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Crítica | Psicose, de Robert Bloch

por Rafael Lima
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Em 1960, estreava nos cinemas Psicose, dirigido pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock. O filme que contava a trágica história de Marion Crane e sua fatal passagem pelo Bates Motel, se tornaria a mais famosa obra de Hitchcock e um marco do cinema de terror, além de colocar o personagem Norman Bates entre os mais icônicos assassinos em série da ficção.

Mas foi em 1959, que Norman Bates e toda a mitologia envolvendo o Bates Motel nasceu, pelas mãos do romancista Robert Bloch. O romance foi lançado em um momento turbulento para a crônica policial americana, ainda assombrada pelos crimes do serial killer Ed Gein, poucos anos antes. Os crimes de Gein, inclusive, lembram muito os eventos do livro, embora Bloch alegasse que só tomou conhecimento dos detalhes do caso Gein quando já estava finalizando a sua obra.

Psicose conta a história de Norman Bates, um homem de meia idade que administra um isolado motel à beira da falência, na pequena cidade de Fairvale. Norman vive sob o julgo da mãe dominadora e tem a certeza que existe algo muito errado com ela. Quando Mary Crane, uma jovem em fuga que roubou quarenta mil dólares da empresa imobiliária onde trabalha, se hospeda no Bates Motel, tem início uma onda de morte e violência que revelara a verdade por trás do doentio relacionamento entre Norman e sua mãe.

Para todos aqueles que assistiram a clássica adaptação de Hitchcock (quem não viu, recomendo que veja urgentemente), o livro de Robert Bloch não deve trazer grandes surpresas em sua estrutura. O filme estrelado por Janet Leigh e Anthony Perkins segue o seu material-base bem de perto no que diz respeito à narrativa. É em seus personagens que as duas obras realmente se diferem. O Norman Bates descrito por Bloch é muito diferente da figura do jovem magricelo e tímido imortalizado por Anthony Perkins, e mais recentemente por Freddie Highmore. O autor descreve Norman como um homem alcoólatra, com mais de quarenta anos, obeso, e começando a ficar careca.

Mas não é apenas a aparência física do protagonista que chama a atenção. O livro investe bastante tempo em trabalhar a psique de Norman, desde a sua relação com a mãe até a forma como enxerga os outros personagens e a si mesmo. Bloch nos apresenta não duas, mas três personalidades para o serial killer. Além das duas já conhecidas, Norman e “A Mãe”, existe uma terceira que é o Norman menino, que age como uma criança. Tal personalidade não chega a ter grande papel na história e soa como uma ideia que Bloch se esqueceu de desenvolver.

Bates acaba sendo um protagonista não muito simpático. Claro, sentimos empatia por Norman ao conhecermos mais do seu martírio nas mãos da Mãe, sendo constantemente agredido psicologicamente, e seu dilema entre entregar a “Sra. Bates” à justiça, porque é o certo a se fazer; ou viver uma vida sem ela, o que simplesmente o aterroriza. Mas ao mesmo tempo, este Norman Bates destila pensamentos tão misóginos que fica difícil gostar muito dele, e isso vindo de sua personalidade “Norman”. Além disso, desde as primeiras páginas, Bates demonstra grande fascínio pela violência, e já no começo do livro, se deleita ao ler a descrição de um sangrento ritual pagão em um livro de História. Há algo patético, mas também muito inquietante sobre este homem mesmo antes de Mary Crane ser assassinada no chuveiro, o que tira boa parte do suspense.

Mary Crane (e não Marion Crane, como suas contrapartes do cinema e da TV), por sua vez, não tem tanto destaque quanto era de se esperar, com sua história antes de chegar ao Bates Motel sendo contada rapidamente em três ou quatro páginas. Mary se mostra aqui como uma mulher típica de seu tempo. Embora ela ame Sam Loomis, seu roubo desesperado se deve muito mais ao medo de “ficar pra titia”, do que propriamente um ato de paixão. É a instituição do casamento que lhe seduz, não propriamente o desejo de ficar ao lado de Sam. Enquanto Lila Crane continua a ser uma personagem feita apenas para mover a trama, Sam Loomis, o namorado de Mary, ganha algum desenvolvimento ao começar a questionar a sua relação com e ladra e desenvolver certa culpa ao perceber que se identifica muito mais com a irmã da namorada desaparecida.

Bloch domina suficientemente bem a sua prosa para criar sequências extremamente atmosféricas, como a chegada de Mary ao motel. O autor também destila pequenas doses de humor negro ao longo da narrativa que são muito bem-vindas. As passagens de violência devem ter sido bem chocantes para a época. A famosa cena do chuveiro mostra-se, inclusive, bem mais brutal do que aquela que se tornou famosa pela lente de Hitchcock. Embora seu valor de choque tenha se tornado datado.

Como trama de mistério, Psicose já não é tão competente. É um pouco injusto com o livro exigir surpresas, já que mesmo quem não viu o filme conhece o segredo de Norman Bates de alguma forma. É como pedir pra ser surpreendido ao ler O Médico e o Monstro. Mas Bloch parece sinalizar a reviravolta final o tempo todo, o que me incomodou um pouco durante a leitura. Psicose não é um livro ruim, mas também parece não chegar até onde poderia. Entretanto, é uma leitura rápida, longe de ser cansativa, e é um passeio divertido pela mente de um dos maníacos mais famosos da cultura pop.

Psicose (Psycho) – Estados Unidos, 1959
Autor: Robert Bloch
Editora: Bestsellers (edição de 1961)
No Brasil (relançado por):
Darkside Books, 2013
Tradução:
Anabela Paiva
98 Páginas

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