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Crítica | Salt

por Luiz Santiago
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estrelas 2

Evelyn Salt (Angelina Jolie, a quem prefiro em Lara Croft: Tomb Raider ou Sr. e Sra. Smith) é uma agente secreta da CIA, casada com um aracnologista alemão. No dia de seu aniversário de casamento, ela é acusada de ser uma espiã russa, uma das “peças” do ‘Dia X’, plano que tem por objetivo dar início à aniquilação dos Estados Unidos frente à comunidade internacional. E aí vai a nossa primeira observação: embora Salt não seja quem dizem que é, sua figura, o leitmotiv do filme, abre as portas para a demonização soviética e para impingir na cabeça do espectador a seguinte aproximação genérica: eis o casal vilão “inimigo do mundo”: o nazista e a comunista.

A sequência inicial do filme é na Coreia do Norte, com Salt sendo torturada, filmada por uma câmera na mão sob ângulos diversos. Ela é libertada e o filme ganha um ar de normalidade temporária, voltando aos “dias de hoje”. Ao ser acusada por um dissidente russo que afirma que Evelyn Salt é uma espiã, dá-se início a uma jornada de alta tensão e ação protagonizada por uma (anti)heroína em construção.

Quem é Salt? A pergunta feita nos letreiros do trailer e nos spots de TV, desafia o espectador já na primeira meia hora do filme, que é desnecessariamente muito longo. Seria ela uma patriota ou de fato uma espiã russa em vias de dar início à destruição da maior potência mundial? As perguntas terão suas respostas a prestação durante filme.

O roteiro claudicante de Kurt Wimmer não consegue ser objetivo e se esparrama em historietas sem justificativa narrativa, a maioria delas postas como flashbacks cujo objetivo é contrapor um passado maravilhoso ao inferno de traições e perseguições do presente. Mas se o roteiro é confuso e se atropela diversas vezes, a construção dos vários mistérios chega a merecer aplausos porque foge da expectativa inicial, pelo menos não sendo previsível em seu desenvolvimento. Entretanto, a quantidade de intrigas, conspirações e motivos psicológicos confundem o espectador, que só é preso à trama pela incessante carga de ação do filme – não há nenhuma quebra de tensão ou modulação narrativa através da montagem, nada. O espectador dá graças a Deus quando o filme acaba.

Em oposição à (anti)heroína mentirosa, os vilões são os únicos que dizem a verdade. As máscaras “asseguram” a fidelidade do indivíduo ao país – ser agente da CIA, por exemplo. Mas as mentiras não param por aí. Retornemos ao início do filme, quando Salt é resgatada, na Coreia do Norte. A única opção do Senado é atender ao pedido de resgate feito pelo  namorado da prisioneira, porque não queriam “alarmar a população”. Agora lembremos da cena final: como aquele detetive justificaria a fuga de Salt, do helicóptero? Certamente não diria que ele mesmo a libertou “pelo bem da nação”. Vejam que, para a “salvação de todos”, uma mentira ou outra é aprovada e aplaudida, o que gera um ciclo infinito de ações e possibilidades e, talvez por isso, o filme termine com cara de Salt 2.

A música de James Newton Howard é tão sufocante quanto a avalanche de ação da fita. Seu papel é decorativo, apenas aumenta a tensão psicológica do espectador e para por aí. Os raros momentos de pausa é quase um bálsamo para os ouvidos. A direção de Phillip Noyce é medíocre, destacando-se apenas em “cenas sérias”, como a do primeiro interrogatório, cinematograficamente uma das melhores sequências do filme. No tocante às externas, vê-se que Noyce conseguiu trabalhar muito bem os espaços (lições aprendidas com a Trilogia Bourne?), e dar uma mobilidade notável ao cenário, não se atendo a pequenos nichos de ação mas ampliando-os o máximo, como podemos ver na admirável sequência da fuga de Salt pulando de caminhão em caminhão como se fosse uma spider-woman.

Robert Elswit tem o seu mérito fotográfico especialmente nas tomadas internas, nos flashbacks e nas panorâmicas aéreas sobre a branca paisagem russa. De resto, nada demais. A direção de arte, a cargo de Teresa Carriker-Thayer obedece a funcional aparência dos ambientes cênicos e merece muitos aplausos pela boa “caracterização psicológica” dos espaços. A montagem de Stuart Baird e John Gilroy acerta apenas nos momentos de tensão, quando prepara e surpreende o espectador. No restante do filme, a narrativa-de-choque é usada para dar conta do ritmo, o que faz o resultado final ser ruim, já que o filme tem imprestáveis planos muito longos e preciosos planos curtos demais. Não há um equilíbrio temporal no filme, os takes são porque são, não representam muita coisa a médio ou longo prazo e tudo depende do roteiro cheio de buracos e barrigas.

A História se reinventa a cada dia. A memória é manipulada sempre que possível: lembrar-se das coisas pode ser uma arma perigosa, por isso, visitar o passado sob um “novo olhar” é algo periodicamente necessário: “se alguém lembrar-se disso, que lembre-se assim”. Salt é apenas uma face da moeda vista como entretenimento. Seu alcance como diversão pode ser exagerado e mal conduzido, mas é justificável. Já sua abordagem pode querer dizer algo mais do que o óbvio exposto na ação. Mas isso depende da visão de cada espectador.

Salt (Estados Unidos, 2010)
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Brian Helgeland, Kurt Wimmer
Elenco: Angelina Jolie, Chiwetel Ejiofor, Liev Schreiber, Victor Slezak, Zoe Lister Jones
Duração:  101 min.

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