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Crítica | Preacher: Vol. 9 – Álamo

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

Obs: Há spoilers. Leia a crítica dos volumes anteriores aqui e dos episódios da série de TV aqui.

E, assim, depois de cinco anos escrevendo e desenhando Preacher, Garth Ennis e Steve Dillon encerram a série que os consagrou e que marcaria os anos 90 e a indústria de quadrinhos para sempre. Jesse Custer teve sua alma fundida com Gênesis, o fruto do amor proibido entre um anjo e um demônio e, junto com Tulpa, o amor de sua vida e Cassidy, seu melhor amigo que por acaso é um vampiro, ele passou a perseguir o próprio Deus incessantemente para fazê-lo confessar a razão de ter abandonado seu rebanho. Muita violência, morte, canibalismo, sadismo, masoquismo, sexo, heresia e bizarrices das mais inacreditáveis se seguiram. Incríveis e inesquecíveis personagens foram sendo adicionados à saga, como Cara-de-Cu, Herr Starr, Billy Bob, Lorie Bobbs, Jesus DeSade, Eccarius, Odin Quincannon, Hugo Root e, lógico, os anjos Fiore e deBlanc e o Santo dos Assassinos somente para tudo convergir para o único lugar que poderia convergir: o Álamo, a missão que foi símbolo máximo do heroísmo americano, quando personagens históricos famosos como James Bowie, William B. Travis e Davy Crocket tentaram resistir ao ataque do Presidente-General Santa Anna, mexicano, na chamada Revolução Texana.

O arco, batizado com o nome da missão, já dá o tom da narrativa aqui. Todos sabemos – ou ouvimos falar – do massacre que fo a Batalha do Álamo e o que se espera é justamente a mesma coisa nos oito números finais da série. Mas Ennis e Dillon não têm pressa. Nenhuma, na verdade.

preacher_vol_9_alamo_capa_plano_criticoOs autores vão, vagarosamente, trabalhando no estilo “calmaria antes da tempestade”. Jesse, praticamente sem sair da cama com Tulipa, tem um plano, mas ele a mantém ignorante de quaisquer detalhes. Logo nos primeiros diálogos já percebemos muito claramente a volta da temática que mais gera tensão entre os dois: o tratamento desigual das mulheres que deixa Tulipa extremamente ressentida, considerando a forma como ela foi criada por seu adorado pai, conforme vimos em Às Portas do Inferno, o volume anterior. O que ela mais deseja neste mundo, além do próprio Jesse é estar com ele sempre quando ele entra em ação, evitando que ela seja protegida como uma donzela em perigo. Claro que todas as situações de perigo em Preacher são exageradas ao extremo, o que torna difícil simplesmente descartar a postura protetora de Jesse, que já viu Tulipa ter seus miolos estourados. Ennis traz o assunto novamente à tona e mais uma vez não traz uma solução. Seu objetivo é levantar a discussão, colocar as cartas na mesa para o debate.

E o plano de Jesse, que começamos a vislumbrar logo no início do arco quando ele atrai o Santo dos Assassinos com a própria ossada original do cowboy no que sobrou de Ratwater, é de fazer o queixo cair. Chamar de profano ou herege é pouco, muito pouco. Afinal, o que ele decide fazer para resolver a questão do abandono de sua criação por Deus é simplesmente tornar realidadeaquilo que Nietzsche disse um dia: matar o Todo Poderoso. Qualquer pessoa cegamente religiosa (ou seja, quem não consegue separar o dogma religioso de quadrinhos de ficção…) teria tremeliques com a ousadia de Ennis, mas acontece que esse encerramento faz completo sentido narrativo se consideramos toda a jornada até agora. O Deus de Ennis é caracterizado muito mais como um parasita, alguém que criou o que criou apenas para que sua criação possa adorá-lo. Ele não mais influencia em nada na evolução – ou involução, pode escolher – da humanidade e, como a intervenção divina é inexistente, sua função acaba. E, claro, de que adiantaria Jesse achar Deus e fazê-lo confessar seus pecados? Quem acreditaria nisso?

