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Crítica | RoboCop versus Exterminador do Futuro

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Crossovers em quadrinhos costumam ser curiosos por colocar personagens amados de universos diferentes sob um mesmo teto, como Conan com Groo ou, no mundo televisivo, o Capitão Jean-Luc Picard junto com o Doutor. Os resultados, porém, costumam ser oscilantes, raramente chegando à excelência e muito em razão da dificuldade de se encontrar um fio narrativo que torne natural e orgânica a junção pretendida.

Mas não é isso que acontece em RoboCop versus Exterminador do Futuro. Nem de longe, aliás!

Escrito por Frank Miller e desenhado por Walt Simonson, o crossover das duas mais importantes franquias de ficção científica “para adultos” dos anos 80 é, do começo ao fim, impecável e um exemplo de como reunir universos aparentemente díspares. O roteiro de Miller dá uma solução que parece óbvia para o dilema de como reunir esses universos sem que o leitor tenha que dar muitos saltos de imaginação: conforme aprendemos logo nas duas primeiras páginas, a fusão da mente de Alex Murphy com o software do RoboCop da OPC é que um dia levaria a Skynet a ter consciência, a tornar-se a inteligência artificial genocida do futuro. Com essa premissa simples, Frank Miller desenvolve uma narrativa em apenas quatro números que é repleta de referências às duas franquias, demonstrando seu respeito pela mitologia já estabelecida.

mosaico robocop terminator 2

As capas nacionais da Editora Abril são quase idênticas às originais americanas.

Apesar de a história ter sido lançada em 1992, depois do sensacional O Exterminador do Futuro 2 e do terrível RoboCop 2, Miller escreve sua obra tendo como referências primordiais os originais de cada franquia, O Exterminador do Futuro e RoboCop, o que funciona muito bem já que sua premissa parte de aspectos básicos de cada um dos filmes: a fusão de Murphy a um corpo robótico e a viagem no tempo como instrumento de mudança do futuro apocalíptico. O único personagem cuja falta pode ser sentida por fãs mais puristas é a da oficial Anne Lewis, parceira de Murphy logo depois que ele se transforma no androide policial. De toda forma, sua falta não é sentida e a fluidez da narrativa não depende de detalhes como esse. Ao contrário até, como Miller mantém o tom satírico do filme de Paul Verhoeven, literalmente armando toda a população de Detroit e brincando com a ineficiência dos robôs ED-209, é perfeitamente possível até mesmo esquecer de Lewis.

A ação é ininterrupta, com Miller iniciando a história no futuro. As máquinas estão próximas de aniquilar completamente a raça humana e a última esperança sobre a Terra, uma guerreira inicialmente sem nome, mas que depois revela ser Flo, luta ferrenhamente contra os exterminadores para ativar a máquina do tempo com o objetivo de assassinar Alex Murphy antes de ele se tornar RoboCop. Mas é claro que ela chega em Detroit depois da “morte” de Murphy e da criação do policial robótico, o que dificulta sua vida. Mesmo assim, Miller não perde tempo com enrolações e sacode o status quo em questão de três ou quatro páginas, já com a destruição de RoboCop pela eficiente guerreira. No entanto, na medida em que a matriz temporal vai se ajustando ao novo evento no passado – e essa forma de representar as mudanças no futuro, que não são imediatas, mas sim cadenciadas, semelhante ao que vemos em De Volta para o Futuro, é uma excelente jogada de Miller – a Skynet providencia o envio de três exterminadores para o passado e, então, os eventos são “revisitados” e alterados novamente.

