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Crítica | Sense8: Amor Vincit Omnia

por Luiz Santiago
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Omnia Vincit Amor et nos Cedamus Amori

Virgílio

O Amor Vence Tudo. Ou… O Amor Tudo Conquista. Com esse verso dos Éclogas do poeta romano Virgílio, os produtores de Sense8 e sua co-criadora e diretora Lana Wachowski colocam um fim à série, num episódio de 2h30 feito sob medida para desidratar metade da população mundial. Depois do intenso, mas desequilibrado Finale da 2ª TemporadaYou Want a War?, e da notícia de que a série não seria renovada para um terceiro ano, os fãs entraram em parafuso. A possibilidade de não ter um encerramento real para um show com essa magnitude e excelente proposta, era não só um desserviço para a Netflix, como também um grande desrespeito para com os fãs, que sabiam que a série havia sido pensada para 5 Temporadas e que muita coisa ainda precisava ser dita e mostrada. O clamor e forte insistência do público trouxe resultados. A rede anunciou a produção de mais um episódio, um longo capítulo que fecharia todas as janelas, amarrarias as pontas dramáticas de todos os núcleos e colocaria um ponto final na série. Sob direção de Lana Wachowski, que também escreveu o roteiro, ao lado de David Mitchell e Aleksandar Hemon, nasceu Amor Vincit Omnia.

Sem muitas explicações iniciais — mesmo com 2h30 disponíveis, tempo era crucial para o episódio, afinal, o que restava de ideias previstas para mais três temporadas teria que ser reescrito e agrupado aqui — retomamos a linha de investigação do Cluster, agora com Whispers (Terrence Mann) e Jonas (Naveen Andrews) sob sua custódia. Em montagem paralela, vemos Wolfgang (Max Riemelt) presenciar um momento muito duro de sua vida. Essas informações adicionais sobre ele podem parecer soltas aqui, mas serviram para fechar a construção do personagem, no sentido de justificar algumas de suas ações, dando uma passada por tudo o que ele fez e deixando para o espectador julgar se estamos ou não diante de um “monstro”, como ele mesmo se definiu muitas vezes. Esse aspecto relacionado a Wolf é algo que percebemos diversas vezes no episódio: cenas que claramente foram concebidas para linhas narrativas mais longas, mas que surgem como suspiros de emergência na história, gerando possíveis desconfortos. E aqui vai um ponto importante em relação à minha avaliação final da obra.

Existem arranjos de roteiro que só funcionam de maneira local, mas parecem soltos no todo da obra. Outros arranjos, que só fazem sentido analisados a partir do fim, e sua qualidade depende da força desse significado último. E ainda outros, que é o caso deste episódio, que podem parecer corridos demais, excessivos ou deslocados em um momento ou outro, mas, mesmo com essa visão de como aspectos da história são utilizados para fazer a trama avançar, o espectador consegue entender o motivo do por quê estão ali. Nessas ocasiões, porém (e isso é algo bastante particular, então será perfeitamente compreensível se alguns de vocês seguirem caminhos de recepção diferentes), se o enredo for bem fechado, fazendo jus à proposta da obra, encerrando destinos de maneira que a gente se sinta, enfim, preparados para dizer adeus aos personagens (como se isso fosse possível…), então esses tropeços perdem força, não chegam a pesar na balança a ponto de tirar algo da série, diante de todo o bom trabalho técnico feito através da direção, fotografia, arte, figurinos, trilha sonora (destaque para a cena com I Feel You, do Depeche Mode) e principalmente, do arco construído pelo roteiro, com um plano de salvação de um membro do grupo e contra-ataque à Biologic Preservation Organization e ao Cluster de Lila (Valeria Bilello).

