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Crítica | Sedução da Carne

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Sedução da Carne (Senso, no original) foi o terceiro longa-metragem de Luchino Visconti e o filme que marcou a revolução estética e temática em sua carreira. O cineasta começara dentro do movimento neorrealista italiano, abordando os problemas das classes sociais menos abastadas e discutindo-os política e socialmente (às vezes de maneira indireta ou alegórica) em Obsessão, A Terra Treme e Belíssima. Nesse meio tempo ele também colaborou com outros diretores no documentário sobre a Resistência Italiana na luta contra o fascismo (Dias de Glória, 1945) e dirigiu o seu primeiro curta-metragem solo, Appunti su un Fatto di Cronaca (1951) um documentário curto mas bastante denso sobre o estupro e morte de uma garota italiana em um bairro de Roma.

Em Senso, o diretor quebraria a fronteira do neorrealismo abordando a vida da Corte italiana e sua relação com o Exército de ocupação austríaco num (melo)drama histórico sobre o Risorgimento (processo histórico de luta para a unificação da Itália em meados do século XIX), espelhando a decadência de ambos os setores sociais. Em uma visão mais rasa, temos uma complexa e enojante história de amor fracassada que acompanha a decadência moral e física dos personagens, uma imagem imediata e metafórica de suas contrapartes políticas.

Visconti demostrou em Senso um impressionante domínio cinematográfico para um diretor em início de carreira e com o primeiro que fazia em cores. Sua aproximação com a ópera italiana, mais exatamente com Il Trovatore (que é uma ópera de tema social, vale lembrar) teve a ajuda da fonte literária na qual se baseia, o romance Senso, de Camillo Boito, escrito em 1882. É com base no livro que a atmosfera romântica se cria e se alterna com o realismo viscontiano. Em sua leitura estética e política, o diretor deu às palavras de Boito a alusão de uma sociedade decadente no século XX, recém-saída da luta contra os fascistas e nazistas e pontuada por conflitos internos entre partidos políticos de diferentes orientações.

É pena que a força do texto e dos diálogos para o relacionamento entre a Condessa Serpieri (Alida Valli) e o Tenente Franz Mahler (Farley Granger) suplante o significado das entrelinhas, mesmo que possamos enxergar ali uma maior substância sem muito esforço, até porque o filme traz blocos inteiros (os melhores de todo o longa) dedicados especialmente ao drama histórico, com tomadas de tirar o fôlego feitas em Veneza, Roma, Verona e Mântua.

Visconti traz os temas bucólicos de alguns pintores renascentistas e praticamente os emoldura na tela, um tipo de meta-enquadramento que se espalha pelo filme, como se tudo fosse o grande palco de uma ópera ou sinfonia (Verdi e Bruckner estão lá, na trilha sonora, para provar) ou uma paisagem viva emoldurada, envelhecendo e mofando aos poucos.

A importância de Sedução da Carne para a obra futura de Visconti é gigantesca. Na verdade, ela se tornaria o primeiro exemplar de uma nova abordagem estética para o diretor, o que já havíamos visto na trinca anterior mas que ganha glamour estonteante neste filme, basta olharmos as primeiras cenas com os figurinos de Alida Valli, as fardas impecáveis dos soldados austríacos, a sobriedade do guarda-roupa dos servos e simplicidade luxuosa dos outros membros da corte, com belíssimo contrate de cores — em parceria com um exercício da direção de fotografia e arte, alternando ambientes quentes e frios e vazios ou visualmente poluídos — e variação de modelos numa mesma linha temática, não se dando a invenções despropositadas. A isso se soma o trabalho com temas históricos e a presença de bandeiras, dinâmica das batalhas que realmente aconteceram e variações morais representadas por elementos como cores das roupas, ausência e excesso de maquiagem e tensão musical.

Fitas como O Leopardo, Os Deuses Malditos, Morte em Veneza e Ludwig devem sua perfeição e rigor estético a este exercício político do diretor, que entendeu, ainda bem cedo, que ele não precisava mostrar os miseráveis da Itália para fazer um apanhado crítico da política nacional ou expor as feridas internas e externas da sociedade onde vivia. Ao olhar para o passado, Visconti talvez tenha feito muito mais. Ele compreendeu o momento presente como resultado de um processo histórico particular ou derivações farsescas destes momentos, portanto, ir atrás de tal semente se tornou o lema de uma parte de sua filmografia a partir deste nuclear Sedução da Carne, busca começada com o pé direito e que formataria trabalhos cada vez mais impressionantes.

Sedução da Carne (Senso) – Itália, 1954
Direção:
Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Suso Cecchi D’Amico, Carlo Alianello, Giorgio Bassani, Giorgio Prosperi (baseado na obra de Camillo Boito).
Colaboradores na escrita dos diálogos: Tennessee Williams e Paul Bowles
Elenco: Alida Valli, Farley Granger, Heinz Moog, Rina Morelli, Christian Marquand, Sergio Fantoni, Tino Bianchi, Ernst Nadherny, Tonio Selwart, Marcella Mariani, Massimo Girotti
Duração: 118 min.

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