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Crítica | Rastros de Ódio

por Ritter Fan
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Rastros de Ódio é um daqueles filmes que deixa o espectador de queixo caído do começo ao fim por, dentre outros aspectos mais técnicos, sua beleza fotográfica. Não tem como não apreciar esse filme. Trata-se de uma saga de cowboys, com visuais lindíssimos, quase inacreditáveis, filmados em locação em Monument Valley, no Arizona e Utah, local que a mitologia do Western no cinema sedimentou no imaginário popular como a paisagem típica do gênero.

John Ford soube explorar esse aspecto em sua plenitude, trabalhando com a Technicolor e a tecnologia VistaVision para capturar o máximo possível do ambiente em planos gerais que servem para demonstrar a imponência da natureza sobre o Homem e a impossibilidade de domá-la. É perfeitamente possível dizer que, dentro de seu gênero, Rastros de Ódio é o filme mais belo, um que poderia ser apreciado apenas por seu visual, esquecendo-se completamente da história.

Não que a história seja desinteressante, longe disso, mas o roteiro do então já veterano Frank S. Nugent, se propõe a colocar o Homem em sua posição de insignificância diante do seu ambiente. Além disso, a temática da solidão, que cerca o personagem Ethan Edwards, encarnado à perfeição por John Wayne, ajuda nesse objetivo e cria uma espécie de “desespero do silêncio” mesmo nas sequências em que ele interage com seus pares.

Apesar de não ser explicitamente baseada em fatos reais, o roteiro de Nugent, extraído da obra homônima de Alan Le May, parece ter sofrido influência de um famoso caso real, ocorrido em 1836, em que uma menina de nove anos foi sequestrada pelos índios da tripo Comanche, tendo vivido entre eles por 24 anos, casando-se e tendo filhos com o Chefe Quanah Park até ser resgatada por um Texas Ranger contra sua vontade. Esse caso é particularmente interessante por ter sido substancialmente repetido no filme, incluindo a sequência de ataque à tribo Comanche, apesar de ser apenas um entre dezenas de casos semelhantes ocorrido por volta da mesma época.

Com isso, a história já fica evidente: Debbie (vivida quando criança por Lana Wood e, mais tarde, pela belíssima Natalie Wood) é sequestrada da fazenda de seus pais logo depois do retorno de seu tio Ethan Edwards, que volta da Guerra Civil e a Guerra Revolucionária Mexicana. A partir daí, o filme é uma longa busca de anos pela menina, empreendida por Ethan, que jamais desiste de seu objetivo de encontrá-la. No entanto, essa linha aparentemente reta inclui a morte de sua família e o sequestro, na verdade, de suas duas sobrinhas, apenas para ele encontrar o corpo de uma delas em um acampamento indígena. Existe uma tensão familiar entre a rudeza de Ethan e a delicadeza de Martha (Dorothy Jordan), esposa de seu irmão, que dá a entender uma paixão entre eles que nunca é levada a cabo.

Além disso, o que começa com uma caçada, torna-se algo mais, muito mais sinistro. Na medida em que os anos se passam, Ethan já não tem mais dúvidas que a menina foi assimilada pela cultura indígena e seu objetivo passa a ser, na verdade, o assassinato da jovem, pois ele não suporta a ideia de ter uma menina branca de sua família em meio aos terríveis índios, mais especificamente com a tribo do chefe Scar, vivido por Henry Brandon, ator branco vivendo um nativo. Assim, o herói de duas guerras ganha contornos bem mais densos e John Wayne carrega essa densidade em sua interpretação, talvez a melhor de sua carreira. Aliás, a presença constante – mas silenciosa – de Martin (Jeffrey Hunter) seu sobrinho que o acompanha na busca de anos, funciona justamente para contrastar personalidades e para colocar o preconceito de Ethan em xeque. É que Martin é 1/8 de descendência indígena e ele é jovial, com personalidade alegre que vai endurecendo ao longo do tempo, mas nunca ao ponto de se igualar a Ethan.

E é exatamente por essa consciência do roteiro sobre a personalidade de Ethan que essa obra de Ford não pode ser chamada, de forma alguma, de preconceituosa. Ela apenas retrata uma época, um tipo de raciocínio explicado (não justificado, claro) pelos anos de conflitos entre os brancos invasores e os peles-vermelhas. E esse aspecto funciona dos dois lados, pois os nativos em Rastros de Ódio não são pintados apenas como seres de alma pura que vivem em harmonia com a massacrante – mas bela, belíssima – natureza ao redor. Vemos nativos maus assim como vemos nativos bons, em uma tentativa eficiente de se criar equilíbrio no roteiro. Até mesmo o final, que não perdoa Ethan e nos faz sofrer por ele, por mais durão e desagradável que seja, tem esse objetivo de crítica.

Se esse grande filme tem um defeito, este é a inclusão de uma narrativa paralela sobre o romance de Martin com Laurie (Vera Miles, que faria Psicose). Há um romance, cartas trocadas durante os anos em que Martin fica longe, um quase casamento e por aí vai. É uma espécie de alívio cômico para uma fita pesada, mas que definitivamente não funciona e, em determinados momentos, arrasta-a bastante.

Não obstante seu pequeno desvio, a atuação de John Wayne, a direção de John Ford e a embasbacante fotografia de Winton C. Hoch, além da narrativa principal, tornam esse filme essencial na videoteca de clássicos de qualquer cinéfilo que se preze.

Rastros de Ódio (The Searchers, EUA – 1956)
Direção: John Ford
Roteiro: Frank S. Nugent (baseado em romance de Alan Le May)
Elenco: John Wayne, Jeffrey Hunter, Vera Miles, Ward Bond, Natalie Wood, John Qualen, Olive Carey, Henry Brandon, Ken Curtis, Harry Carey Jr., Antonio Moreno, Hank Worden, Beulah Archuletta, Walter Coy, Dorothy Jordan, Pippa Scott
Duração: 119 min.

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