Na outra ponta, há Herr Starr. Ele já não tinha um olho, o que o deixava com aparência ameaçadora. Mas, agora, ele é uma paródia humana. Não só Jesse fez um corte em sua careca de maneira que ele, em pé, pareça um enorme pênis, como, também, ao longo de toda a série, ele perdeu uma orelha, uma perna e, sim, seus órgãos genitais, algo, aliás, que ganha grande destaque em Álamo, com Steve McNiven desenhando explicitamente essa “falta” ao ponto de realmente dar nervoso no leitor. Meio Frankenstein, Starr quer apenas uma coisa: vingar-se de Jesse Custer. E isso é muito interessante, pois cria-se convergência narrativa e percebe-se mudanças de objetivos nos dois personagens, com uma espécie de anti-clímax no Álamo que pode deixar muito leitor insatisfeito, mas que, na verdade, é brilhante.

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E o brilhantismo vem na forma de execução da derradeira história do reverendo Custer. O que acontece na praça em frente ao Álamo é a catarse de Jesse e de Cassidy, em um duelo mais do que impressionante e de cortar o coração. Antes amigos, agora vemos Jesse espancando o vampiro, tentando livrar-se de toda a culpa que sente. Por outro lado, cada soco em Cassidy é também uma forma dele expiar seus enormes pecados até o destruidor final em fogo causado pela luz solar, final esse que leva à morte de Jesse e à sua volta em um perfeito movimento circular de causa e efeito lógico dentro da narrativa que abraça ainda mais o paralelismo da vida de Jesse Custer com a de Jesus Cristo.

Ennis dá finais redondos para todos os personagens, porém. Paralelamente, ele nos revela o fim de Cara-de-Cu e também os dos capangas de Starr, Hoover e Featherstone, além de Fiore e deBlanc e até mesmo de John Wayne, o amigo imaginário de Jesse (a splash page fazendo referência expressa ao take final de Rastros de Ódio. Nada é esquecido ou colocado em segundo plano e o melhor é que há um excelente equilíbrio entre ação e momentos mais parados, contemplativos. O roteirista usa mesmo a tranquilidade aparente de seus números finais para encerrar sua bem pensada – ainda que não perfeita – saga americana.

Aliás, sobre o encerramento, alguns poderiam reclamar que o final de Jesse e Tulipa – juntos, à cavalo, nas pradarias americanas – é romântico demais, perfeito demais. E de certa forma é verdade. No entanto, o final, na verdade, é apenas o começo. O começo da vida a dois dos pombinhos apaixonados. O que vemos, na verdade, é um final em aberto, ainda que consideremos que um capítulo das aventuras da dupla foi encerrado com a morte de Deus. Mas e agora? Como é que os dois passarão seus dias? Será que reverterão aos dias selvagens de roubos de carro e outras ilegalidades? Será que eles realmente serão felizes? Vejo esse final muito mais como se Ennis tivesse decidido parar de nos contar sobre a vida de Jesse e Custer alguns anos antes da famosa morte de Bonnie e Clyde, por exemplo. Mas, se quisermos ter uma visão mais otimista, ela também é perfeitamente possível. Podemos encarar Preacher como uma fábula. Violenta. Sádica. Histérica. Mas uma fábula mesmo assim e o final se encaixa também nesse conceito. E, talvez acima disso tudo, estamos falando, no final das contas, de uma belíssima história de amor que merece sim um final feliz.

Mas a grande verdade é que, ao terminar a leitura de Álamo, o sentimento prevalente é o de satisfação. Satisfação por um final crível, lógico, redondo e inteligente. Satisfação pela abordagem digna dada a absolutamente todos os personagens. Satisfação pela percepção que Ennis e Dillon tinham sim um plano desde o começo, mesmo que tenham talvez tomado alguns desvios aqui e ali na história. Ao virar a última página de Preacher, a vontade que dá é de cumprimentar esses dois grandes autores pelo magnífico trabalho que corajosamente entregaram ao mundo.

Preacher: Vol. 9 – Álamo (Preacher: Vol. 9, EUA – 2000)
Contendo: Preacher #59 a #66
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Steve Dillon
Cores: Pamela Rambo
Letras: Clem Robbins
Capas: Glenn Fabry
Editora original: Vertigo Comics
Datas originais de publicação: março a outubro de 2000
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação: agosto de 2011 (encadernado)
Páginas: 228

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