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Crítica | Sede de Viver

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Dirigido por Vincente Minnelli, com um único dia de filmagem sob as mãos de George Cukor, devido a uma ausência de Minnelli, Sede de Viver (1956) é um dos mais famosos filmes sobre a vida do pintor holandês Vincent Van Gogh, aqui interpretado por Kirk Douglas (indicado ao Oscar de Melhor Ator por sua soberba performance). Mas não só isso. O roteiro de Norman Corwin, adaptação do romance de Irving Stone lançado em 1934, foge do espetáculo fácil, não se rende às fofocas e lendas da vida do pintor, não carrega nos diálogos cínicos ou explicativos.

Com um diretor do porte de Vincente Minnelli, o roteiro chegou às telas como uma viagem pela mente, comportamento e sentimentos de Van Gogh, o que faz de Sede de Viver um dos longas mais honestos sobre a vida de um artista, capturando a produção e as emoções do biografado, tomando sua vida como um motivo para a criação que algo sublime, eterno. O contraste entre a cena de abertura e de fechamento do longa, mostrando a origem e depois o legado do protagonista exemplifica esse uso do momento presente para ressaltar a importância da obra que ficou.

A narrativa é linear, mas não existe uma progressão óbvia dos eventos. Minnelli faz de cada cidade onde Van Gogh morou um motivo para criar e é só depois de estabelecer esse cenário geográfico — com suas cores particulares e maior ou menor presença da música de Miklós Rózsa — que vemos decepções se acumularem e piorarem a doença que levará o artista ao suicídio em 1890, aos 37 anos. E é muito trágico pensar que um ano depois morreria seu irmão Theo, aos 33 anos, de paralisia geral (ou demência paralítica).

A relação entre os dois irmãos é um dos pontos fortes do filme e se sagra como a única linha verdadeiramente sólida de interação humana e amorosa que Van Gogh teve na vida. Não há, porém, uma verdadeira simpatia no contato entre os dois homens. O espectador consegue ver muito mais “intimidade” ou demonstrações de carinho entre Van Gogh e Paul Gauguin (Anthony Quinn, que levou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) do que em relação a Theo. Mas percebam o quanto a mão de um bom diretor pode construir muita coisa apenas com precisão na relação entre seus personagens. Por mais simpática que seja a amizade de Van Gogh e Gauguin, há uma aura destrutiva que marca os dois artistas, que divergem em relação ao olhar para o mundo e também em relação às formas de se trabalhar. Por outro lado, por mais “impessoal” ou “fria” que pareça a relação entre Vincent e Theo, há um verdadeiro amor entre os dois, um verdadeiro apoio que segue até o final da vida do mais velho.

Ao se recusar a filmar amenidades, Minnelli percebeu que não seria fácil dar conta de sua ideia de representação da arte como grande destaque do longa sem apelar para algum elemento didático. Isso, em um primeiro pensamento. Ao lado dos diretores de fotografia Russell Harlan e Freddie Young, o cineasta conseguiu contornar a questão tornando orgânicas as aparições dos quadros na tela de cinema e para isso, elencou um preciso uso de cores dentro de cada fase da pintura de Van Gogh, com as telas sempre espalhadas pelos cômodos (nota-se também um excelente trabalho da direção de arte) e que em pontos especiais da película se destacam em zoom, como um momento congelado em tinta que condensa toda a dor daquele que o pintou.

A escolha foi narrativamente perfeita, pois, desse modo, a obra não se torna chata, os quadros acabam servindo como marcações da linha do tempo do artista e também um impulso visual sobre o momento, coisas que nem o roteiro e nem a música chegam a dizer, mas que vemos e nos sentimos tocados por aquilo (tome como exemplo o belo e ao mesmo tempo medonho Campo de Trigo com Corvos, última tela que presenciamos o protagonista pintar, antes do suicídio).

Mais do que uma cinebiografia de um pintor genial que morreu miserável, Sede de Viver é um filme sobre a noção de necessidade da arte, os sentimentos em torno de cada criação, a história que dá origem a vanguardas e quadros famosos, duas das muitas coisas que vemos representadas no longa.

Há um tom anticlimático no fim que tem relação com as escolhas não unicamente espetaculares do diretor, mas isso desacelera rápido demais a avalanche de sentimentos com as quais fomos bombardeados por duas horas. A interpretação de Kirk Douglas é intensa, com gestos muito bem escolhidos e sem nenhum exagero de expressões. Seu Van Gogh não parece um desequilibrado qualquer. Sua perturbação é legítima, nós entendemos seus motivos e vemos verosimilhança na maneira como ele a encarna. Um grande trabalho de dramaturgia.

Até que ponto alguém deve ir para tornar real a sua necessidade de se expressar, de passar para algum lugar aquilo que sente, que quer confessar, que vê ao seu redor? Do corpo curvado de Kirk Douglas que vemos logo na primeira cena em que ele aparece, até a figura patética e atormentada que encontramos no final, essas perguntas estão o tempo todo nas entrelinhas e chegamos ao final com um dilema que cada um responderá com um certo peso na consciência, ao ver um painel de obras famosas de Van Gogh e notar que a vida de seu autor se esvaiu à medida que cada uma daquelas telas iam sendo pintadas. É por isso que Sede de Viver é um filme tão grande. Ele não apenas fala de arte, mas nos faz refletir e julgar coisas a seu respeito. Não é toda biografia de pintores que proporciona isso ao espectador.         

Sede de Viver (Lust for Life) — EUA, 1956
Direção: Vincente Minnelli (com apenas 1 dia de filmagem dirigido por George Cukor, por conta da ausência de Minnelli)
Roteiro: Norman Corwin (baseado no livro de Irving Stone)
Elenco: Kirk Douglas, Anthony Quinn, James Donald, Pamela Brown, Everett Sloane, Niall MacGinnis, Noel Purcell, Henry Daniell, Madge Kennedy, Jill Bennett
Duração: 122 min.

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