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Crítica | Promessas de Guerra

por Gabriel Tukunaga
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Conner encontra a água. O trabalho fastidioso para cavar o poço é recompensado pela chegada do fluído essencial aos seres vivos. A cena inicial de Promessas de Guerra é sugestiva. Da mesma forma em que, naquele momento, o homem busca pelo líquido de maneira ardilosa, as mudanças em sua vida acabam convergindo para um objetivo: o de encontrar seus três filhos, desaparecidos quatro anos após terem ido à Batalha de Galípoli.

Filmes sobre guerras são extremamente comuns na indústria cinematográfica, e isso não é novidade para ninguém. A retratação da Segunda Guerra Mundial é a mais comum e, muito provavelmente, esse é o tema com mais representações no cinema. Deste modo, até grandes eventos, tal qual a Primeira Guerra Mundial, foram deixados de lado, ainda que tenham uma importância histórica enorme.

Um dos grandes méritos de Promessas de Guerra, estreia de Russell Crowe como diretor (ao mesmo tempo em que protagoniza a película), é a decisão do tema a ser abordado. A chamada Campanha de Galípoli (1915-1916) foi um dos conflitos da Primeira Guerra Mundial, que teve o estreito de Dardanelos, na Turquia, como palco de uma invasão feita pelas forças britânicas, francesas, neolandezas e australianas. Apesar da vitória dos turcos, ambos os lados tiveram grandes perdas — cerca de meio milhão de baixas.

É interessante notar que, uma das campanhas mais catastróficas da humanidade tenha recebido tão pouca importância, em derretimento de outras tragédias que, conquanto também precisem ser retratadas, tenham acontecido em proporções menores e já tenham absorvido demasiada atenção. Novamente, reitero a audácia de Crowe ao optar por sair da zona de conforto imposta pela indústria. Infelizmente, essa acaba sendo uma das poucas qualidades do filme, que poderia ter sido muito melhor aproveitado.

Como já havia mencionado, Promessas de Guerra é sobre a busca do australiano Conner (Russell Crowe) pelos três filhos. Na Turquia, ele fica hospedado na pousada de Ayshe (Olga Kurylenko), com que desenvolve uma relação após ser, primeiramente, hostilizado. Outro aspecto interessante é a personalidade que mais ajudou o protagonista em sua procura, o Major Hasan (Yilmaz Erdogan), líder do exército turco durante a Campanha de Galípoli há quatro anos e que, muito provavelmente, fora o algoz da vida de seus filhos. Ao colocar em associação duas personagens que deveriam ser inimigas conforme a lógica da guerra, o roteiro expõe o quão prejudicial o conflito foi para ambos os lados, concedendo um caráter menos partidário ao filme, e exibindo a conflagração como, de fato, uma tragédia.

Um dos pontos que mais incomoda na produção é a ausência de personalidade. O melodrama evidente e exagerado tangencia o insuportável e confere à película uma artificialidade tremenda, que é fortalecida por fatos inexplicáveis, tal qual o “poder” de Conner em identificar o percurso da água — a verossimilhança perde-se totalmente, e o telespectador começa rapidamente a questionar os acontecimentos, algo que não deveria ocorrer em filmes históricos como este. Com o propósito de tentar amenizar o tom novelesco da película, temos algumas cenas de ação, comédia e romance. A convergência de estilos cinematográficos poderia ser bem executada e acrescentar um aspecto positivo ao filme. Entretanto, não é isso que observamos em Promessas de Guerra. A transição do drama para os demais gêneros é feita de maneira brusca e confusa, como a relação entre Conner e Ayshe, que foi terrivelmente utilizada, efetivada de modo sintético e clichê.

A abordagem de um drama pessoal em um momento histórico, político e social inquietante e conflituoso como o retratado, deve ser feita de maneira cautelosa, a fim de não reduzir o enredo principal. Porém, no filme em questão, essa ponderação parece não ter sido levado em conta. Os acontecimentos na vida do protagonista, apesar de serem sim emocionantes e impactantes, tornam-se ignóbeis quando colocados contiguamente com os eventos que ocorriam na Turquia no momento. A exibição desses episódios de maneira banal — como as manifestações feitas pela população, a nova guerra travada contra a Grécia e a superficial retratação do papel da mulher no islamismo — apequenam a busca de Conner, que acaba adquirindo um aspecto irrisório e enfadonho, impedindo a conexão concreta entre a história do protagonista e um telespectador que já duvida das verossimilhanças do roteiro, devido sua artificialidade.

Russell Crowe exibe uma ambição como diretor que, todavia, não se concretizou de maneira positiva e acabou, inclusive, atrapalhando em sua atuação. Com interpretações que normalmente divergem entre a crítica, em Promessas de Guerra o ator imprime aquela que é, muito provavelmente, a pior performance de sua carreira. A falta de profundidade da personagem e a semelhança com outros papeis já encarnados por Crowe contribuíram para a construção de um protagonista monótono e que se perde nos momentos em que tenta transmitir alguma emoção. Talvez o que tenha faltado para o ator tenha sido uma direção de fato.

Apesar da grande quantidade de defasagens, conseguimos encontrar alguns aspectos positivos na película. Ademais da escolha da temática, já comentada anteriormente, a fotografia belíssima com cenários de paisagens estonteantes da Turquia e da Austrália promovem uma experiência que vale a pena ser conferida no cinema. O roteiro previsível e extremamente melodramático, conquanto possa prejudicar a conexão com o telespectador, oferece uma perspectiva sobre um assunto pouco retratado e que, querendo ou não, acaba acrescentando alguma bagagem cultural aos que assistirem ao filme.

Partindo da premissa de que toda experiência é válida, a impavidez e destemor de Crowe ao se arriscar na direção podem exibir um aprendizado que acrescentem nele tanto quanto ator como um bom diretor em potência — visto que já mostrou ter boas ideias, apesar das dificuldades para executá-las. Da mesma forma, o telespectador de Promessas de Guerra não irá perder nenhum conhecimento epistemológico; pelo contrário, estará apto a desenvolver seu senso crítico tanto ao instituir juízos de valores baseados em conhecimentos a priori, como também terá disponibilidade de conhecer, mesmo que de maneira superficial, um episódio tragicamente fantástico da História da humanidade.

Promessas de Guerra (The Water Diviner) – Austrália/EUA/Turquia, 2014
Direção: Russell Crowe
Roteiro: Andrew Knight, Andrew Anastasios
Elenco: Russell Crowe, Olga Kurylenko, Yilmaz Erdogan, Cem Yilmaz, Jai Courtney, Dylan Georgiades, Steve Bastoni, Isabel Lucas, Salih Kalyon, Megan Gale, Ryan Corr, James Fraser, Ben O’Toole, Jacqueline McKenzie, Jack Douglas Patterson, Benedict Hardie, Deniz Akdeniz, Damon Herriman
Duração: 111 min

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