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Crítica | Preacher 1X02: See

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

spoilers. Clique aqui para ler as críticas dos episódios. E clique aqui para ler as críticas dos quadrinhos.

Ao assistir Preacher, é necessário que tenhamos em mente três coisas muito importantes. A primeira, em nível de adaptação, é o fato de que a série adota uma linha de exposição paralela aos quadrinhos — ao menos naquilo que deve ser a introdução para esse Universo, o arco A Caminho do Texas –, pegando elementos essenciais de sua fonte, transpondo quase quadro-a-quadro algumas coisas e fazendo releitura de todas as outras. Não é apenas o caso clássico de uma adaptação bem feita. É um caso raro de adaptação bem feita, inteligente, ousada e sem medo de adicionar novidades coerentes a algo já bastante conhecido, como bem observou meu demônio particular — vulgo Ritter Fan — no comentário sobre o Piloto: “o melhor é que capturou [a essência dos quadrinhos] desviando-se bastante do material fonte, o que, para mim, é ótimo, pois ganhamos DOIS Preacher, o dos quadrinhos e o da TV e não uma cópia um do outro“.

A segunda coisa, em nível de de simbologia, dará a qualquer um as cartas para entender a dualidade que reina em todos os aspectos do Cristianismo e que estão escancarados aqui. Os quadrinhos são menos preocupados com isso, visto que Garth Ennis já nos entrega um Universo sincrético, onde os anjos e tudo o que deveria ser “entidades de luz” podem ser tão infames, injustos e maus quanto as “entidades das trevas”, inclusive, dialogando diretamente com elas (tivemos essa abordagem em Lucifer, lembram-se?). Não há meandros: ele já nos esfrega isso na cara desde as primeiras páginas. Aqui na série, a abordagem é outra. Nós vemos um pastor tentando ser um bom pastor. Uma comunidade próxima a uma igreja. A mitologia da confissão, o medo do inferno e da morte, a ausência de medo do pecado. Esse caminho de utilizar os símbolos do Cristianismo para se aproximar de algo estabelecido desde o início, nos quadrinhos, é a escolha do show e, aplausos para os produtores, foi uma sábia escolha.

A terceira e última coisa é a junção dos outros dois em um universo “secular, mas nem tanto”. Isso já havia ficado claro na estreia do programa, mas aqui é patente: é necessário trabalhar a suspensão de descrença para poder aceitar elementos místicos (de caráter cristão, mas não só), literários, quadrinhísticos e de diversos níveis sociais, desde famílias disfuncionais, crime organizado, corrupção e fascismo até relações humanas (amorosas e fraternas), crença em milagres, abuso infantil e pedofilia. O espectador não irá encontrar um mundo tal e qual o meio-oeste americano do século XXI, mas reflexos alterados, floreados e piorados de qualquer lugar do mundo, tudo isso temperado com uma deliciosa calda de sangue de anjo, vampiro badass, descobertas e ignorância. Isto, senhoras e senhores, é Preacher.

Este segundo episódio se estabelece justamente sobre as bases que expus nos parágrafos acima, dando sequência ao cotidiano do pastor Jesse Custer após ser possuído pela Entidade foragida de alguma prisão de segurança máxima do Paraíso. O ritmo do roteiro é ajustado para que tenhamos uma sensação de três dias transcorridos, onde o Pastor rapidamente descobre que tem algo diferente acontecendo com ele. Perceba que o texto não abusa da nossa paciência ao deixar o protagonista alheio aos fatos por muito tempo. Ele é um homem sagaz e tem uma Entidade celestial no corpo. Descobrir como utilizá-la no terceiro dia é um perfeito símbolo de renascimento para a mitologia cristã e serve como uma luva ao propósito da série, deixando-nos curiosos para como isso pode ser utilizado daqui para frente e de como coisas muito maiores estão sendo erguidas ao redor do protagonista sem que ele saiba. Como eu disse antes, a ignorância (entenda isso nos dois principais sentidos da palavra) tem se mostrado uma das bases conceituais da série. Mais um ponto positivo para o drama.

