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Crítica | Preacher: Vol. 7 – Salvação

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Obs: Há spoilers tanto dos volumes anteriores, quando do 7º. 

Caminhando para seu fim, a série em quadrinhos Preacher faz uma espécie de desvio em seu 7º volume, intitulado Salvação. São dez números lidando com uma jornada pessoal de Jesse Custer em busca de propósito para continuar com sua luta para fazer Deus responsabilizar-se sobre sua criação, depois que abandonou o Paraíso e começou a andar pelo mundo. O lado expansivo e apocalíptico da história que vimos no volume anterior, Guerra ao Sol, desaparece por completo e o foco é intimista e apenas em Jesse.

preacher_vol_7_salvacao_capa_plano_criticoAfinal, o protagonista está sozinho. Quando o primeiro número começa, ele está em um píer, seis meses depois dos eventos em Monument Valley que culminaram com a perda de seu olho e também de Tulipa e Cassidy, que estão juntos em circunstâncias para lá de desconfortáveis, com Tulipa fragilizada e drogada para esquecer a perda do amor de sua vida (ela acha que Jesse morreu caindo do avião) e Cassidy, que se mostra um extremo mau-caráter, aproveitando-se disso. Lidando com a solidão de Jesse, Garth Ennis, então, trabalha um extenso flashback de oito números (Preacher #41 a #48) que mostra o que Jesse fez depois que descobriu sobre o relacionamento dos dois.

Desnorteado, Jesse acaba parando na cidadezinha de Salvação, no Texas, onde acaba reencontrando-se com Lorie, jovem que vimos apenas muito rapidamente em flashback no volume 2, Até o Fim do Mundo, irmã do melhor amigo de infância de Jesse, Billy Bob. Assim como o irmão, ela não tem o olho esquerdo, fruto de endogamia há gerações na família deles. Os dois até mesmo se casariam, não fosse o assassinato de Billy Bob por T.C. É essa deformidade física que dá o tom de todo o arco, que lida de maneira ampla com a intolerância, temática já muito presente na série, mas que ganha posição central aqui.

Salvando Lorie de bullies locais, Jesse é apresentado a Jody, uma esguia e bela senhora sem um braço e com uma cicatriz do lado esquerdo da cabeça que mora com a jovem e que juntas comandam o bar local. Jody é logo apresentada como alguém que destoa completamente do local, já que sabe falar bem, é culta e entende exatamente o que a pequena cidade precisa. A conexão entre Jesse e Jody é praticamente imediata e Ennis conduz brilhantemente a narrativa de forma a nos revelar uma surpresa: Jody, na verdade, é Christina, mãe de Jesse, que sobrevivera à tentativa de assassinato por Jodie, que a deixara amnésica em razão do tiro na cabeça e sem braço depois que um crocodilo a ataca. O reencontro é tocante, mas tratado de maneira sensata e nada maniqueísta por Ennis. Nada de lágrimas em excesso, nada de sentimentalismo barato. O autor é pragmático e lida com a questão de maneira adulta e certeira.

Mas o reencontro familiar é apenas um aspecto do arco. Notem que Jesse foi traído em Guerra ao Sol e que ele busca a redenção, a literal salvação do título e da cidade onde acaba parando. Assim, Ennis popula seu arco do que de pior existe na face da Terra justamente para que o protagonista reencontre sua razão para existir. A caçada à Deus fica em segundo plano completamente, abrindo espaço para uma jornada que poderia muito bem estar acontecendo unicamente na mente de Jesse tamanho é o exagero do que Ennis põe em sua HQ e que me fez de certa forma torcer o nariz inicialmente o arco.

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A questão é que, além de Lorie e Catherine/Jody, que o leitor já conhecia, mas que não haviam ganhado qualquer tipo de desenvolvimento, Ennis nos apresenta a outros quatro personagens importantes na trama do arco:

– Odin Quincannon (criado à imagem de Ross Perot, candidato independente à corrida presidencial americana em 1992), um diminuto dono de um matadouro local. Corrupto, racista (membro da Ku Klux Klan) e doentio (ele “transa” com um manequim-mulher formado de cortes de carnes variadas em uma das criações mais nojentas de Ennis, o que não é pouco), o personagem comanda a cidade, tendo a polícia e os políticos no bolso.

