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Crítica | Portal do Inferno (1953)

por Luiz Santiago
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Vencedor do Oscar de Melhor Figurino em Cores, de um Oscar Honorário e do Grande Prêmio no Festival de Cannes, Portal do Inferno (1953) é um filme sobre valores morais, obsessão amorosa, lealdade e, acima de tudo, uma reflexão sobre o tratamento social dado pelos homens às mulheres no Japão do século XII, quando a história se passa.

A trama começa com um ataque à casa do Imperador em Kyoto, em uma tentativa de golpe por parte de clãs descontentes. O ano é 1160. Um samurai fiel ao Imperador, Morito, é designado para guiar uma distração aos rebeldes, levando uma dama da Casa Imperial para um lugar seguro como se fosse a irmã do Imperador, que, por falta de preparação diante do ataque surpresa, ficaria no castelo, mesmo sob ataque, protegida até a última instância pelos samurais fiéis. A partir daí, dá-se início a um drama que evoluirá para um amor desmedido de Morito por Kesa, mesmo esta sendo casada. O final, como é de se esperar, não será feliz.

Teinosuke Kinugasa foi um importantíssimo diretor da primeira e segunda Era de Ouro do Cinema Japonês, tendo começado a dirigir filmes em 1922 e encerrando sua carreira em 1966, com o ótimo Pequeno Fugitivo. Seu filme mais famoso no Ocidente, Uma Página de Loucura (1926), é também um dos mais importantes do Primeiro Cinema Japonês, mas tanto este quanto a filmografia do cineasta caíram, lamentavelmente, no esquecimento ao longo dos anos, sendo ocasionalmente revivida por Mostras de Cinema e lançamentos especiais pelo mercado home video.

Há dois ritmos claros de direção em Portal do Inferno. Na primeira parte, temos uma fita bastante ágil em suas ações e de roteiro pouco amarrado — porque abre demais o contexto histórico, a tentativa de golpe e a retomada do Imperador, sem ao menos fazer destes eventos um ponto central da narrativa ao longo do filme, o que é um erro, mas não torna o texto ruim –; e na segunda parte, um filme lento, com uso romântico da trilha sonora, que no início é épica, e textualmente voltado para questões de lealdade conjugal, amor e paixão obsessiva.

As atuações são moduladas teatralmente — o roteiro é a adaptação de uma peça de teatro — para cada um dos comportamentos dos personagens. Embora estejamos falando de um elenco grande na primeira parte, o trio protagonista é quem assume majoritariamente o andamento, sendo Morito (Kazuo Hasegawa) exposto como um rude e abominável homem que engana o espectador, mostrando braveza e lealdade política no início, mas falta de respeito para com seu juramento samurai e para com outro colega samurai, esposo da mulher que corteja; sendo Kesa (Machiko Kyô) exposta como uma mulher frágil mas que, na verdade, é decidida e forte, agindo para salvar a vida do esposo que ama; e, por fim, Wataru (Isao Yamagata), sendo exposto como um homem de alto valor moral, respeito aos deuses e ao código samurai, mas passivo e permissivo demais frente a “ameaças” de um colega inconveniente.

O que espanta é vermos que o roteiro não disfarça a crítica à organização social japonesa que tratava mulheres como uma propriedade a ser vendida ou arranjada. Não há demonização do fato, apenas exposição racional e humana dele, como sintoma de um momento da História do Japão, vista tanto nas atitudes do Senhor do Clã que Wataru protege quanto na fala de Kesa, que se sente humilhada e desrespeitada. Tudo parece normal para seu esposo e pra os homens em volta, porque ela é mulher, então, sujeita a ser objeto de transferência de um dono para outro, como uma posse de luxo. Mais irônico ainda é que esse entendimento dos laços interpessoais passa por valores de permissão (ou não) da mulher, encobrindo o fato de que a colocação dela naquela situação consistia em um atentado moral e humano.

Com uma excelente direção de fotografia, o filme é capaz de encantar muito mais pela imagem do que pelo roteiro, que apesar de, do meio para o final, prender totalmente o espectador, mas não é livre de tropeços no início e no desfecho. Todavia, a imagem dá à obra toda a beleza e densidade de emoções necessárias para fazer valer a sessão e o Oscar Honorário recebido.

Filmado em exuberante Eastmancolor, Portal do Inferno torna a guerra e a neurose de um homem coisas tremendamente belas de se ver na tela. O grande destaque vai para as cenas noturas ou com pouca luz. A composição do espacial dos quadros, o trabalho de iluminação voltado para emoções (note a diferença na paleta cores entre o início e o final da película e como a cor azul é utilizada na noite da tragédia) e os figurinos — o uso bem escolhido de estampas e tecidos lisos, adereços, símbolos de clãs e acessórios para a vestimenta, pés e cabelo são historicamente corretos e cinematográfica espetaculares –, merecidamente premiados com o Oscar, são coisas que encherão os olhos do espectador e tornarão o tema ainda mais interessante, pela emoção que a imagem é capaz de criar em quem assiste.

Mesmo um pouco inconstante em sua fluidez narrativa, quase “dois filmes em um”, Portal do Inferno não decepciona. Poucos são os filmes que mostraram uma obsessão amorosa em uma sociedade tradicional como Kinugasa fez aqui, fator que por si só já validaria a produção. O bom é que o filme não é apenas isso. Existem elementos muito mais interessantes em Portal do Inferno. Cor, vestes, música, dor e amor, são alguns deles.

Portal do Inferno (Jigokumon) — Japão, 1953
Direção: Teinosuke Kinugasa
Roteiro: Teinosuke Kinugasa (baseado na peça de Kan Kikuchi)
Elenco: Kazuo Hasegawa, Machiko Kyô, Isao Yamagata, Yatarô Kurokawa, Kôtarô Bandô, Jun Tazaki, Koreya Senda, Masao Shimizu, Tatsuya Ishiguro, Kenjirô Uemura, Gen Shimizu
Duração: 96 min.

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