macacos é a ausência da lua na obra original de 1968 e na continuação de 1970. Isso é mencionado brevemente pelos astronautas logo no começo do primeiro filme quando eles tentam localizar-se espacialmente. Não há nada que indique categoricamente que o planeta em que eles estão – e que conhecemos muito bem – efetivamente não tem uma lua, mas apenas que eles não conseguem vê-la, pois um dos astronautas chega a dizer que há uma espécie de “nuvem” que cobre o céu à noite. É de nota, também, quando, ao final, Cornelius diz a Taylor que é perigoso cavalgar pela costa da Zona Proibida na maré alta e nós sabemos que as marés são influenciadas pela lua.

No entanto, esse mistério é importante para criar a dúvida no espectador sobre o lugar, afinal, em que Taylor caiu: na Terra do futuro ou em um planeta distante dominado por símios? A ausência da lua é, inclusive, mais expressamente abordada em um dos roteiros originais de Rod Serling, em que um dos astronautas afirmava que “não há lua ou, na verdade, parece que há duas ou três luas”. A intenção de enganar o espectador ficava mais óbvia ainda.

Mas porque raios estou escrevendo sobre isso? Muito simples: ainda que não tenha sido a primeira vez – pois a primeira foi na minissérie Revolução no Planeta dos Macacos, de 2006, publicada pela MR Comics – a maxissérie em 12 edições da dupla Corinna Bechko e Gabriel Hardman, em seu terceiro trabalho completamente solo no universo símio para a BOOM! Studios, tenta exatamente esclarecer o mistério lunar, dentre outras abordagens. Assim, logo no começo vemos uma tentativa falha de se lançar um míssil “Alfa e Omega” (um irmão daquele que os mutantes idolatram como um deus em De Volta ao Planeta dos Macacos) no começo do holocausto nuclear que abre espaço para a Terra ser dominada por símios. Corta para o futuro, mais precisamente para oito anos antes de Taylor colocar os pés no “planeta dos macacos” e vemos esse mesmo míssil sendo disparado por um misterioso orangotango em direção à lua, destroçando-a completamente.

Alex Ross fez as capas das quatros primeiras edições. Olhem só que beleza as duas primeiras!

Alex Ross fez as capas das quatro primeiras edições. Olhem só que beleza as duas primeiras!

O resultado do despedaçamento da lua é uma chuva de meteoros seguida de uma enchente que destrói Ape City, especialmente o bairro dos chimpanzés, que se vêem desabrigados de uma hora para a outra, com todos passando fome pela destruição das colheitas. Cabe, então, ao Dr. Zaius, líder do conselho símio, lidar com a tragédia e investigar o que aconteceu.

Com isso, a narrativa se biparte. De um lado, há a investigação privada que Zaius faz sobre o misterioso culpado por tudo, o que o leva, depois a recrutar o antropólogo Cornelius e o Dr. Milo, que está preso na prisão The Reef depois dos acontecimentos de Exílio no Planeta dos Macacos, para ajudar a esclarecer o que exatamente está acontecendo e quais são as consequências de longo prazo para o planeta em razão da destruição da lua. Zira também dá as caras na série, como uma chimpanzé que perde a irmã e passa a cuidar de seu jovem sobrinho Lucius. Do outro lado, há o que considero o verdadeiro foco da narrativa: a divisão em castas da sociedade símia.

Essa divisão, já abordada pelos roteiristas em Traição no Planeta dos Macacos e em Exílio no Planeta dos Macacos, é estudada mais a fundo aqui em meio às tentativas de reconstrução da cidade. Os chimpanzés, mais atingidos, sentem com mais intensidade aquilo que parecem ser: cidadãos de segunda classe. Com os orangotangos considerando-se a elite intelectual e os gorilas como a força bruta, a terceira casta de símios luta para encontrar um lugar ao sol, ainda que tenha havido evolução ao longo das minisséries anteriores. Mas essa evolução é lenta demais e, com o cataclismo lunar manobrados pelo misterioso vilão, os ânimos esquentam e uma luta de castas é ensaiada, tendo Prisca, agora ativista dos direitos humanos (na Sociedade Anti-Vivissecção de Humanos), como uma líder improvisada e à contra-gosto.

