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Crítica | Sabotagem (O Marido Era o Culpado)

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Sabotagem, filme de Alfred Hitchcock que foi lançado originalmente no Brasil com o título estúpido e mega spoiler de O Marido Era o Culpado, tem uma fama em geral tão boa, que o espectador se aventura em sua sessão achando que vai estar diante de uma película grandiosa do Mestre do Suspense. Mas não é exatamente isso que acontece.

Chamado de “cambaleante” pelo próprio diretor nas entrevistas que deu a François Truffaut, Sabotagem apresenta uma história de suspense centrada na expectativa do público sobre o que vai acontecer ao sabotador (Sr. Verloc, interpretado por Oskar Homolka) e qual é a motivação de seu ato. Já nas primeiras cenas, descobrimos que o Sr. Verloc colocou areia em uma das máquinas da central de eletricidade em Londres, causando um blecaute. Essa abertura apresenta de forma competente o motivo dramático da obra, com direito a uma série de pequenas indicações humorísticas do diretor, como os “fósforos Lúcifer” do vendedor ambulante, as freiras que passam na rua, uma risada maléfica, e por fim, a chegada do Sr. Verloc em casa, indo lavar as mãos sujas de areia numa pia.

Partindo de um início cercado de referências metafóricas ao sabotador, caminhamos para uma apresentação mais detalhada de seu meio cotidiano. O Sr. Verloc é, na verdade, dono do Cinema Bijou, que administra juntamente com sua jovem esposa e é ajudado pelo pequeno cunhado, um garotinho que se tornará peça importante do filme, naquela que é a sua melhor parte.

O roteiro procura mostrar o engajamento canhestro do Sr. Verloc, mas a explicação para o seu envolvimento com o grupo de sabotadores (estrangeiros, é claro), não serve de muita coisa porque é vago demais. Mas a essa altura o público já comprou a história, que também mostra um outro lado, a visão dos fatos a partir da jovem Sra. Verloc e do detetive disfarçado da Scotland Yard. O flerte do detetive e o progressivo envolvimento entre ele e a Sra. Verloc constituem um desvio nocivo para o longa e é em torno disso que as coisas cambaleiam, um passo em falso que acaba tendo consequências em toda a película, já que a “relação” entre esses dois personagens é apresentada falha desde o início.

Hitchcock pode não ter conseguido o tal “grande filme” a que muitos críticos e espectadores intitulam Sabotagem, mas certamente conseguiu uma obra interessante e um bom resultado na esfera técnica. Já foi citado aqui o uso dramático e metafórico de elementos do espaço geográfico (a rua, a cidade) que o diretor explorou no início, algo que pode ser visto em todo o restante do filme e provar a nossa visão de apuro na composição de imagem feita pelo Mestre.

Tendo isso como base, podemos destacar facilmente a cena do zoológico, onde o Sr. Verloc tem uma alucinação através de um grande aquário, onde imagina ver uma parte da cidade de Londres, e, no momento seguinte, a cidade indo abaixo, como se estivesse derretendo ou caindo devido a uma grande explosão, o que era o caso; ou a cena do almoço após o que acontece com Stevie, onde o Sr. Verloc se dá conta do que a esposa queria fazer com a faca e acaba se entregando facilmente para que ela fizesse o que estava pensando (François Truffaut chegou a dizer que via nessa cena mais um suicídio que um assassinato, opinião da qual também compartilho). O próprio Verloc faz de tudo para ser odioso e odiado depois da morte de Stevie, provocando a esposa com falas que incomodam bastante o espectador.

Hitchcock nunca fez segredo de que não gostava da cena da bomba no ônibus, algo que ele sempre chamava de “um erro terrível”. É claro que a cena é bastante forte e chacoalha o espectador na cadeira, mas não há dúvidas de que ela faz parte da melhor sequência de eventos do filme, por mais trágica que seja. Desde a saída de Stevie do Cinema Bijou até a explosão da bomba-relógio no ônibus, há uma criação de tensão sem igual no filme e, de certa forma, toda a obra só faz sentido porque existe esse sacrifício, algo a que o diretor chega em seu raciocínio final e é prontamente compreendido pelo público. É uma pena que o romance e a conveniente explosão do cinema ao final de Sabotagem manchem a sua qualidade geral – afinal, não há quem segure romance desnecessário e Deus ex Machina como ingredientes marcantes de um filme.

Não se trata, todavia, de uma obra ruim. Há muitos elementos tipicamente hitchcockianos na fita que lhe dão um charme e uma atmosfera toda especial, contando até com uma contrastante cena do desenho A Flecha do Amor (1935), de David Hand, produzido pelos estúdios Walt Disney. Essa cena, apesar de aparentemente alegre, dá um significado ainda mais pesado à morte de Stevie e deixa claro o estado de choque em que a Sra. Verloc se encontrava após receber da notícia. Num primeiro momento, ela tenta “fugir” ou esquecer a situação através do cinema, mas o que está na tela remete não só ao personagem mas também o público à tragédia que acabara de acontecer… Sabotagem é uma daquelas produções em que temos as melhores características de um diretor em um filme cuja história se auto-boicota.

  • Crítica originalmente publicada em 17 de fevereiro de 2014. Revisada para republicação em 03/01/20, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

Sabotagem / O Marido Era o Culpado (Sabotage) – UK, 1936
Direção:
Alfred Hitchcock
Roteiro: Charles Bennett, Ian Hay, Helen Simpson, Alma Reville, E.V.H. Emmett (baseado na obra de Joseph Conrad).
Elenco: Sylvia Sidney, Oskar Homolka, Desmond Tester, John Loder, Joyce Barbour, Matthew Boulton, S.J. Warmington, William Dewhurst
Duração: 76 min.

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