Se havia alguma dúvida sobre o trabalho de Dominic Cooper no papel principal, aqui, ela caiu por terra. O ator dá uma exposição muito mais cínica, ressentida, irascível para o pastor Jesse Custer, distanciando-se bastante do porte mais austero, mais altivo do Custer dos quadrinhos. Os dois são ótimos, mas ver um personagem desse porte, com a Entidade que ele tem no corpo, agindo com dois comportamentos bem distintos e representando-os muito bem é um verdadeiro banho para a alma. Peço que comparem a atuação de Cooper na sequência em que ele é preso por Tulipa com a sequência em que ele sugere de maneira um tanto… calorosa… a um dos congregados para que se esqueça da garotinha no ônibus escolar. São duas caracterizações excelentes e em patamares dramáticos bem diferentes. Estou realmente impressionado com o que o ator tem apresentado aqui, até porque, não tinha opiniões muito positivas sobre o trabalho dele antes.

Tulipa segue a sua linha bem mais à frente da garota que temos no início dos quadrinhos e Ruth Negga leva a personagem com graça. A repetição do plano e do mapa chegam a enjoar, assim como a insistência dela diante de Jesse, mas se tirarmos o binóculo e enxergarmos a postura no todo, veremos que faz sentido na interação com o Pastor e na forma como ela nos foi apresentada antes. Assim como todos os outros, ela é uma personagem em desenvolvimento e em torno da qual pairam muitos mistérios. Mas diferente de todos os outros, ela é a úncia que parece não querer esconder isso, mas brincar com isso. Diria que ela age aqui como uma “causadora do caos”, vendo tudo como uma grande brincadeira, mas deixando claro que não joga limpo e que seu jogo é perigoso.

Cassidy ganha uma integração orgânica nessa comunidade e o ator Joseph Gilgun parece que sugou o espírito do vampiro que vemos nos quadrinhos. Eu havia gostado bastante de sua aparição anterior, mas ainda não havia me conquistado como um todo. Aqui, talvez por ter maior espaço de ação, sua presença é exatamente aquilo que Cassidy é no arco de abertura dos quadrinhos: um misto de inconveniência com tiradas ácidas, questionamento de tudo o que é importante e momentos de verdades ruins que colocam muita coisa em xeque. A direção de Seth Rogen e Evan Goldberg ainda nos presenteia com uma longa briga do centenário com Fiore e DeBlanc, os anjos Adelphi que estão caçando Genesis. De referências a O Massacre da Serra Elétrica, Holocausto Canibal, filmes Giallo e piada com O Grande Lebowski, os diretores conseguiram nos fazer rir do absurdo da sequência tanto pela forma técnica, cheia de gags, quanto pelo simbolismo maluco do que acontece ali: mergulhados em fotografia azul com sombras em todo o tatame, dois anjos-carcereiros e um vampiro lutam para quem um pastor possuído por um filho de anjo com diabo não seja morto/tenha a Entidade tirada dele à força… sério… pensem nisso.

Com um Prelúdio mostrando “O Cowboy” — sim, sim, ele é o Santo dos Assassinos –, vivido por um silencioso Graham McTavish, atravessando as pradarias do Velho Oeste em 1881 e um Epílogo mostrando os anjos Adelphi conversando com o Xerife Hugo Root, See nos mostrou o necessário de forma bem humorada e em tempo certo (a montagem aqui é incrível), pedindo-nos para abrir os olhos quando chega a escuridão do fade final. Conseguem enxergar a luz do futuro para Preacher?

Preacher 1X02: See (EUA, 5 de junho de 2016)
Direção: Seth Rogen, Evan Goldberg
Roteiro: Sam Catlin
Elenco: Dominic Cooper, Joseph Gilgun, Ruth Negga, Lucy Griffiths, W. Earl Brown, Derek Wilson, Ian Colletti, Tom Brooke, Anatol Yusef, Graham McTavish, Jackie Earle Haley, Ricky Mabe, Bonita Friedericy
Duração: 49 min.

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