Durante todo o episódio, percebemos o aproveitamento do tempo em diversas linhas de ação, passando por ameaças individuais e de grupo; por dualidades de personalidade, recolocando Jonas de maneira inteligente na série, algo que não imaginei que fosse possível; e por surpresas em relação a ajuda e composição de elenco, de fato reunindo todos em um único lugar: Felix (Max Mauff), o melhor amigo de Wolf; Diego (Ness Bautista), o melhor amigo de Will (Brian J. Smith) e o impossivelmente adorável Detetive Mun (Sukku Son), o par perfeito da impossivelmente incrível Sun (Doona Bae). Por mais que seja um episódio longo, o tempo aqui é tão bem utilizado, que mesmo nas já citadas e contextualizadas “cenas incômodas” temos uma forma bem pensada de ligar momentos mais leves e calmos com os grandes problemas e perseguições em andamento. Todo mundo ajuda de maneira notável em algum ponto da história, tanto sensates quanto sapiens, e nesses momentos vemos o roteiro fazer jus a personagens tão importantes para a “âncora comum” da série, vide as ações de Amanita (Freema Agyeman), Hernando (Alfonso Herrera), Daniela (Eréndira Ibarra) e Bug (Michael Sommers). Até sobrou tempo para inserção e desenvolvimento de Rajan (Purab Kohli), outra surpresa do episódio, tanto na forma como o personagem se adequou ao grupo, como na maneira com que o texto desenvolveu a relação dele com Kala (Tina Desai) e Wolf, algo igualmente inesperado.

A interação entre personagens aqui requer uma boa atenção do público, em um primeiro momento, pois o hábito de “visitas” se misturam com a presença física do Cluster em Paris, o que pode dar um pequeno nó na cabeça, mas a gente se acostuma rápido. Isso nos leva aos momento em que esta reunião de personagens é utilizada para nos fazer perceber a profunda conexão e a enorme quantidade de sentimentos e comportamentos misturados em um único espaço, fortalecendo cada um deles como pessoas e fazendo-nos perceber e sentir essa ligação de diversas formas, passando por problemas pessoais e demonstração de ansiedade, grande força e pensamento rápido, como vemos em Lito  (Miguel Ángel Silvestre) e Riley (Tuppence Middleton); por uma engajante felicidade de fazer parte de tudo aquilo (Toby Onwumere interpreta aqui um Capheus extremamente caloroso aqui); e por uma relação entre razão e emoção centrada em Nomi (Jamie Clayton) que aglutina e solidifica as relações de todos, tendo como ímã o seu belíssimo casamento com Amanita, mostrando, mais uma vez, que unidos pelo amor, tudo se pode vencer, tendo em vista os mais diversos tipos de vitória.

Em temos de ódio, segregação e vozes de “morte a…” grupos X e Y, uma série como Sense8 tem um significado histórico. O show versa sobre todas as diferenças possíveis que faz de nós, humanos, seres vivos em um mundo cheio de mistérios, dores e prazeres. Uma mistura de cores, etnias, status quo, gêneros, sexualidades, pensamentos, habilidades, formas de encarar a vida e as pessoas ao redor, e ainda assim, capaz de integrar um grupo que é forte justamente porque faz dessas diferenças um meio de crescimento e aprimoramento individual e coletivo, não uma desculpa para dividir e odiar. Sense8 nos deixa aos prantos, mas com a sensação de término bem feito (em meio à beleza de muitos corpos nus), fazendo-nos pensar e incorporar a mensagem de convivência com quem é diferente de nós e, sempre que possível, de demonstração de amor para aqueles que moram em nossos corações e que vivem em nossas memórias. Um fim emocionante, convidativo e digno. Um episódio que nos faz querer abraçar o mundo e gritar “Amor Vincit Omnia” para quem quiser ouvir.

Sense8: Amor Vincit Omnia (EUA, 8 de junho de 2018)
Direção: Lana Wachowski
Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell, Aleksandar Hemon
Elenco: Doona Bae, Jamie Clayton, Tina Desai, Tuppence Middleton, Max Riemelt, Miguel Ángel Silvestre, Brian J. Smith, Toby Onwumere, Freema Agyeman, Alfonso Herrera, Terrence Mann, Daryl Hannah, Naveen Andrews, Wyatt Alexander, Ness Bautista, Stephen Boxer, Ben Cole, Eréndira Ibarra
Duração: 151 min.

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