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Crítica | Ponto Zero

por Gisele Santos
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José Pedro Goulart é um conhecido diretor do público gaúcho. Seu curta-metragem O Dia em que Dorival Encarou a Guarda (1986) é tido como um clássico do gênero e uma referência para esse tipo de filme. Mais de 30 anos depois de apresentar ao mundo seu primeiro filme, Goulart retorna aos cinemas mas para a estreia do seu primeiro longa metragem, Ponto Zero, que chegou aos cinemas brasileiros nesse final de semana.

Goulart é de uma geração de grandes nomes do cinema gaúcho. Através de suas mãos a Casa de Cinema de Porto Alegre ganhou forma e outros nomes como Jorge Furtado e Carlos Gerbase ganharam o Brasil e também o mundo. Goulart preferiu focar sua carreira na área publicitária, mas o tempo e a pausa das telas fez com que o diretor se entregasse de corpo e alma na sua estreia e nos apresentasse um filme atípico ao cinema nacional e uma experiência sensorial que encanta já nos primeiros minutos.

A história acompanha a rotina do adolescente Ênio (Sandro Aliprandini) e suas batalhas internas. Vítima de bullying na rua e na escola, inclusive por amigos se sua irmã mais velha, e atormentado pelas constantes brigas entre seus pais dentro de casa, o jovem pouco fala e se relaciona. Sua timidez faz com que ele não tenha amigos e sua única companhia seja a própria mãe (Patrícia Selonk) que desconta no garoto as frustrações de um casamento em frangalhos. O pai, um radialista que vive mais fora do que dentro de casa (Eucir de Souza) é o típico pai distante e sem paciência para os problemas do filho.

Com a puberdade chegando e as milhares perguntas sem resposta que o garoto possui, culminam em uma noite em que ele decide enfrentar o “mundo lá fora” e se aventura pelo submundo das ruas de Porto Alegre entre “inferninhos” e prostitutas que desfilam seus corpos pelas ruas da cidade. A aventura, no entanto, foge do controle do garoto, desencadeia uma série de problemas que ajudarão Ênio a enfrentar as mudanças na sua vida e também trarão ainda mais questionamentos a sua vida solitária e vazia.

Goulart explora bem a cidade de Porto Alegre onde o filme é todo ambientado. Quem conhece a capital gaúcha irá se identificar com muitas coisas, apesar de a ambientação não comprometer o público que não está ambientado com a cidade. Ponto Zero, nesse sentido, é um filme universal já que aborda as descobertas da juventude do ponto de vista de um protagonista que enfrenta problemas dentro e fora de casa, como quase todos nós nessa idade.

Goulart também exposta em cenas de um lirismo comovente, como a abertura e o encerramento do filme, com o garoto na piscina mergulhando em câmera lenta e com uma trilha sonora (assinada por Leo Henkin) que deixa tudo ainda mais poético e também a sequência em que ele percorre com sua bicicleta os lugares da sua rotina diária, sem ser percebido por qualquer pessoa (uma das minhas cenas preferidas do longa). Se algumas cenas mais líricas funcionam bem e tornam a narrativa mais atrativas, outras, no entanto, não possuem essa função e ficam até desconexas do todo, como os carros andando de ré pela cidade que mais parecem uma forma de forçar ao espectador uma crítica ao mundo caótico em que vivemos e em como ele atua nas nossas vidas e relações.

O elenco talvez seja uma das armas de Ponto Zero. Aliprandini é o destaquem cena como o jovem protagonista. Ele entrega um personagem frágil, mas que ao mesmo tempo mostra sua força quando precisa. É impossível não se emocionar e se colocar no lugar do menino ao longo de sua trajetória. O mesmo vale para Patrícia Selonk como a mãe perturbada pela traição do marido que manipula o filho e pouco se preocupa com os problemas que ele enfrenta.

A noite de chuva em que Ênio embarca na sua busca pessoal é também digna de nota. Principalmente pela fotografia acertada de Rodrigo Graciosa, que nos entrega planos lindos da noite chuvosa que torna a aventura ainda mais intensa e lírica.

Ponto Zero não é um filme perfeito, mas merece ser visto como uma experiência sensorial e emocional. Algo raro no cinema brasileiro, que normalmente oferece ao espectador fórmulas mais rasas e simples de narrativa. Uma ótima estreia para um diretor que tinha dado um tempo nas telonas, mas parece que voltou com todo o gás. Sorte a nossa.

Ponto Zero (Idem, Brasil, 2016)
Direção: José Pedro Goulart
Roteiro: José Pedro Goulart
Elenco: Sandro Aliprandini, Patrícia Selonk, Eucir de Souza, Larissa tVares
Duração: 94 minutos

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