Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Rebecca, A Mulher Inesquecível

Crítica | Rebecca, A Mulher Inesquecível

por Luiz Santiago
3,9K views

François Truffaut: Está satisfeito com Rebecca?

Alfred Hitchcock: Não é um filme de Hitchcock. É uma espécie de conto e a própria história data do fim do século XIX. Era uma história bem velhinha, bem fora de moda. Naquela época havia muitas escritoras: não tenho nada contra, mas Rebecca é uma história sem nenhum humor.

.

Alfred Hitchcock mudou-se para os Estados Unidos no final de 1939, a convite do badalado produtor David O. Selznick, que tinha acabado de lançar …E O Vento Levou. A princípio, o diretor britânico estrearia em Hollywood com uma adaptação de Titanic, mas Selznick mudou de ideia sobre o projeto e, aproveitando a simpatia de Hitchcock para com a obra de Daphne Du Maurier (de quem já adaptara para o cinema A Estalagem Maldita e futuramente viria adaptar Os Pássaros), comprou os diretos do romance Rebecca e se propôs a produzir o filme, com Hitchcock na direção.

Apesar de Rebecca marcar a estreia do Mestre do Suspense nos Estados Unidos, trata-se na verdade de um filme tipicamente britânico, com a maior parte do elenco principal composto por britânicos. Assim, Hitchcock se sentiu em casa no quesito “equipe de trabalho” e, mesmo que tivesse Selznick dando ordens e interferindo nas filmagens com frequência, a produção não foi difícil, apenas não foi prazerosa para o diretor, que além do produtor rigoroso, tinha que lidar com um romance de época num momento de sua carreira em que o suspense já se alvorava no topo de suas ambições de filmagem.

A história é dividida em duas partes dramáticas. Na primeira, temos Maxim de Winter (Laurence Olivier) e a futura segunda Sra. de Winter (Joan Fontaine), personagem que nunca é chamada pelo nome… um mistério que o diretor segura até o fim da obra, sem nos revelar. Essa primeira observação é interessante porque mostra muita coisa da personalidade dependente e subserviente dessa jovem senhora que se casa com um homem cuja esposa falecida é adorada e lembrada por todos à sua volta.

Já a segunda parte do filme acompanha o longo caminho percorrido pela personagem de Joan Fontaine para se adaptar à casa e conquistar o seu lugar num mundo que parece só haver espaço para Rebecca, a mulher inesquecível.

A despeito da indiferença de Hitchcock para com o filme, trata-se de uma obra verdadeiramente notável, um início esplêndido do cineasta em Hollywood. O suspense não é o verdadeiro gênero da película, mas o drama psicológico que se desenrola na tela tem uma forte presença de elementos caros ao diretor, algo que foi ressaltado a contento no roteiro e também na concepção estética, partindo da música marcante de Franz Waxman e da excelente direção de arte de Lyle R. Wheeler, que tinha acabado de receber um Oscar por seu trabalho em …E O Vento Levou.

Hitchcock guia a história por um caminho que não só engana e prende o espectador como também o faz perceber a mudança visual de um ponto a outro da fita. Enquanto o casal protagonista está em Monte Carlo, percebemos um maior número de cenas em externas, fotografia mais clara e ambientes menores e bastante preenchidos, deixando claro uma aparência de verão feliz e amor nascente. Todavia, quando a jovem Sra. de Winter chega à nova casa, vemos aumentar drasticamente o número de cenas em internas, presença de cenas noturnas, prenúncio de tempestade, névoa e cômodos sempre muito grandes, deixando a personagem de Joan Fontaine pequena e perdida em meio a tanta pompa e na overdose de objetos e hábitos da falecida Rebecca. E quando a verdade vem à tona, de uma maneira orgânica e num acertado ritmo dramático, o espectador fica sem chão.

Durante o filme, tem-se a oportunidade de presenciar todo tipo de comportamento, desde ameaças e medo até demonstrações de amor, uma avalanche de sentimentos que desembocam no final com a medonha Sra. Danvers defendendo o santuário de sua amada e antiga patroa e a teia que a todos prendia se desfazendo, mesmo que o ambiente que lhe sustentara ainda pairasse na cena final.

Rebecca, a Mulher Inesquecível é um grande filme de Alfred Hitchcock, um drama de característica misteriosa com direito a dominação psicológica, tormentos e acusações a uma jovem frágil e sem grande poder de ação para mudar um mundo que parece querer afastá-la a todo custo. Poucos diretores conseguiram trabalhar tão bem pela primeira vez fora de casa, realizando um filme que não tinha lá muito appeal e um produtor ao estilo da personagem da Sra. Danvers. Isso só mostra o quão afiado Hitchcock estava a essa altura de sua carreira, depois de passar anos treinando e aprendendo em sua terra natal. Agora, com maior orçamento, mais experiência e melhor equipe de produção, ele estava pronto para mostrar que sabia fazer grandes filmes e Rebecca é o primeiro passo desse notável momento.

  • Crítica originalmente publicada em 18 de março de 2014. Revisada para republicação em 25/01/20, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca) – EUA, 1940
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Robert E. Sherwood, Joan Harrison, Philip MacDonald, Michael Hogan (baseado na obra de Daphne Du Maurier).
Elenco: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders, Judith Anderson, Nigel Bruce, Reginald Denny, C. Aubrey Smith, Gladys Cooper, Florence Bates, Melville Cooper.
Duração: 130 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais