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Crítica | Rede de Intrigas (1976)

por Leonardo Campos
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Os anos 1970 foram demarcados por severas críticas sociais aos acontecimentos que ressoaram após a conturbada década anterior. Com a Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate, a estagnação econômica e a crise do petróleo, os americanos se viram diante de tantos conflitos políticos e sociológicos que a indústria cinematográfica se tornou um dos caminhos para a panfletagem dos dilemas que acometiam os cidadãos em suas vivências cotidianas.

Rede de Intrigas é um filme fruto desta época. Dirigido por Sidney Lumet, com roteiro assinado por Paddy Chayefsky, a produção critica os bastidores de programas televisivos e seu foco central: o lucro. O problema disto tudo é como estes dividendos são obtidos, afinal, quem paga o preço no final das contas é o telespectador alienado, ente que sequer se dá conta disso enquanto é “controlado” por um sistema cheio de imbricações bastante amplas e complexas.

Os conflitos narrativos se iniciam quando o âncora de TV Howard Beale (Peter Finch) é demitido do seu cargo por conta da baixa audiência do seu programa. A informação é transmitida por seu amigo Max Schumacher (Willian Holden). Ao buscar minimizar a agonia da situação, durante um drinque de final de expediente, Schumacher comete um equívoco. Dá uma ideia ácida ao amigo: “diga que vai cometer suicídio ao vivo”.

Beale havia perdido recentemente a esposa, que o deixou sem filhos. Amargo, decidiu brincar com a sua situação e leva à sério o conselho do amigo. Ao entrar no ar para se despedir, informa que vai cometer suicídio e o que parecia o fim de um ciclo apresenta-se como renascimento. Após o anúncio, os índices de audiência aumentam exponencialmente.

O que se revela, logo de cara, é algo digno de riso, haja vista o roteiro empregado por Beale durante as suas apresentações na televisão, mas que ao passo que se desenvolve, a situação começa a se mostrar fora de controle. E para ficar pior: parece um reflexo dos nossos tempos. Basta ligarmos a televisão hoje, em 2016, quarenta anos depois do lançamento, para observarmos que nada mudou, ao contrário, as coisas estão cada vez piores.

Depois do anúncio inusitado todos acreditavam que a carreira de Beale havia acabado, mas como descrito anteriormente, ele renasce com toda força. Devido ao aumento da audiência ele é readmitido, volta a crescer, tendo um programa com o seu nome e passa a ser conhecido como O Profeta Louco. “Estou louco como o diabo, e não aguento mais isso”. O bordão do apresentador que diz “verdades” na televisão torna-se um sucesso e começa a ser entoado em vários lares da “América”.

Neste momento o “The Howard Beale Show” torna-se a salvação da emissora. Como todo desenvolvimento dramatúrgico, as coisas perdem o controle, o comportamento de insano de Beale sai dos trilhos e os responsáveis por sua posição no ambiente de trabalho arranjarão uma forma de detê-lo, nem que seja da pior e menos ética maneira possível.

Considerado como exagerado na época, o filme hoje não está longe da realidade. A obra reflete duas questões importantes para se pensar as ressonâncias do século XX e os dias atuais. A imprensa marrom e o desenvolvimento nocivo e cada vez mais rizomático do que se convencionou chamar de “capitalismo tardio”, termo oriundo da tese “Capitalismo tardio: uma tentativa de explicação marxista”, defendida por Ernest Mandel em 1972, tendo em mira a obtenção do título de PhD pela Universidade Livre de Berlim.

Expressão de cunho pejorativo, a ideia de imprensa marrom é utilizada para classificar veículos sensacionalistas que buscam elevados níveis de audiência e vendagem através da miséria alheia, através de fatos e acontecimentos, tais como escândalos, assassinatos e demais crimes, alguns deles, sem compromisso com a autenticidade. A expressão brasileira possui o seu equivalente em língua inglesa, yellow press, utilizada para falar sobre este tipo de transgressão. Em Rede de Intrigas, o termo transborda, pois nos mostra, inclusive, como nós consumimos e aceitamos com certa tranquilidade todo o sensacionalismo que nos é atirado.

Esboçado inicialmente em 1902, mas reforçado pelo neomarxista belga Ernest Mandel, o conceito de “capitalismo tardio” cabe como uma luva nas reflexões do roteiro de Paddy Chayefsky. Tratado por Derrida como “neocapitalismo”, repensado por Frederic Jameson como “capitalismo recente”, o termo nos remete aos avanços do capitalismo, numa nova fase de importância direcionado ao acúmulo de capital, onde as limitações físicas do mercado e o esgotamento de recursos naturais levam os demais setores da sociedade a se tornarem mercadoria. A educação, a mídia e a cultura são alguns destes, colocados na linha de montagem. Em suma, é basicamente a expansão insustentável do crédito ao consumo, bem como a exploração não sustentável de matérias-primas, o que nos faz refletir sobre o colapso atual do planeta.

Muito além de uma análise moralista dos meios de comunicação, o filme nos mostra que o sensacionalismo que rende é o resultado da industrialização da cultura. É um processo que nos ajuda a compreender como e por que os conteúdos televisivos estão mantidos dentro de um sistema mercadológicos, algo que hoje talvez não seja novidade, mas que poucas pessoas tem acesso, sequer noção da complexidade que as circunda a cada minuto de audiência fornecida a programas do quilate de Datena e do Jornal Nacional, respectivamente, pois enquanto um naturaliza a violência, reforçando-a, o outro destrincha a interpreta ao vivo grampos ilegais de autoridades políticas, em detrimento de um golpe que mexe, além de tudo, em estruturas econômicas e sociológicas.

Além do conteúdo temático é preciso analisar Rede de Intrigas no que tange aos aspectos técnicos, afinal, os temas são muito bem conduzidos, entretanto, é preciso saber os seus mecanismos. A direção de arte reflete muito bem os espaços, ora da redação, ora dos lares de seus personagens. O destaque fica para a personagem de Faye Dunaway, com figurinos similares aos aspectos cenográfico, numa espécie de metáfora para a sua condição intrínseca em relação ao ambiente de trabalho.

A montagem assinada por Alan Heim também demonstra um exercício cinematográfico de competência, principalmente por flertar com a linguagem televisiva, tendo a metalinguagem à serviço do filme, além da narração estilo documental, proposital para manter o ritmo, assim como o trabalho sonoro de Elliot Lawrence. A excepcional direção de Sidney Lumet dispensa observação, tamanha a sua qualidade, mas o profissional que merece mais destaques é o roteirista.

Há vários pontos para se tratar do roteiro. Inicialmente, o argumento é formidável. Logo mais, os personagens são bem delineados e críveis. Ainda sobre o texto, não podemos deixar de lado os diálogos maduros, sustentáculos de toda a narrativa. Como apontado, o texto base do filme é excelente e promove a ascensão de ótimos personagens, dentre eles, Frank Hackett (Robert Duvall) e a ambiciosa Diana Christensen (Faye Dunaway), em particular, a última, inicialmente acessória, mas detentora do protagonismo ao passo que o filme avança.

Christensen é uma versão anos 1970 de todas as personagens femininas que ocupam um cargo importante dentro do sistema capitalista. Ela fala constantemente de trabalho, vive para isso, a ponto de atingir o orgasmo tendo como ato concomitante ao sexo, os comentários sobre o seu sucesso diante das estratégias de manutenção da audiência. É demasiadamente irônico, causa estranhamento, mas revela-se fundamental para que possamos compreendê-la dentro da dinâmica fílmica, principalmente após as suas sugestões para deter o messiânico Beale e seu programa televisivo.

E para fechar este trecho analítico, cabe ressaltar que as subtramas do filme não atrapalham o eixo central, ao contrário, são forças que gravitam em torno do conflito principal, dando-lhe energia suficiente para a manutenção do interesse do público até o seu desfecho narrativo trágico e apoteótico. Estas subtramas deixam o roteiro mais forte graças aos seus diálogos. A crise no casamento de Max Schumacher e o “caso” com a fria e calculista personagem de Faye Dunaway são alguns pontos que nos servem como referência para estas afirmações.

Rede de Intrigas estreou na mesma época que Todos os Homens do Presidente, filme que também apresentava conflitos no bojo do Jornalismo. Apesar de comemorar 40 anos de lançamento em 2016, ainda é considerado extremamente atual dentro de suas considerações críticas. Ao longo dos seus 121 minutos, a trama que retrata com acidez as relações no meio televisivo demostra que não há obstáculos que impeçam valores éticos de serem ultrajados.

Vencedor do Oscar de Melhor Ator (Peter Finch) e Melhor Atriz (Faye Dunaway), Rede de Intrigas ganhou projeção em diversas premiações, foi ovacionado pela crítica e pelos cinéfilos e hoje é um merecido objeto de culto. Convenhamos, merecidamente, pois são raros os filmes que conseguem a manutenção de um status atual dentro de uma indústria que preza pelo prazo de validade das coisas.

Aos cineastas, produtores, roteiristas e demais profissionais da área, fica a dica: para os tempos atuais, caberia uma refilmagem, obviamente, assumida por alguém de respeito, competente e ciente do potente material em mãos. O foco, desta vez, seria a internet, espaço que ocupa o lugar da TV de outrora.

Rede de Intrigas (Network) – EUA, 1976
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Paddy Chayefsky
Elenco: Peter Finch, William Holden, Faye Dunaway, Wesley Addy, Robert Duvall, Arthur Burghardt, Ned Beatty, Bill Burrows, John Carpenter, Jordan Charney.
Duração: 121 min.

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