O problema é que Bechko e Hardman não sabem exatamente o que querem, empregando tempo demais em narrativas paralelas que não levam a lugar algum. Há um longo drama envolvendo a filha grávida e a esposa de Zaius, a tentativa de salvamento da irmã de Zira por Cornelius, uma expedição de Milo e Cornelius que leva a uma estranha, longuíssima (praticamente um volume inteiro!), mas em última análise despropositada descoberta sobre um vilarejo de chimpanzés e a volta indireta de Aleron – o gorila humanista de Traição e Exílio -, agora na figura de um messias de uma nova religião patrocinada por Timon, que o traíra anos antes. Com isso, o ponto nodal, que é, queiram ou não, a tensão entre as castas nessa sociedade símia que não sem querer se parece muito com a nossa, perde relevo e magnetismo.

As outras duas capas de Alex Ross.

As outras duas capas de Alex Ross.

Além disso, há a estranha 12ª e última edição da série. Sem falar demais para não estragar eventuais surpresas, pareceu-me que os autores foram pegos de surpresa com o cancelamento da série pela editora, pois realmente não posso acreditar que esse era o plano desde o começo. Afinal, as diversas questões acima são abordadas ao longo de 11 edições e, de repente, na final, exclusivamente focada em Milo e narrada a partir de seu ponto de vista enquanto voa na Ícarus (a nave de Taylor) que o levaria, junto com Cornelius e Zira, para o passado da Terra que vemos em Fuga do Planeta dos Macacos, Bechko e Hardman correm para cobrir oitos anos de acontecimentos comprimidos em pouco mais de 20 páginas que estabelecem a ponte entre sua minissérie e os filmes originais. Ainda que seja muito interessante ver como é que Milo conseguiu resgatar do fundo do lago e consertar a nave de Taylor, finalmente abordando um bom pedaço da saga cinematográfica que foi ignorada pelos roteiristas, o estilo narrativo, o passo e o encaixe desse último número com o que vem logo antes são completamente diferentes e daqueles que fazem o leitor coçar a cabeça.

Parece um anúncio de um cancelamento repentino justamente por isso: há história demais entulhada em uma edição só e essa história tem conexão apenas por cima com o material anterior. Seria fascinante ver a mesma coisa abordada ao longo de mais algumas edições ou que a história de Cataclismo fosse enxugada para permitir que a ponte fosse feita dentro das mesmas 12 edições. Do jeito que ficou, parece que li uma maxissérie em 11 edições seguida de um one-shot, o que não é o fim do mundo, apenas muito estranho e descompassado demais.

No lado da arte, o trabalho ficou ao encargo de Damian Couceiro, que trabalhou na adaptação em quadrinhos de Sons of Anarchy e em Imperdoável, ambos da BOOM! Studios. Seus traços são consideravelmente mais simplificados do que os de Hardman (de Traição) ou mesmo os de Marc Laming (de Exílio), o que acaba retirando as características marcantes de cada símio da mesma espécie. Por vezes, é até difícil reconhecer quem é Milo ou Cornelius ou quem é Zira ou Prisca sem recorrer a uma conferida no figurino ou na cor dos pelos do corpo. Além disso, ele não ousa em momento algum, mantendo uma estrutura burocrática de quadros e páginas, o que acaba ajudando na sensação de que a narrativa se arrasta mais do que devia.

Cataclismo certamente diverte por pegar uma aspecto trivial da série cinematográfica clássica e construir uma história de proporções épicas em torno dele a partir de elementos que os roteiristas criaram em suas séries anteriores. Mas seu desenvolvimento falho frustra o leitor e torna a narrativa truncada e desfocada. Uma pena.

Planeta dos Macacos: Cataclismo (Planet of the Apes: Cataclysm, EUA – 2012/13)
Contendo:
 Planet of the Apes: Cataclysm #1 a 12
Roteiro: Corinna Bechko, Gabriel Hardman
Arte: Damian Couceiro
Arte-final: Mariano Taibo
Cores: Darrin Moore
Letras: Ed Dukeshire, Deron Bennett
Editora original: BOOM! Studios
Data original de publicação: setembro de 2012 a agosto de 2013
Editora no Brasil: não publicado no Brasil na data de publicação da presente crítica
Páginas: 130 (vol. 1), 116 (vol. 2), 113 (vol. 3) – cada encadernado americano contém uma galerias de capas alternativas

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