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Crítica | Runaways – 1X09: Doomsday

por Giba Hoffmann
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– Há spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios de Runaways, aqui.

Embora tenha evocado sua cota de críticas desfavoráveis, Runaways teve, sob o meu ponto de vista, um início bastante satisfatório. Aceitando não apenas o desafio de introduzir uma gama enorme de personagens simultaneamente, mas também de ser um misto de drama adolescente e série televisiva da Marvel. Mesmo com todas as suas reconhecidas falhas, tivemos um início de temporada que mostrava potencial dramático e narrativo, apoiando-se em interpretações competentes, diálogos bem escritos e em uma direção adequada à proposta. Ao longo de seu desenvolvimento, no entanto, algo parece ter saído dos eixos na produção de Stephanie Savage e Josh Schwartz – seus pontos fracos agudizando-se na medida em que as qualidades da série se perdiam em um fluxo de subtramas sem princípio organizador.

O maior desses problemas, que foi se tornando mais óbvio a cada semana, foi de pacing. Adaptando as páginas de um quadrinho que tem como uma de suas principais qualidades o ritmo aventuroso e frenético, a opção por descomprimir ao máximo os elementos básicos da história em torno de uma temporada inteira de setting up não deixou de surpreender, mas já é velha conhecida das adaptações televisivas de quadrinhos (como podem atestar Preacher e The Walking Dead, por exemplo). O problema aqui foi o quanto essa distorção foi crescendo, conforme os diferentes episódios tentavam manter dinâmico o exercício de malabarismo entre flashbacks, conflitos conjugais e parentais multifacetados, drama interpessoal adolescente e uma trama de ficção científica envolvendo uma escavação há mais de 15 anos em preparação por uma seita cujos motivos e propósitos permanecem desconhecidos.

No meio disso tudo, os “Fugitivos” acabaram apagados, relegados a um protagonismo apenas formal – os jovens não apenas não fugiram, como suas tímidas e arrastadas investigações acabaram de volta à estaca zero sem grandes repercussões em termos de enredo. Na falta de um fio condutor que unificasse o mosaico de dramas relacionais em torno de uma trama comum, o que ficou claro já pelo encaminhamento oferecido em Tsunami é que todo e qualquer payoff dependeria de um desfecho que cumprisse minimamente esse papel, de preferência garantindo aos Fugitivos sua oportunidade de brilhar. Doomsday tenta ser o início desse necessário desfecho, mas deixa claro algo que, visto de agora, parece inevitável. O encontro entre todas as subtramas e o desenrolar das várias trajetórias de personagem não tinha como acontecer de forma orgânica após a verdadeira bagunça que se tornou a trama desta temporada e acaba se realizando de forma bastante forçada aqui – chegando ao ponto do anticlimático.

Se é verdade que anteriormente eu destaquei positivamente a centralidade oferecida aos membros do Orgulho, a sequência das últimas três semanas mostrou que a opção acabou por tirar tempo de tela dos Fugitivos em favor de uma trama que parece encaminhar para o proverbial “nadou, nadou e morreu na praia”. As revelações de que Jonah (Julian McMahon) não apenas monopoliza os conhecimentos acerca do que realmente se passa com as atividades da seita, mas que mantém o seu poder sobre seus membros através de ameaças e chantagem acabaram por desperdiçar em certa medida as nuances dos personagens em favor de um roteiro mais linear e um vilão tendendo ao unidimensional. O vai-e-vem dos conflitos internos do Orgulho vai perdendo a força na medida em que fica claro que todo poder e conhecimento da seita encontram-se unificados nas mãos de Jonah. Como exemplo, temos a revelação de que a responsável pela morte dos Hernandez fora Leslie (Anne Wersching) e não Tina (Brittany Ishibashi), como tudo levava a crer. Esse ponto do roteiro, no contexto atual, soa função para ser mais um dentre tantos twists, uma revelação gratuita que busca chocar sabe-se lá porque (e, novamente, essa série me faz lembrar de Heroes), dificilmente adicionando algo sobre as personagens envolvidas. O que parecia uma trama intrincada de relações interpessoais conturbadas entre vilões doentios acaba se revelando uma série de voltas em círculo de personagens cujo propósito parece disperso dentre várias possibilidades inexploradas de desenvolvimento.

Algo semelhante acontece no campo de nossos jovens protagonistas, porém, aqui o estrago é ainda maior. A subtrama envolvendo a traição de Chase (Gregg Sulkin), que acabou destruindo o notebook de Alex (Rhenzy Feliz) com todo o progresso do trabalho dos Fugitivos ao longo da temporada, é simplesmente dispensada aqui como se nada tivesse ocorrido. O fato de nossos heróis encontrarem-se, às vésperas do confronto final, lançados de volta à estaca zero em si não é problema algum – obviamente, é um movimento de roteiro mais do que batido. O problema é que o enredo não faz uso algum desse desenvolvimento: após uma rápida troca de palavras, tudo segue como se qualquer outro desfecho tivesse se dado. Esse é o grande vício de Runaways: montar conflitos interessantes, para depois lançar tudo por terra em favor de uma dinâmica incoerente de personagens.