E, ao longo dos breves quatro números da minissérie, esse artifício narrativo é usado outras vezes, o que, em mãos menos hábeis, poderia gerar uma certa fadiga nos leitores. Mas o passo da narrativa de Miller é frenético, sem deixar espaço para descanso e ao mesmo tempo expandindo a história sem a necessidade de textos expositivos. Para o leitor ter uma ideia, a luta abordada nessas HQs perdura por décadas e somente é resolvida no futuro, com mais uma volta ao passado (parece confuso, mas não é!), com a criação de um sem-número de paradoxos temporais de fundir a cabeça de qualquer um, mas sem atrapalhar o prazer da leitura.

mosaico robocop terminator 1

Walt Simonson é rei quando falamos de imponência em personagens de quadrinhos!

E o prazer da leitura é ampliado ainda mais pela bela arte de Walt Simonson. Com uma carreira de décadas como desenhista e também roteirista, o artista já trabalhou em dezenas de títulos Marvel e DC, dentre eles um famoso crossover entre os X-Men e os Novos Titãs, com Chris Claremont no roteiro, em 1982. Um de seus trabalhos mais conhecidos foi na publicação mensal de Thor, também na década de 80, quando criou Bill Raio Beta, o adorado alienígena equino que é um dos dignos a levantar o martelo do Deus do Trovão. Simonson tem traços que realmente combinam com deuses nórdicos ou crossovers épicos entre editoras como o mencionado. Ele sabe como ninguém desenhar personagens imponentes e nobres e seu domínio sobre enquadramentos e sequências de ação é um muito bem vindo bônus, que impede que suas histórias fiquem congeladas em poses de efeito.

Em RoboCop verus Exterminador do Futuro, o trabalho de Simonson não é diferente de seu usual. RoboCop é recriado com toda a pompa e circunstância e, mesmo em uma versão futurista que aparece mais para a frente, o artista não perde a mão com (muitos) exageros típicos da década de 90. O mesmo vale para os exterminadores que são, todos eles, modelos T-800 de variados tamanhos. A natureza ameaçadora das criaturas é mantida, mas Simonson acrescenta uma agilidade que é pouco correlacionada com elas e que é bem vinda aqui nas sequências de ação. E ainda vemos algumas criações exclusivas deles, como cães-exterminadores que se transformam em robôs-insectoides e Hunter Killers diferenciados. Confesso que essas invenções não são os melhores momentos visuais do trabalho dele, mas, em linhas gerais, tudo funciona muito bem, particularmente as splash pages em que vemos os personagens em toda sua glória “simonsoniana”.  Também como costuma fazer, Simonson esbanja nas cores, mesmo considerando a natureza metálica do protagonista e dos antagonistas. A escolha de uma paleta de cores forte, quase primária, empresta força e robustez especialmente a RoboCop e às sequências de combate em larga escala no futuro, mantendo um pouco do tom cartunesco, mas sem que a narrativa perca a seriedade.

Vale especial atenção o esforço do artista em manter as características físicas do ator Peter Weller quando vemos o rosto e o corpo de Alex Murphy. Normalmente, quando artistas tentam reproduzir a imagem do modelo real nos quadrinhos, o resultado ou é fotorrealista ou longe demais para ser crível. Simonson encontra equilíbrio ao desenhar Weller com um rosto angular, forte, que representa bem sua fisicalidade, sem se prender a detalhes demais.

RoboCop versus Exterminador do Futuro é um exemplo de como crossovers devem ser feitos e merece local de destaque na estante de fãs de quadrinhos e/ou das franquias cinematográficas.

RoboCop versus Exterminador do Futuro (Robocop versus The Terminator, EUA – 1992)
Contendo: RoboCop versus The Terminator #1 a 4/Robocop versus Exterminador do Futuro #1 a 4
Roteiro: Frank Miller
Arte: Walter ‘Walt’ Simonson
Cores: Steve Oliff
Letras: John Workman
Tradução: Jotapê Martins
Editora (nos EUA): Dark Horse Comics
Data original de publicação: setembro a dezembro de 1992
Editora (no Brasil): Editora Abril
Data de publicação no Brasil: junho a julho de 1999
Páginas: 144 (versão americana encadernada, com 10 páginas extras de arte)

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