– Srta. Oatlash, advogada de Odin e uma sadomasoquista fanática que idolatra Adolf Hitler a ponto de fazer a saudação nazista para a fotografia do genocida.

– Gunther, ex-soldado alemão durante a 2ª Guerra Mundial que passa a ser interesse romântico de Catherine; e

– Cindy, policial negra que acaba ficando muito próxima de Jesse.

Todos eles, como a descrição deixa entrever, funcionam como veículos narrativos para Ennis lidar com a intolerância e o preconceito, algo que acaba ficando repetitivo e até mesmo didático durante o arco. Para se ter uma ideia, Jesse, que, não demora, se torna o xerife incorruptível da cidade, tendo Cindy a seu lado, diz, diversas vezes, que não é preconceituoso e que não julga um ser humano pela cor de sua pele. É o herói (ou anti-herói, na verdade) deixando bem claro para os leitores que ele pode ser tudo, menos racista. Qual é o problema disso? Absolutamente nenhum não fossem suas ações que determinam exatamente a mesma coisa. Logo ao assumir o cargo de xerife, Jesse tira Cindy do cargo secretarial que o xerife anterior a tinha relegado e a trata como uma igual, como alguém que merece toda sua consideração. Antes disso, ele salvara Lorie dos bullies da cidade que a estavam atacando em razão de sua deformidade. Ações valem mais do que mil palavras, mas Ennis não se satisfaz e precisa, exageradamente, que o próprio Jesse deixe isso muito claro em diálogos artificiais por repetidas vezes. E, em cima disso tudo, há, ainda, as atitudes dos demais personagens que listei acima, todos eles envolvidos com intolerância de maneira aberta, sendo que os dois primeiros de forma bem típica do autor, que se esbalda nas situações mais absurdas e grandiosas.

Assim, fiquei dividido ao acabar de ler o arco, que ainda conta com uma excelente história em que Jesse, já no presente, finalmente descobre o que aconteceu com seu olho e em que ele tem o primeiro encontro tête-à-tête com Deus (em uma excelente representação dúbia que deixará muita gente de cabelo em pé) e um epílogo em que ele se encontra mais uma vez com Billy “Spaceman” Baker, o veterano do Vietnã que conhecera seu pai e em quem Jesse esbarrara no aeroporto a caminho de Paris no começo do volume 2, Orgulho Americano. Se, por um lado, a narrativa serve muito bem para recolocar o protagonista nos trilhos de sua jornada, por outro as coincidências – ele encontrar a mãe assim do nada – e os personagens extremamente estereotipados arrancam o leitor da verossimilhança estabelecida até aqui, mesmo com toda a temática sobrenatural e religiosa. Odin e Oatlash, especialmente, parecem personagens talhados para serem grandes opositores, grandes vilões, mas que não oferecem nenhum tipo de profundidade maior do que encarnar a própria Maldade Humana.

Por outro lado, Garth Ennis nunca foi conhecido por sua sutileza, por sua delicadeza. Além disso, toda a narrativa é galgada em uma certa “inevitabilidade do destino” ou na “vontade de Deus”, o que torna as coincidências e os personagens mais aceitáveis como instrumentos para um fim específico que está, agora, bem próximo. Com essas duas interpretações possíveis para o trabalho apresentado aqui – com uma terceira, que nunca descarto e que já comentei aqui, na linha de que o que aconteceu, aconteceu na mente de Jesse – é pessoalmente difícil para mim concluir, sem maiores consequências se o que li é brilhante, péssimo ou alguma coisa entre esses dois polos.

E, justamente por gerar essa dúvida, por fazer os neurônios funcionarem enlouquecidamente, é que Garth Ennis merece todo o respeito possível. Sua criação junto com Steve Dillon é realmente algo inesquecível, gostando dela ou não.

Preacher: Vol. 7 – Salvação (Preacher: Vol. 7, EUA – 1997/8)
Contendo: Preacher #41 a #50
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Steve Dillon
Cores: Pamela Rambo
Letras: Clem Robbins
Capas: Glenn Fabry
Editora original: Vertigo Comics
Datas originais de publicação: setembro de 1998 a junho de 1999
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação: fevereiro de 2010 (encadernado)
Páginas: 260

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