Como resultado, vemos que a dinâmica do grupo de jovens, após 9 episódios focados justamente nas relações interpessoais, permanece uma massa amorfa a serviço do que pede a cena em questão. Isso é algo que aparecia pelas entrelinhas, mas que se escancara aqui quando a série, ironicamente, deixa um pouco de lado as maquinações internas do Orgulho e tenta sustentar um episódio em torno de seus próprios protagonistas. Após acompanhar a rápida e desajeitada trama de reunião do grupo em torno do objetivo comum de impedir a escavação, é difícil não ficar com a impressão de que qualquer vínculo afetivo mais profundo entre eles permanece remetendo a eventos off-screen, a maioria deles situados no passado, anteriormente aos acontecimentos da série. Isso é um mau sinal, em especial para uma produção que, mais uma vez destaco, destinou quase todo o tempo a trabalhar justamente a caracterização e o drama relacional.

A produção aposta pesado no pentágono amoroso, como que confiando que as cenas românticas entre Chase e Gert (Ariela Barer) e entre Karolina (Virginia Gardner) e Nico (Lyrica Okano) fossem o suficiente para sustentar um começo de finale bastante monotônico. Ambos os casais possuem alguma química em tela. A cena com Chase e Gert, embora bem construída (com Gregg Sulkin entregando uma rara boa atuação), soa completamente fora de lugar no contexto atual do timeframe que o episódio se propõe a abordar, jogando por terra todo senso de urgência que a situação pedia. Pela primeira vez desde Kingdom, temos nossos jovens envolvidos em uma situação que exige ação rápida por parte deles, e Gert simplesmente deixa sua velociraptor escondida no carro e se entrega a uma cena arrastada de Gossip Girl? A mudança de Chase e seu repentino interesse por Gert também não convencem o suficiente, mais uma vez revelando um roteiro que decide pesar a mão sobre os personagens pela pura necessidade do enredo. Pelo menos o beijo entre Karolina e Nico é mais convincente dentro do contexto e tratado com mais sutileza (o que era a música que tocava na cena do outro casal?)…

Com o grupo encaminhando-se para impedir a escavação, as batidas do roteiro seguem com uma previsibilidade absurda – talvez a única exceção sendo a traição de Frank (Kip Pardue). É significativo que ele, assim como o outro ponta-solta Darius (DeVaughn Nixon), sejam personagens que despertem mais curiosidade do que os próprios principais, já que seu posicionamento na trama faz deles variáveis imprevisíveis em um cenário que tende a andar em círculos. Prova disso é que encerramos este episódio da forma como poderíamos ter encerrado o episódio 2 da temporada, com mudanças mínimas no desenvolvimento dos arcos pessoais tanto dos adolescentes (principalmente deles) quanto de seus pais. O encontro entre os Fugitivos (que neste episódio se recusaram explicitamente a se chamarem assim – aparentemente não seria cool o suficiente para essa versão dos personagens) e o Orgulho se dá com ares indesejadamente anticlimáticos. O mau uso das habilidades especiais deles chama um pouco a atenção, mas é mais um efeito colateral a essas alturas do campeonato. Ao se posicionarem como uma família contra seus progenitores, fica a sensação de que nada do que é dito ali é efetivamente ganho – não há ressonância emocional com o espectador que, após acompanhar uma série de subtramas interessantes ao longo da temporada, vê todas elas se achatarem em um desfecho bastante linear.

Em mais um passo em falso da série, Doomsday está longe de fazer jus à grandiosidade de seu título, a ameaça vaga de destruição em massa revelada pela fita dos Hernandez entrando como mais uma informação a se agregar ao confuso projeto comum dos Fugitivos em enfrentarem seus pais – ou não, quem sabe? Nesse momento crucial de desfecho, as personalidades individuais de nossos heróis se dissipam em uma tentativa pouco inspirada do grupo em impedir a ameaça da escavação. Ao mesmo tempo, algo semelhante acontece no Orgulho, que se vê levado a deixar de lado toda intriga interna e reage como um todo impessoal à ameaça, de forma que temos ao final, no canteiro de obras, um encontro genérico entre um grupo de mocinhos e um grupo de bandidos – o qual, se era pra acontecer dessa forma descarada e simplista, teria maior impacto se acontecesse no calor da descoberta inicial da verdade pelos adolescentes, lá no inicio da temporada. Provavelmente, algumas surpresas ainda nos aguardam no episódio final, mas terão dificuldade em superar os problemas da produção em encaminhar de forma interessante as possibilidades tão promissoras que surgiram ao longo dessa desconjuntada temporada inicial.

Runaways – 1X09: Doomsday – EUA, 2 de janeiro de 2018
Criação: 
Josh Schwartz, Stephanie Savage
Showrunner: Josh Schwartz, Stephanie Savage
Direção: Jeremy Webb
Roteiro: Michael Vukadinovich
Elenco: Rhenzy Feliz, Lyrica Okano, Ariela Barer, Virginia Gardner,  Gregg Sulkin, Allegra Acosta, Angel Parker, Ryan Sands, Annie Wersching, Kip Pardue, Ever Carradine, James Marsters, Brigid Brannagh, Kevin Weisman, Brittany Ishibashi, James Yaegashi, Julian McMahon, Marlene Forte, Amanda Suk, DeVaughn Nixon
Duração: 45 min

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