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Crítica | Sangue de Heróis

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Sangue de Heróis recria a lendária batalha de Little Bighorn (1876), em Montana, Estados Unidos, na qual se destaca a também lendária figura do General Custer. Com roteiro de Frank S. Nugent (em sua primeira experiência no cinema), a obra dá início à Trilogia da Cavalaria de John Ford, completada por Legião Invencível (1949) e Rio Bravo (1950). A base para seu roteiro veio de Massacre, história de James Warner Bellah publicada no Saturday Evening Post de fevereiro de 1947.

Produto do pós Segunda Guerra Mundial, Sangue de Heróis marca a era de um nacionalismo fascinado de John Ford, que voltou do conflito com a patente de Almirante. Terminada a guerra, o cineasta retomou a carreira com Paixão dos Fortes (1946), onde destacou as raízes e o modo de vida americano a oeste do Mississippi em um hino trágico-familiar com toques de esperança e felicidade por estar “de volta ao lar”. Sangue de Heróis foi o seu western seguinte (vindo depois de um drama histórico chamado Domínio dos Bárbaros, 1947) e dá atenção à cavaleria americana, tanto em relação ao modo de vida na reserva miliar quanto na ação dos soldados em serviço, o ‘problema ético’ trabalhado no longa.

O cenário do longa é o Monument Valley, praticamente a “casa” de John Ford após No Tempo das Diligências, mas temos também algumas tomadas em ranchos e outras paisagens do Simi Valley, na Califórnia e cenas gravadas no Selznick International Studios, no mesmo Estado. A equipe passou o tempo todo nas locações, entre tempestades de areia e calor abrasador, o se revelou um inferno para todos, especialmente para o estreante John Agar (esposo de Shirley Temple) a quem John Ford humilhava e chamava de ‘Senhor Temple’ só para irritá-lo – consta que John Wayne foi quem impediu Agar de abandonar as gravações, imaginem só o ponto em que a coisa toda chegou. No entanto, sabemos que Ford era um ‘pequeno ditador’ com seus atores, gritando com eles o tempo todo mas devotando-lhes longa amizade quando compreendiam que esse era o seu estranho modo de trabalhar (John Wayne que o diga).

Mas todo o sacrifício de produção valeu a pena. Sangue de Heróis não só tornou-se um grande filme como também foi um grande sucesso à época do seu lançamento e marcou um ponto interessante na carreira de Ford, momento em que ele fixou de forma definitiva uma abordagem mais sóbria a respeito do índio, filmando os impactos históricos do Destino Manifesto, mostrando que vilões existem em todas as etnias e épocas e que sempre é possível encontrar pessoas dispostas a conviverem em paz. Em Sangue de Heróis temos justamente a bifurcação desse caminho, com o personagem de Henry Fonda seguindo a ambição de promoção militar por exterminar Apaches e o de John Wayne tentando reconciliá-los com os brancos.

O roteiro não tem uma abordagem filosófica nem nada do tipo, mas arquiteta muito bem a relação entre a vida privada dos homens e mulheres e a dedicação à nação, trazendo críticas interessantes no plano sociológico e que ganham força na trama porque trabalham com o sacrifício da vida humana à toa, apenas pelo capricho de um homem afogado em seu próprio ego e poder, homem a quem outros homens têm juramento de obedecer, mesmo sabendo que caminham para a morte (vejam só que ironia um tanto sádica nisso).

Mas Sangue de Heróis se sagra uma excelente obra justamente em seu ponto alto, onde percebemos o real e simbólico sentido de toda a jornada percorrida pelos heróis (com ou sem aspas). A publicação da lenda e o registro da memória de alguém não só apresenta a grande injustiça na história das relações humanas como também se esquece dos que não tinham “importância oficial”, filtrando de maneira quase incompreensível quem entra e que não entra para os autos da História.

A reflexão do personagem de John Wayne, ao final do filme, é dolorosa e profundamente emocionante, com a sugestiva imagem da cavalaria refletida na janela (as sombras dos heróis do passado cimentando os heróis do presente, imagem belissimamente composta pela fotografia) e a música de Richard Hageman fechando o filme como um poema sinfônico. Um término de composição épica e ao mesmo tempo sutil para esta primeira parte da Trilogia da Cavalaria.

Sangue de Heróis (Fort Apache) – EUA, 1948
Direção:
John Ford
Roteiro: Frank S. Nugent (baseado na obra de James Warner Bellah)
Elenco: John Wayne, Henry Fonda, Shirley Temple, Pedro Armendáriz, Ward Bond, George O’Brien, Victor McLaglen, Anna Lee, Irene Rich, Dick Foran, Guy Kibbee, Grant Withers, John Agar
Duração: 122 min.

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