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Crítica | Poderosa Afrodite (1995)

por Leonardo Campos
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Woody Allen está para o humor assim como Hitchcock está para o suspense. Essa afirmação, oriunda de alguns discursos do campo da crítica e de algumas biografias do cineasta, carrega certa veracidade. Responsável por tramas também puramente trágicas, em termos numéricos, o humor esteve mais presente em sua brilhante e longa carreira. Em 1995, momento da sua segunda parceria com a Miramax, Woody Allen acertou em cheio mais uma vez: em Poderosa Afrodite, comédia que resgata ícones da tragédia grega e os representa sob o viés contrário ao que estamos habituados a conferir, o cineasta conseguiu agradar a gregos e troianos.

No enredo, Woody Allen interpreta Lenny Weintraub, um cronista esportivo que vive um casamento equilibrado com a sua querida Amada (Helena Bonham-Carter). Após a adoção de uma criança, o panorama parece completo: uma família se estabelece. No entanto, como é do ser humano ser curioso e muitas vezes contrário ao seu destino, Lenny decide pesquisar sobre a origem do seu filho e descobre que a sua mãe é Linda Ash (Mira Sorvino), uma antiga atriz pornô que ganha a vida através da prostituição.

A moça é atraente fisicamente, mas bastante limitada se comparada ao intelectualismo de Lenny. Isso, entretanto, não impede que entre os dois surja uma atração, o que põe o seu aparente casamento perfeito em xeque. O que ele não sabe é que a sua esposa também está enrolada afetivamente com um parceiro de trabalho, informação que é transmitida pelo coro, a narração do filme, uma das apostas mais irreverentes do cineasta em toda a sua carreira.

Ao trazer como narração o coro de uma tragédia grega, o filme nos apresenta personagens emblemáticos da teoria do drama: há um oráculo vivido por um mendigo cego nas ruas de Nova York, além da presença de Laio (David Adgen), Cassandra (Danielle Ferland), Édipo (Jefrey Kurland), Jocasta (Olympia Dukakis), nomes importantes das tragédias de Sófocles e Eurípides, Édipo Rei e Medeia, respectivamente.

No final, ainda brinca com a clássica solução deus ex machina, um recurso da tragédia que atualmente significa qualquer solução inesperada ou improvável para resolver o desfecho de uma narrativa. A cena a que me refiro é o momento de desilusão amorosa de Linda Ash. Desolada, ela dirige de volta para casa, entristecida depois de levar um fora de seu pretendente. Como o destino da moça estava traçado de maneira positiva, um homem que sobrevoava a estrada de helicóptero encontra problemas e precisa pousar. Ao estacionar para oferecer ajuda, ambos se apaixonam à primeira vista.

Assim como o recurso grego que consistia em um deus descer para o espaço de representação com intuito de encerrar uma peça, o mesmo acontece no filme, de maneira cômica claro, assim como todo o seu tecido narrativo. Tão parricida como a relação de Édipo e Laio, o texto fílmico de Woody Allen “mata” as suas origens e reconstrói, através da paródia, uma abordagem diferenciada para os habituais tópicos da temática trágica na Grécia Antiga.

Temas como adultério, culpa e a relação problemática entre pais e filhos, pontos nevrálgicos destas obras teatrais, ganham com Woody Allen uma representação irônica, repleta de humor e leveza, apesar da complexidade temática. A neurose, um dos tópicos frequentes na cinematográfica do cineasta encontra lugar na atuação quase histriônica do diretor, tão competente nas duas posições diante da câmera: Allen consegue dar firmeza como “operador” da narrativa, assim como sabe muito bem ser um dos focos das lentes, em suma, um profissional excepcional.

A fotografia, belamente assinada por Carlo Di Palma é um dos recursos mais bem trabalhados do filme, juntamente com o figurino de Jeffrey Kurland e, obviamente, a direção e o roteiro de Woody Allen. O filme foi indicado ao Oscar por Melhor Roteiro Original, mas encontrou ressonâncias positivas nas instâncias de premiação com a categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Em 1996, Mira Sorvino levou o Oscar e o Globo de Ouro por sua atuação, além de ter sido indicada ao BAFTA na mesma categoria. Ao lado dos dois troféus dourados, a atriz também ostentou o prêmio fornecido pela Associação de Críticos de Cinema de Nova York. Sorvino trouxe para os bastidores a sua voz estridente, um jeito bastante peculiar de andar e uma proposta visual que agradou o diretor, tendo-lhe permitido utilizar tais abordagens na construção da personagem.

Ao longo dos seus 95 minutos, Poderosa Afrodite se apresenta como uma comédia de humor ácido que traça uma complexa critica as relações humanas. Assistir ao filme nos permite uma sensação ímpar. Percebemos que as produções do diretor daquele período possuíam uma deliciosa unidade narrativa, assim como as apostas geográficas contemporâneas de Match Point – Ponto Final, O Sonho de Cassandra, Meia Noite em Paris, os pontos altos de Woody Allen em sua versão europeia. Os planos, os movimentos de câmera, os diálogos, as piadas, a neurose, a direção de arte de Santo Loquasto e a cuidadosa trilha sonora são elementos que fazem os filmes do cineasta serem diferenciais dentro das apostas triviais de boa parte da indústria cinematográfica atual.

Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite) – EUA, 1995.
Direção:  Woody Allen.
Roteiro: Woody Allen.
Elenco: Woody Allen, Mira Sorvino, Helena Bonham-Carter, Jeffrey Kurland, F. Murray Abraham, Claire Bloom, Pamela Blair, Olympia Dukakis, Tucker Robin, Paul Giamatti.
Duração: 95 min.

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